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Entrevista: Alexandre Schwarstman vê Brasil perto de afundar no caminho errado

'Não somente estamos mal, mas a perspectiva para frente não é mudar o rumo' (Foto: Alexandre Schwarstman)

Reconhecido pela análise independente da macroeconomia brasileira, o economista Alexandre Schwartsman está desanimado com o Brasil. Para além dos problemas fiscais e da inflação e juros em alta, o ex-diretor do Banco Central e ex-economista-chefe do Santander tem dificuldade de enxergar uma luz no fim do túnel a partir do prenúncio da corrida ao Palácio do Planalto.

“Nós teríamos que forjar um consenso para ajustar essas questões. E, politicamente, é uma coisa complicada. As alternativas que estão se delineando para o ano que vem ou é de continuidade desta administração incompetente, ou a volta do PT”, diz o consultor da Schwartsman & Associados, em entrevista ao Mercado News.

Para ele, o esforço do Banco Central em trazer a inflação para baixo no ano que vem vai custar um crescimento mais fraco, mantendo elevada a taxa de desemprego. Um sinal de alerta sob a perspectiva eleitoral. “Justo ou injusto, as pessoas numa situação como essa tendem a atribuir ao governo a culpa da situação econômica do País.”

A seguir, leia os principais trechos da conversa:

Mercado News – O que tira seu sono na economia brasileira no momento atual?

Alexandre Schwarstman – Estou muito pessimista e desanimado com o País de maneira geral.

Nós temos desafios grandes e tivemos oportunidade para lidar com eles, particularmente o mercado internacional, em que pese altos e baixos, de maneira geral, extraordinariamente favorável para mercados emergentes, com juro baixo, crescimento, preços de commodities bombando, dinheiro a rodo…

Tivemos uma janela de oportunidade extraordinária para lidar com os nossos problemas. Eu tenho plena consciência de que qualquer coisa que você faça só vai se materializar daqui alguns anos, mas era exatamente nesta janela que teríamos que fazer as coisas, aproveitar essas condições.

Fizemos pouco da nossa agenda de reforma econômica. Fizemos reforma da Previdência, mas não fizemos nada na parte tributária, nada na parte administrativa, nem em termos de abertura econômica.

Eu olho para o conjunto da obra e vejo que a gente desperdiçou os últimos anos. E as perspectivas são ruins. Temos um País que cresce pouco. Vai crescer 5% neste ano porque caiu 4% no ano passado – está crescendo pela base de comparação muito deprimida. Mas é um País que se espera crescer 1,5%, 2% quando vai bem.

Temos um problema fiscal não resolvido. Está todo mundo fingindo que está tudo bem porque a inflação bastante alta neste ano deu uma comida na dívida. Mas estão achando que isso vai acontecer todo ano, e não vai.

Temos um problema de produtividade, enfim, para onde olharmos, o País ficou no corner.

Para agravar isso tudo, nós teríamos que forjar um consenso para ajustar essas questões. E, politicamente, é uma coisa complicada. As alternativas que estão se delineando para o ano que vem ou é de continuidade desta administração incompetente, ou a volta do PT. Mas não é o Lula de 2003-2006, é o Lula do fim do governo dele, da Dilma Rousseff, podemos esperar política econômica de gasto e intervenção.

Então não somente estamos mal, mas a perspectiva para frente não é mudar o rumo. É qualquer coisa para afundar no rumo errado.

Mercado News – Discute-se a PEC dos Precatórios (aprovada pela comissão especial da Câmara) como uma alternativa para acomodar o Auxílio Brasil perante o teto de gastos. Qual a sua posição?

Alexandre Schwarstman – Eu vejo essa discussão e sempre me lembro do François La Rochefoucauld: “A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude.”

Esse negócio da PEC dos Precatórios é fingir que você está atendendo o teto dos gastos. O Brasil tem uma fixação por fazer algo fora do espírito de uma regra, que não seja uma violação flagrante, e aí vai fazendo. É a pedalada.

Vamos assumir que não pagaremos os precatórios. Precisa pagar R$ 90 bilhões ano que vem e pagaremos R$ 40 bilhões – deixaremos de pagar R$ 40 bilhões. Ora, você se endividou em R$ 40 bilhões, se não pagou o que devia. Experimenta falar no banco que vai pagar somente metade do cheque especial. Tudo bem, a outra metade vai continuar lá e você pagará juros.

