A comerciante Doroti Alves adiantou em alguns minutos o fim do expediente quando ouviu a voz de Guilherme Boulos, candidato a prefeito pelo PSOL, vindo da rua. Entrou no elevador do prédio onde trabalha, desceu até a esquina da Rua XV de Novembro, no centro de São Paulo, pegou o microfone e fez uma pergunta direta ao candidato. “Qual é seu projeto para a saúde mental da população de rua?”.
Em 50 segundos, Boulos enumerou suas propostas para dependentes químicos e pessoas em situação de rua: abrir casas de acolhimento, encaminhar as pessoas para frentes de trabalho, criar centros de atenção psicossociais (CAPS) itinerantes etc. Enquanto isso, uma assessora do candidato controlava o tempo.
“Minha família está inclinada a votar nele. Estamos conhecendo o candidato. Isso parece a política dos anos 90, antes da internet, quando os candidatos vinham falar com a população”, disse Doroti, que ainda não decidiu em quem vai votar.
Com apenas 17 segundos nos blocos do horário eleitoral gratuito e sem a possibilidade de participar de debates em rede nacional de TV (todos foram cancelados), Boulos decidiu ir para as ruas da cidade falar diretamente com o eleitorado.
O projeto batizado “Se Vira nos 50” permite que qualquer pessoa questione o candidato sobre qualquer assunto em até 50 segundos. Boulos tem outros 50 segundos para responder. Na terça-feira, 13, quando a reportagem do Estadão acompanhou a atividade de campanha, uma pequena fila se formou na rua XV de Novembro. A infraestrutura era uma caixa de som amplificada no chão, dois microfones e uma banca de camelô onde ficavam santinhos e adesivos de campanha.
A maior parte das perguntas foi sobre a Cracolândia e os moradores de rua que se multiplicam a cada dia nas ruas do centro. Mas também teve quem perguntasse de saúde, transporte, emprego, educação, covid-19, cidadania e política. Duas pessoas questionaram o candidato sobre aspectos técnicos da mudança do Plano Diretor, prevista para o ano que vem.
“Nas primeiras vezes fiquei surpreso com a qualidade das perguntas. Achei que podia vir uma coisa mais antipolítica”, disse Boulos.
Na terça-feira não houve hostilidade. Ao contrário, as pessoas que se inscreveram para falar aproveitavam para manifestar apoio, declarar voto e até fazer piadas.
Às vezes as respostas se confundiam com os ruídos do centro. Um carro da Polícia Militar passou com a sirene ligada. Um jovem roqueiro com uma caixa de som pendurada no pescoço, a todo volume. Um homem desconfiado – e aparentemente alcoolizado – pontuava as promessas do candidato dizendo: “Vai nada!”.
No período em que a reportagem acompanhou a atividade pelo menos cinco pessoas disseram que vão mudar o voto a favor de Boulos. Dois deles, ex-eleitores do PT.
“Toda a vida votei no PT. Votava no PT na Bahia e há 15 anos voto no PT em São Paulo. Você é apoiado pelo Lula?”, perguntou o baiano José Nilton Pereira de Castro, desempregado.
Boulos ficou sem jeito, mas respondeu que não. “Mas você é contra o Bolsonaro? Eu sou contra o Bolsonaro. Ele não queria dar o auxílio, queria dar só R$ 200”, emendou Castro.
O candidato então abriu um sorriso, passou a criticar o governo federal e falar do papel da oposição no Congresso para que o auxílio chegasse aos R$ 600. Aproveitou para falar de sua principal promessa, a criação de uma renda solidária. Ao final ganhou um cumprimento pós-pandemia, um toque de punhos cerrados, e a promessa do voto de Castro.
Três das pessoas que fizeram perguntas disseram já ter passado pela experiência de morar na rua. “Tenho três filhos, mas eles não podem morar comigo porque minha renda está muito baixa”, disse Fabio Romano, morador da Vila Maria.
Enquanto falava, Boulos foi interpelado pelo ambulante Marcos Davi, que pediu um real para completar o dinheiro da refeição. O candidato negou. Disse que poderia configurar compra de voto.
As atividades são postadas ou transmitidas ao vivo pelas redes sociais do candidato. A forte presença nas redes é um dos trunfos da campanha de Boulos para tentar driblar a falta de tempo na TV e de recursos.
Na sexta-feira, 9, dia da estreia do horário eleitoral, o candidato fez um reality show de 24 horas como forma de protesto contra os critérios de divisão do tempo da TV.
Para aumentar o engajamento, Boulos tem usado a criatividade e o bom humor. Ele fez uma enquete no Twitter para escolher o nome da Kombi usada por ele e sua equipe para percorrer a cidade. Em pouco mais de uma hora registrou mais de 7 mil interações. O nome escolhido por 68% dos participantes foi “komboulos”.
Sem poder contar com a presença física da vice, Luiza Erundina, de 89 anos, integrante do grupo de risco da covid-19, o PSOL também tem precisado improvisar. Geralmente Boulos telefona para a companheira de chapa, aciona o viva voz e encosta o aparelho no microfone para que Erundina possa falar com os eleitores.
Por Ricardo Galhardo
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