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Os brasileiros descobriram o day trade

(Foto: Divulgação)

Os brasileiros descobriram o day trade. Esse não é um fenômeno local. Inadvertidamente, o americano Joseph S. Mauro, ex-sócio do banco de investimentos Goldman Sachs, tornou seu filho de 11 anos um dos assuntos do mercado no início de junho. Em um comentário no Twitter, Mauro disse que o menino, preso em casa como a maioria dos estudantes dos Estados Unidos, havia informado ao pai uma mudança de hábitos. O jovem passaria a participar de competições do jogo on-line Fortnite só após as 18 horas. Durante o dia, ele e os colegas com quem jogava (todos na mesma faixa etária) preferiam fazer operações day trade.

A nova atividade do jovem Mauro não é uma exceção. Nas últimas semanas, os mecanismos de busca da internet registraram uma explosão de pesquisas com as palavras “day trade” e “Robinhood”, uma corretora virtual americana fundada em 2013 que não cobra tarifas e que vem sendo a porta de entrada para investidores interessados nessas operações de curtíssimo prazo e alto risco.

Esse crescimento é explicado pela conjunção de quatro fatores. Dois deles são estruturais: os juros globais baixos e a liquidez elevada, que vêm sustentando altas sucessivas nos mercados. Os outros dois são conjunturais: a expansão da tecnologia e a pandemia do coronavírus. Em home office e com tempo disponível, mais e mais investidores se arriscam nas operações de day-trade. E isso vale tanto para os Estados Unidos quanto para o Brasil.

BRASILEIROS OPERANDO – A B3 não divulga os dados específicos sobre day trade e as plataformas de distribuição de produtos financeiros fazem sigilo sobre o número de clientes e seu perfil de operações. No entanto, mesmo sem revelar números, todos afirmam que o volume dessas operações só faz crescer. “Notamos claramente esse crescimento”, diz Jerson Zanlorenzi, responsável pela mesa de renda variável e derivativos do BTG Pactual Digital. “Cerca de metade dos clientes novos que conquistamos neste ano faz operações day trade.”

Segundo ele, a disseminação da tecnologia, ao lado dos juros baixos, foi crucial para esse crescimento. Com informação em tempo real e conectividade disponíveis, mesmo investidores individuais puderam começar a operar. A disseminação de aplicativos de comunicação como WhatsApp e Telegram, o surgimento de casas de análise independentes como a Levante Ideias de Investimentos e o crescimento dos youtubers e dos influenciadores digitais facilita o acesso ao mercado. “Essas transações day trade deixaram de ser exclusividade para quem está sentado em uma mesa de operações na Faria Lima, com 20 telas de computador e 15 telefones”, diz Zanlorenzi.

Os dados mais recentes divulgados pela B3 mostram o crescimento da participação no mercado. O número de CPFs inscritos na Bolsa atingiu 2 milhões, com 2,5 milhões de contas ativas – algumas pessoas têm mais de uma conta. Segundo o executivo do BTG Pactual, apesar do forte crescimento dos últimos meses, ainda há um potencial amplo a ser explorado. Informalmente, os profissionais de distribuição de investimentos estimam que, quando de sua maturação, o mercado brasileiro pode ter até 10 milhões de CPFs, cinco vezes mais do que o número atual.

PERDAS E GANHOS – É possível a qualquer um ganhar dinheiro com o day trade? “Sim, desde que algumas condições sejam cumpridas”, diz Hugo Daniel Azevedo, responsável pelas áreas comercial e de gestão de recursos da Órama. Segundo Azevedo, é preciso que haja disciplina, estrutura psicológica e dedicação.

Ter disciplina significa é para impedir apostas elevadas. “O capital dedicado ao day trade deve ser uma parcela pequena do portfólio alocado em renda variável, e uma parcela ainda menor do patrimônio total do cliente”, diz o executivo. Como o mercado é imprevisível, um solavanco inesperado pode fazer o investidor perder uma parte significativa da sua posição. Ter estrutura psicológica significa evitar a tentação de “dobrar a aposta” no caso de prejuízo. E a dedicação significa estudar os produtos e o comportamento do mercado. “Muitos investidores até têm disciplina e estrutura psicológica, mas não se dedicam a entender o mercado. E sem esse conhecimento, os prejuízos são certos, avalia Azevedo. “Se o investidor achar que o day trade é um esporte radical, há outras alternativas que também oferecem adrenalina e nas quais não se perde dinheiro.”

Apesar de não divulgar números, Azevedo afirma que Órama está otimista com esse segmento de mercado. Há seis meses, a corretora lançou uma plataforma fora do seu sistema de home broker dedicada a essas operações.

CONHECENDO OS RISCOS – A plataforma Robinhood ganhou visibilidade em meados de junho, quando um de seus usuários, o estudante americano Alexander Kearns, de 20 anos, suicidou-se após descobrir que sua conta na Robinhood estava negativa em 730 mil dólares. Segundo a família de Kearns, a interface pouco clara do Robinhood e a complexidade dos investimentos o levaram a acreditar que estava profundamente endividado quando, na verdade, sua conta estava positiva. Ao comentar o caso, Vlad Tenev e Baiju Bhatt, que fundaram a Robinhood em 2013, disseram estar “devastados por essa tragédia”. Eles prometeram fazer mudanças na interface e anunciaram uma doação de 250 mil dólares à Fundação Americana de Prevenção ao Suicídio.

Os clientes do Robinhood são pequenos investidores, que buscam especular no curto prazo e negociam opções de ações e ações baratas, conhecidas como “penny stocks”. “A Bolsa nos Estados Unidos tornou-se uma febre” avalia o gestor de ações independente Paulo Esteves, que administra clubes de investimento no Brasil. As causas são bem conhecidas: isolamento social, juros baixos e liquidez elevada. “Nos Estados Unidos, o desemprego elevado tem feito as pessoas procurarem novas formas de ganhar dinheiro”, diz ele. “Como os investimentos em ações são populares, o day trade ganhou muito espaço.”

Esteves avalia que há algumas características preocupantes no aspecto americano desse crescimento. Segundo ele, uma grande parte das operações envolve ações de empresas pré-falimentares, como a locadora de veículos Hertz ou a rede de varejo J.C. Penney, pelo fato de suas ações estarem baratas. “O fato de uma ação custar centavos não quer dizer que ela está barata”, diz Esteves. “É preciso olhar os múltiplos e fazer uma análise das perspectivas da empresa.”

No caso do Brasil, diz ele, há um complicador adicional, a falta de educação financeira. Esteves conta que em sua primeira visita aos Estados Unidos, há cerca de três décadas, ele ficou impressionado ao visitar livrarias pela grande quantidade de títulos dedicados à educação financeira. “Havia prateleiras e prateleiras com livros que iam desde a organização do orçamento doméstico aos investimentos em ações e em títulos”, diz ele. “Era uma bibliografia vastíssima, mas não havia nada disso no Brasil.”

E mesmo o “americano médio” tinha alguns conhecimentos básicos sobre o mercado, investia em fundos ou em ações. “Lá, a bolsa é a poupança de longo prazo das pessoas”, diz ele. O gestor avalia que a entrada de um grande número de investidores pessoa física na Bolsa brasileira eleva a necessidade de proporcionar educação financeira para os novos participantes do mercado.

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