Em algum momento, você precisará pagar os precatórios, que passam por correção de Selic. Ou seja, no que isso é diferente de uma LFT? É dívida do mesmo jeito. Pagará juros em cima disso. Portanto, não é solução. Só permite que se aumente o gasto.

Então você aumenta o gasto e finge que não está aumentando porque, do ponto de vista jurídico, o teto de gastos está funcionando. Desculpa, mas isso é autoengano na veia. Hipocrisia.

A história toda é que o governo quer o Auxílio Brasil. Tudo bem, eu não sou contra o Auxílio Brasil. Acho que temos um espaço para política social no País. Mas a questão, obviamente, é maximizar as chances de reeleição do presidente da República.

Mercado News – Há quem destaque os indicadores fiscais recentes que vieram com superávit.

Alexandre Schwarstman – Essa questão de curto prazo é outro ‘me engana, que eu gosto’. Sabemos que a raiz dessa melhora fiscal é a inflação alta. A inflação alta infla as receitas, enquanto as despesas ficam para trás, ao menos em um primeiro momento. Isso melhora o desempenho fiscal.

Mas é uma inversão de fatores. Se você quer ter uma situação fiscal sólida, mantenha a inflação baixa. Não se resolve a situação fiscal tendo inflação alta. É aquela história do ‘queijo suíço`: quanto mais queijo, mais buraco; quanto mais buraco, menos queijo.

O Banco Central está brigando para trazer a inflação para a meta no ano que vem. Provavelmente não vai conseguir. Mas não vai ser a inflação que deve fechar este ano, da ordem de 8,5%, 9%. Vai ser 4%, 4% e alguma coisa. Então esse ganho inflacionário não estará aí. Por outro lado, boa parte dos gastos do governo, como salário mínimo, será reajustada pela inflação deste ano.

Bom, então a despesa cresce no ano que vem e a receita não, porque a inflação vai ser menor. É um fenômeno absolutamente temporário.

Mercado News – A natureza desta inflação pelo lado da oferta reforça o viés temporário?

Alexandre Schwarstman – É uma inflação temporária porque o Banco Central vai agir. Em parte, alguns desses impactos vão se dissipar, mas também porque o Banco Central está agindo no sentido oposto. Se o BC não agisse, seria permanente. A inflação cai porque você trabalha para isso.

O Banco Central pode ter trocado de pé neste ano, mas tem dado todas as indicações de que não pretende repetir o erro no ano que vem. Então, podemos contar com certo esforço para trazer a inflação para baixo. Será mais baixa no ano que vem e vai custar. Vai custar um juro mais alto e um crescimento mais baixo.

Mercado News – Na sua visão, então, mesmo com a postura mais incisiva do Banco Central, não vai dar tempo para uma percepção de nível geral de preços mais baixa em 2022?

Alexandre Schwarstman – Não é só uma questão de inflação acima da meta. Não é um grande tema a inflação ficar acima da meta, se não ficar muito acima. Mas para conseguir isso, o Banco Central vai subir a Selic para 9%, 9,5%, e isso vai ter um impacto na atividade econômica. Eu já levei muita ‘porrada’ por conta disso, mas a inflação não cai por gravidade. Para trazer para baixo, tem um custo do ponto de vista de atividade econômica, emprego, etc. E esse custo vai se materializar no ano que vem. E isso, sim, reduz as chances de reeleição do governo. Você não vai crescer muito em 2022.

É difícil confiar muito nas regularidades empíricas que valiam antes da pandemia, e saber se elas valem depois. Mas, ao menos no período pré-pandemia, se não crescesse bem mais do que 1%, 1% e pouco ao ano, o desemprego não saía do lugar. O consenso de mercado é crescer em torno de 1,5%. Tem gente que acha que cresce menos. Então, com esse ritmo, a gente não vai trazer o desemprego muito para baixo. Sem isso, essa sensação ruim que temos vai continuar. Muita gente perdendo emprego, alguns retornando agora ao mercado de trabalho, nos últimos 2, 3 meses.

Esse aumento da população em busca de emprego somado ao crescimento baixo é uma sinalização de que nossa taxa de desemprego vai continuar alta. Politicamente falando é um peso para qualquer um que esteja no poder naquele momento. Justo ou injusto, as pessoas numa situação como essa tendem a atribuir ao governo a culpa da situação econômica do País.

Se a situação não está boa será atribuída ao governo. E boa parte é culpa do governo mesmo.

