1- Mercado News: Qual é o rendimento esperado para os fundos imobiliários nos próximos seis meses?
Rossi: Fundamental, neste momento, é o entendimento de que o lastro imobiliário de fato existe. Os ativos físicos (galpões, shoppings, lajes corporativas, lojas, etc) continuam gerando renda aos seus cotistas, ainda que a patamares inferiores ao período pré-pandemia; o longo prazo trará os preços de volta a um equilíbrio justo de mercado. A distribuição de proventos (do FII ao cotista) foi afetada por distratos locatícios, renegociações, isenções, dentre outros. Se a pandemia se estender por muito mais tempo, pode ser que tenhamos um novo ciclo de eventos negativos a afetar estes mesmos proventos. Assim, falar em rentabilidade esperada para os próximos 6 meses poderia gerar uma avaliação incorreta.
2- Mercado News: Vale a pena apostar em FIIs agora?
Rossi: Os fundos imobiliários podem ser excelentes investimentos para a diversificação da carteira. O brasileiro possui a cultura de investir em imóveis através da compra física, tal como uma casa ou sala comercial. Os FIIs podem ser formas rápidas e rentáveis para aplicar neste setor. Isentos de Imposto de Renda (IR) e com recebimento de aluguel, aplicar em FIIs tende a ser interessante no atual cenário de queda de juros, com a taxa Selic em 2,25% ao ano.
3- Mercado News: Quais os tipos de FIIs mais recomendados no momento?
Rossi: Temos visto uma resiliência muito grande nos fundos de logística e de papel. Os fundos de logística têm se ancorado na grande absorção de novas áreas pelas empresas de e-commerce. O aumento significativo das compras online gerou uma demanda muito grande de armazenagem e distribuição de mercadorias por parte das empresas inseridas neste mercado. Acreditamos na tendência de uma maior penetração do comércio eletrônico dentro do contexto do varejo nacional. Os fundos de papel, por sua vez, têm apresentado baixíssimos níveis de inadimplência. O patrimônio destes fundos, via de regra, é bem pulverizado em número de papéis encarteirados e exibem baixa concentração por emissor. Assim, logística e papel devem sair fortalecidos desta crise.
4- Mercado News: O impacto negativo das medidas contra a pandemia no faturamento dos shoppings já foi superado?
Rossi: Os FIIs de shopping centers mais líquidos, e que compõem o índice IFIX, ainda sofrem bastante com a paralisia do setor. Já notamos um grande número de shoppings reabertos (SP/RJ/SUL/Nordeste) Brasil afora, contudo, limitados a quatro horas de funcionamento por dia. A imprensa tem divulgado que os lojistas pleiteiam descontos dos alugueres, isenção das taxas de fundo de promoção e redução das taxas condominiais, visto que mesmo abertos ao público em geral, os centros de compras não têm atraído massa crítica suficiente para fazer deslanchar as vendas. Fato é, que estas limitações acabam por impactar significativamente as receitas dos fundos imobiliários. Alguns fundos, inclusive, chegaram a suspender a distribuição de dividendos mensal aos seus cotistas.
Os FIIs mais representativos do setor (HSML11, HGBS11, VISC11, XPML11) chegaram a cair quase 45% em média, contados do dia 21-fev (antes da crise) até a mínima da crise. A maior queda se deu com as cotas do XPML11 (-49,8%), cotadas a R$ 135,61 em 21-fev, tendo atingido a mínima de R$ 68,13. Hoje, cotada a R$ 103,61, a cota precisa de uma valorização de 52,5% para voltar ao preço de 21 de fevereiro.
Os efeitos da pandemia serão sentidos por muito tempo ainda. Uma plena recuperação dos shoppings passará por vários protocolos de funcionamento até que se atinja uma estabilidade no fluxo de pessoas a estes centros. E novamente, a descoberta da vacina para o COVID-19 deve ser o grande marco para o setor voltar ao fluxo normal de visitantes/compras.
5- Mercado News: O crescimento do home office ainda vai prejudicar o rendimento dos fundos que investem em lajes corporativas de alto padrão?
Rossi: Muito tem se falado sobre o home office como fator de disrupção do modelo de trabalho em escritórios, viabilizado por ferramentas de trabalho remoto. Da mesma forma que as redes sociais não substituem o contato pessoal, o home office não deve substituir a interação presencial. Isso tem a ver com a natureza social do ser humano, moldada a partir da seleção natural de indivíduos que souberam cooperar em grupos, e da dependência da presença física para que as interações atinjam todo seu potencial. Além disso, a comunicação humana é muito mais multifacetada e frequente do que pode ser absorvido em lives em horários predeterminados, com muitas questões ficando de fora de interações online.
