O prêmio Nobel de Medicina concedido aos descobridores do vírus da hepatite C revela os grandes avanços feitos no diagnóstico e tratamento da infecção nos últimos 30 anos, mas também os obstáculos que ainda existem para a erradicação da doença até 2030, de acordo com a meta da Organização Mundial de Saúde (OMS).
São pelo menos 70 milhões de casos hoje no mundo, com mais 400 mil mortes por ano, segundo a OMS. No Brasil, cerca de 700 mil pessoas vivem com hepatite C. De acordo com o último boletim, foram 27.773 mil novos casos e 1574 mortes em 2018. As regiões mais atingidas do planeta são Europa Oriental, Egito, Índia e partes da Ásia. A hepatite C ainda é a principal responsável pelos casos de cirrose e câncer de fígado, que podem levar à necessidade de um transplante.
Os pesquisadores americanos Harvey J. Alter e Charles M. Rice e o britânico Michael Houghton foram os laureados com o Nobel de Medicina por suas descobertas que levaram ao desenvolvimento de drogas capazes de curar a doença em 99% dos casos.
“Pela primeira vez na história, a doença pode ser curada, aumentando as chances de erradicação do vírus da hepatite C no mundo”, justificou o comitê do Nobel, ao anunciar o prêmio em Estocolmo.
O grande desafio agora é fazer com que os remédios se tornem disponíveis para todos a um custo mais baixo que o atual, evitando a disseminação viral que ainda ocorre sobretudo entre usuários de drogas injetáveis. No Brasil, o remédio é distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS) gratuitamente.
“O que precisamos agora é da vontade política de erradicar a doença”, afirmou Alter, depois de saber que havia sido laureado.
Outro grande desafio é a subnotificação. Muitas vezes, a infecção no fígado leva até 30 anos para manifestar os primeiros sintomas (por isso é chamada de ‘doença silenciosa’) e as pessoas não sabem que estão infectadas. Não diagnosticada e não tratada a doença evolui perigosamente para a cirrose e o câncer de fígado.
Os cientistas já conheciam os vírus da hepatite A e B, mas apenas em 1989 o grupo de Alter conseguiu identificar o vírus da hepatite C.
“Hoje, tomamos como certo que se recebermos uma transfusão de sangue, não vamos ficar doentes”, afirmou Rice. “Mas não era assim antes de podermos testar todos os estoques de sangue.”
Atualmente é a única doença viral crônica que pode ser curada em praticamente todos os casos em apenas poucos meses de tratamento.
“Esse é um dos maiores casos de sucesso da medicina moderna”, resumiu o infectologista Alexandre Naime Barbosa, chefe do setor de infectologia da Unesp. “Em pouco mais de 30 anos identificamos um agente não conhecido, isolamos o vírus, chegamos a um diagnóstico preciso e desenvolvemos um tratamento capaz de curar a doença em 99% dos casos.”
No entanto, um dos maiores desafios da hepatite C é a subnotificação. Muitas vezes, a infecção no fígado leva até 20 anos para manifestar os primeiros sintomas e as pessoas não sabem que estão infectadas. Não diagnosticada e não tratada ela pode levar à cirrose e ao câncer de fígado — principais causas de transplante.
Alter, de 85 anos, trabalhou durante décadas no Instituto Nacional de Saúde dos EUA e continua em atividade até hoje. Houghton, de 69 anos, trabalhou na farmacêutica Chiron, na Califórnia, antes de ir para a Universidade de Alberta, no Canadá. Rice, de 68 anos, trabalhou com hepatite na Universidade de Washington, em St. Louis e, atualmente, está na Universidade Rockefeller, em Nova York.
Alter foi o primeiro a descobrir que muitos pacientes que não apresentavam o vírus da hepatite A ou B também desenvolviam a inflamação no fígado. Por anos, no entanto, inferia-se que haveria um outro vírus, que eles chamavam de não-A e não-B, mas não se conseguia isolá-lo. Somente em 1989, o grupo de Houghton conseguiu isolar o vírus.
“Trabalho com hepatite desde os anos 80 e te digo que a gente apanhou, ela deu um baile na gente”, afirmou o infectologista Celso Granato, da Escola Paulista de Medicina, referindo-se à dificuldade de isolar o vírus da hepatite. “Vi muita gente querendo rasgar o diploma.”
Posteriormente, o grupo de Rice constatou que o vírus, de fato, era o responsável pela infecção e o desenvolvimento da doença em humanos, levando ao desenvolvimento de testes e tratamentos.
“Não vemos casos de transmissão de hepatite C pelo sangue desde 1997”, disse Alter. “Atualmente, podemos curar virtualmente todo mundo que é diagnosticado. Com isso, é possível que consigamos erradicar a doença ainda na próxima década, como espera a OMS.”
Alter e Rice estão trabalhando atualmente na pesquisa do coronavírus. Houghton tenta desenvolver uma vacina contra a hepatite C e espera começar os testes clínicos já no ano que vem, nos EUA, na Alemanha e na Itália.
Os três cientistas vão dividir o prêmio de dez milhões de coroas suecas (cerca de R$ 6,2 milhões). O prêmio de Medicina anunciado ontem, é o primeiro de seis que serão revelados ao longo desta semana. Os demais são física, química, literatura paz e economia.
Por Roberta Jansen
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