Mercado News – E como deve ficar o custo da dívida com os juros mais altos?

Alexandre Schwarstman – Veja, este ano, apesar do aumento da Selic, a Selic média no ano (em torno 5%) será inferior à inflação (em torno 8,5%). Isso quer dizer que pagamos juros negativos na dívida. O juro que pagamos não foi suficiente para repor a perda inflacionária. Então, a questão da evolução da dívida também se beneficiou da inflação extraordinariamente alta neste ano e de um crescimento do PIB mais forte, sob a ótica relação dívida/PIB.

Imaginamos que o Banco Central vai trazer a inflação para baixo com o juro para cima, então estamos falando de uma Selic na casa de cerca 9% para uma inflação na casa de 4%, então volta a ter juro real positivo. E o crescimento do PIB não será de 5%, será de cerca de 1%, 1,5%. Temos uma força muito poderosa no sentido de elevar a relação dívida/PIB em 2022, em 2023, em 2024… Nós não mudamos a dinâmica. O que tivemos foi somente um ano de inflação alta e crescimento alto.

O que faria mudar a tendência da dívida? Passar a ter superávits primários. Agora, concretamente falando, nós não estamos contemplando essa possibilidade no ano que vem e, provavelmente, também não em 2023 e, provavelmente, não mais, dependendo do resultado de eleição.

Mercado News – O senhor ainda vê espaço para avanço de reformas e da agenda econômica?

Alexandre Schwarstman – Não. Tomara que não avance a reforma administrativa porque ela piora o que temos hoje. A questão da reforma tributária, então… Tínhamos um projeto super bem estruturado no que diz a respeito à reforma da tributação indireta, que é o grande problema do País, do ponto de vista tributário. E a gente não está avançando nada. Ao invés de pegar o projeto do Bernard Appy e levar adiante, ficamos um longo tempo no debate em cima da CPMF, que não avançou. Quando veio o projeto concreto, era uma versão aguada do que era o projeto do Appy. E o que acabou se materializando foi a história da mudança do Imposto de Renda, que também saiu um monstrengo.

Eu mando algo para o Congresso e depois abandono, deixo à própria sorte. Não é assim que funciona. Em outro contexto, no início do governo Lula, quando houve a discussão de Lei de Falências, todo dia o Marcos Lisboa estava no Congresso discutindo com os parlamentares. Não é só mandar a reforma e acabou o problema. Não, você mandou a reforma, então começaram os seus problemas. Precisa tentar aprovar do jeito mais próximo daquilo que fora formulado. Formular de um jeito e permitir que o Congresso o desfigure, não serve. As reformas acabam ficando uns monstrengos.

Se o governo não articular para aprovar, você manda um cavalo e sai um camelo. Precisa fazer articulação e não tem ninguém que faça.

Mercado News – Levando em conta que um cenário de polarização eleitoral se anuncia e que já tivemos uma mostra do governo atual, quão verdadeiramente pior para os mercados poderia ser uma candidatura Lula, se comparada a um segundo mandato de Bolsonaro?

Alexandre Schwarstman – Veja, a continuidade do governo Bolsonaro seria mais dessa incompetência que temos visto. Ele não é alguém que acredita em privatização, continua sendo um sindicalista do meio militar por extensão do funcionalismo. Então a perspectiva de reformas é baixíssima.

O Bolsonaro é um fardo para a economia nacional, além dessa ‘competência extraordinária` que vemos do ponto de vista de articulação política.

Já o Lula é uma outra vertente de autoengano quando se fala em repetição do que ele fez de 2003 a 2006. Quando o Lula assumiu em 2003, ele encontrou a casa em ordem. Chegou lá e tinha as contas públicas arrumadas, herdou um superávit primário pronto. Ele não mexeu em nada e conseguiu colher os benefícios disso, e deu sorte com um boom de commodities extraordinário no meio do caminho.

A situação hoje não é essa. Temos as contas desarrumadas e precisa fazer reforma. Essas reformas vão direto em cima do eleitorado dele. E não é só isso, política econômica do PT de verdade é a política dos anos finais do Lula e da Dilma. O que ele fala? ‘Vou acabar com teto de gastos’. Esse é o pessoal que tentou a enésima ressurreição da indústria naval no Brasil, dos campeões nacionais do BNDES, do gasto corrente é vida. Eu desconfio que Lula seria desastroso.

(Colaborou João Pedro Marinho)

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