Escritórios também ajudam a criar uma cultura corporativa e geram um senso de direção coletivo, bem como tornam as ferramentas de trabalho mais democráticas (nem todos tem “offices em suas homes” – em muitos casos o que existe é um espaço improvisado, pouco inspirador, com um cachorro latindo e uma criança chorando).
No longo prazo, acreditamos que o home office para o segmento de lajes corporativas é parecido com a educação à distância para as instituições de ensino: complementa e pode substituir algumas funções de menor complexidade, porém não substitui as de maior valor agregado. No curto prazo, contudo, nada disso significa que, enquanto não houver maior visibilidade sobre perspectivas econômicas, empresas que empregam profissionais em funções mais adaptáveis ao modelo de home office não possam usá-lo como ferramenta temporária de redução de custos – em especial, atividades burocráticas e aquelas mensuráveis de forma objetiva, como certas funções de vendas, por exemplo. Assim, este item está mais relacionado à questão econômica do que à perspectiva sobre a classe de ativo no longo prazo.
Por outro lado, também no curto prazo, por razões sanitárias, não descartamos um vetor significativo na direção da redução da densidade populacional nos escritórios (pessoas/m2), que pode reverter a tendência de adensamento das últimas décadas, que atingiu seu ápice nos anos recentes.
Já no longo prazo, é possível que haja uma aceleração de uma tendência pré-existente, de adaptação do espaço corporativo para atender melhor certas necessidades de “descompressão” ao longo do dia – ou seja, trazer certos elementos de home para o office. Essa tendência já se manifesta em alguns espaços corporativos, com escritórios de empresas de tecnologia em um extremo e algumas empresas de outros setores, juntamente como empresas de espaços compartilhados, tentando achar um “sweet spot” entre o profissional e o informal. O grande desafio, além da necessidade de adaptação dos espaços físicos, que definitivamente não é trivial, é que essa integração também demandaria uma adaptação de cultura corporativa, que não acontece da noite para o dia.
6- Mercado News: O aumento do e-commerce já é percebido em uma valorização dos ativos ligados à logística? (CDs, por exemplo)
Rossi: Como dito acima, tem havido grande absorção de galpões logísticos por parte das empresas inseridas no varejo online. Todas as vezes que há mais demanda do que oferta, que é o caso agora neste setor, o prêmio de locação fica por conta do proprietário do imóvel. Exemplo disso é a região de Cajamar – SP, onde grandes centros de distribuição são disputadíssimos pelos futuros inquilinos. A procura é tão grande que os FIIs ligados ao setor já estão assinando pré contrato de compra e venda antes mesmo das propriedades estarem construídas. Alugueres em alta (ao norte de R$ 30/m2) geram uma valorização substancial da propriedade; hoje há negócios saindo com cap rate de 6% ao ano.
7- Mercado News: Alguém conseguiu ganhar dinheiro investindo em FIIs no primeiro semestre do ano?
Rossi: O início da crise dos mercados no Brasil começou no dia 26 de fevereiro, um dia depois do carnaval. A partir desta data, começamos a presenciar o derretimento da bolsa onde – na sua grande maioria – os ativos atingiram seus valores mínimos no mês de março. E neste contexto, houve euforia para uns e desespero para outros. No decorrer do primeiro semestre, os investidores da indústria imobiliária presenciaram o mercado de FIIs mostrando recuperações expressivas desde a brutal queda do valor de suas respectivas cotas. Como sempre, aqueles que entraram na baixa vão de fato colher bons rendimentos adiante. O primeiro semestre 2020 foi de fato muito complexo para os investidores que mantiveram suas posições compradas; estes devem aguardar a gradativa recuperação dos ativos para aliviarem a tensão que pairou no pior momento desta crise.
8- Mercado News: Qual a grande lição que fica dessa fase de perdas?
Sergio Rossi: Por se tratar de uma pandemia global, as perdas foram impostas aos ativos sem qualquer erro de avaliação por parte dos investidores. Os imóveis que compõem o patrimônio dos FIIs de tijolo são sólidos, foram bem adquiridos, e na sua grande maioria, estão bem locados no mercado. Os fundos de papel fizeram a lição de casa: compraram títulos de crédito privado (CRIs e debêntures) de bons emissores e estavam surfando uma onda de boas rentabilidades. No pânico todos perdem; o mercado investidor se cerca de insegurança e fica avesso ao risco. No final do dia a ordem é vender a qualquer preço para tentar salvar uma parte do capital investido. Acreditamos que se a desvalorização dos ativos tivesse ocorrido por conta de uma bolha especulativa que tenha inflado artificialmente os preços e sem quaisquer fundamentos para a alta, aí sim haveria muitas lições para tirar disto. Mas neste caso o mercado foi vítima.
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