Com a manobra para contornar o teto de gastos e abrir espaço no orçamento para o aumento do gasto público em 2022, o governo antecipa o clima de eleições e traz mais volatilidade ao mercado.
Diante do cenário adverso de inflação, juros, dólar e desemprego em alta, o presidente Jair Bolsonaro aposta suas fichas na implementação do programa social Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, para recuperar a popularidade às vésperas das eleições do próximo ano. Inicialmente pensado para oferecer um benefício com valor médio de R$ 300, o programa dependeria da aprovação da PEC dos precatórios, que permitiria o parcelamento das dívidas judiciais da União, para não furar o teto.
A proposta já era vista por alguns como uma manobra para driblar o teto dentro dos limites da lei. Para o economista Alexandre Schwarstman, ex-diretor do Banco Central e ex-economista-chefe do Santander, a PEC nada mais é do que uma maneira de fingir que o governo está atendendo o teto de gastos.
“Em algum momento, você precisará pagar os precatórios, que passam por correção da Selic. Ou seja, no que isso é diferente de uma LFT? É dívida do mesmo jeito. Pagará juros em cima disso. Portanto, não é solução. Só permite que se aumente o gasto.”
Apesar de a proposta desagradar alguns setores do mercado, ela era vista por outros como uma maneira de conciliar os interesses da ala política e da equipe econômica do governo, permitindo que o governo lançasse o novo programa social sem violar diretamente o teto.
O que mudou na PEC dos precatórios
O valor de R$ 300, entretanto, foi considerado insuficiente, e Bolsonaro sinalizou que não pretende limitar seus gastos ao Auxílio Brasil. Além de propor um aumento do valor do benefício para R$ 400, o presidente ainda anunciou um auxílio aos caminhoneiros autônomos que custaria cerca de R$ 4 bilhões aos cofres públicos.
Para permitir a inclusão dessas e de outras possíveis novas despesas no orçamento, a PEC dos precatórios recebeu algumas alterações na comissão especial criada na Câmara dos Deputados para analisar a proposta, dentre as quais está a mudança da regra de correção do teto de gastos, liberando quase R$ 84 bilhões para serem gastos em 2022.
Ubirajara Silva, gestor da Galapagos Capital, avalia que essa manobra, por si só, já configura o rompimento do teto de gastos. “O teto de gastos existe justamente para segurar as contas do governo e evitar que o governo gaste mais do que pode gastar. Quando você muda o nível desse teto, você já está estourando o teto de gastos”, complementa.
A PEC segue agora para a votação no plenário da Câmara, precisando de ao menos 308 votos em 2 turnos para ser aprovada.
Reação do mercado
Com a notícia, o Ibovespa fechou em queda de 2,75% na quinta-feira (21), aos 107.735 pontos. Os pedidos de exoneração de integrantes da equipe econômica contribuíram para que a Bolsa operasse no vermelho também nesta sexta-feira (22).
Marco Tulli, superintendente de Mesas de Operações da Necton, avalia que o mercado já antecipa o clima de eleições: “O mercado já vem precificando [as eleições], o jogo já começou, vai se acirrar mais ainda e a volatilidade só aumentará.”
Para Nelson Muscari, coordenador de fundos da Guide, o rompimento do teto de gastos resulta na perda da previsibilidade das contas públicas, o que traz mais instabilidade aos mercados e incerteza quanto à trajetória da dívida pública. “Vemos que se o Congresso quiser, e ele quer, principalmente chegando perto das eleições, ele pode aumentar os gastos e tomar um viés mais populista”, acrescenta.
Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, comenta que a medida compromete todo o processo de recuperação fiscal, melhora de arrecadação e redução de gastos do governo observado nos últimos anos. Vieira lembra ainda que “o descalabro fiscal num passado muito recente gerou inflação no Brasil”, e diz que a tendência é que isso ocorra novamente.
“Os investidores não operam proativamente, eles operam reativamente. E o que acontece agora com os ativos do mercado financeiro é uma reação às notícias de que cada vez mais não vai haver um controle da questão fiscal e não vai haver, principalmente, um avanço das reformas estacionadas no Congresso, tudo isso porque o expediente agora, antecipado em um ano, virou eleição.”
Gustavo Taborda, economista e assessor da PHI Investimentos, avalia que esse episódio expõe a falta de comprometimento das forças políticas do País com o cumprimento de regras fiscais: “Se criou o teto de gastos para evitar situações como essa, mas quando a situação surge, o que o governo faz é uma manobra para contornar a limitação e conseguir aquilo que ele tem de proposta inicial.”
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