Assim como a cidade, a rede pública de saúde da capital é superlativa. Antes mesmo do início da pandemia de covid-19, quase 1,3 milhão de paulistanos já estavam aguardando para realizar um exame, cirurgia ou passar por uma consulta com especialista – cerca de 10% da população. Atender em tempo razoável a essas e outras demandas dos paulistanos é desafio para quem vencer a eleição. E, nesta disputa, a fila da saúde aumentou 70% em relação a 2016, quando 753 mil pessoas estavam na mesma espera.
A comparação é baseada em resposta obtida pelo Estadão em janeiro por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Também via LAI e de relatórios da Divisão de Informações de Gestão de Pessoas, da Secretaria Municipal de Saúde, a reportagem obteve dados que mostram queda de 8% no número de médicos da rede municipal de 2011 para cá.
Ao longo desse período, a cidade “perdeu” 1.152 profissionais, que deixaram de atender em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), prontos-socorros e ambulatórios de especialidades, entre outros tipos de serviços. Isso apesar de a quantidade de profissionais na cidade ter crescido 45% no mesmo período.
Nos últimos nove anos, as diversas gestões que administraram São Paulo ainda elevaram em 282 o número de unidades médicas. Traduzindo: estrutura aumentou, mas o número de pessoal diminuiu, o que ajuda a explicar o tempo de espera por um procedimento.
Tabulados pelo médico Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP, os números mostram que a redução de médicos na rede não se deu, segundo ele, por falta de profissionais, mas por decisão política dos prefeitos que comandaram a cidade. “Além da falta de médicos, há hoje imensa rotatividade desses profissionais contratados via Organização Social. Boa parte dos médicos permanece poucos meses no serviço, não criando vínculo com os pacientes”, alerta Scheffer, que aponta outra dificuldade. “Na atenção ambulatorial, onde há filas grandes de consultas e exames, faltam muitos especialistas, como pediatras e ortopedistas. Nesse caso, há também uma competição com o setor privado, pois a maior parte atua em planos de saúde.”
Foi, aliás, recorrendo ao setor privado que a atual gestão João Doria/Bruno Covas (PSDB) tentou resolver a fila por exames na capital. Em janeiro de 2017, a promessa era baixar para 30 dias o tempo entre a solicitação e a data de realização dos procedimentos. Essa era a premissa do programa Corujão da Saúde, que também prometia zerar a fila até maio daquele ano. Hoje, são 217 mil nessa espera.
Vulnerabilidade
A pandemia só acentuou as diferenças já existentes de acesso e condições mínimas de saúde. Sem coleta e tratamento de esgoto e, muitas vezes, sem nem sequer água encanada, moradores de áreas periféricas não puderam impedir a chegada do novo coronavírus e se tornaram as maiores vítimas da doença. Até agosto, segundo levantamento da Prefeitura, bairros afastados do centro registravam o maior número de mortos por covid-19. Sapopemba, na zona leste, liderava, com 437 óbitos, seguido de Brasilândia, zona norte, com 368 casos. A situação de Grajaú, na zona sul, era igualmente preocupante, com 360 vítimas.
Mas, antes mesmo de o novo coronavírus chegar lá, a desigualdade já se revelava em outros aspectos, como na quantidade de equipamentos disponíveis nos postos de saúde.
No caso de respiradores e ventiladores, a diferença é gritante. Na Subprefeitura de Cidade Ademar, onde mora a encarregada de limpeza Vandersilva Simeão, de 54 anos, há apenas cinco equipamentos, uma média um para cada 82 mil habitantes. Em Higienópolis, bairro do centro onde o pesquisador Pedro Senger, de 25 anos, vive, são 90 – 1 para cada 4,7 mil habitantes.
Senger mora na região onde há mais equipamentos de saúde. Está perto do maior complexo hospitalar da América Latina: o Hospital das Clínicas (HC). E é lá que ele trabalha, como pesquisador, e pode ser atendido quando precisar. “É onde estão os melhores profissionais do País”, diz o educador físico. São 600 mil m² que abrigam oito institutos especializados – como o Instituto da Criança e o Instituto do Coração (Incor) – e dois hospitais auxiliares.
“São Paulo é famosa pela distribuição desigual de serviços de saúde”, afirma Gastão Wagner Sousa Campos, professor titular de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. “Apenas no final dos anos 1990 é que temos uma expansão de unidades básicas e emergenciais para a periferia.”
Mesmo hoje, no entanto, o número de UBSs é insuficiente para atender a população das regiões mais pobres, diz o professor. Assim como Scheffer, ele cita a dificuldade de contratação de médicos, que dão preferência a áreas de fácil acesso. Campos afirma que é preciso desenvolver uma “política de fixação”, baseada em salários maiores para médicos que atuam em áreas vulneráveis e afastadas.
“Temos equipes sobrecarregadas que precisam cuidar de 6 mil pessoas, sendo que a previsão do Ministério da Saúde é de 3 mil”, diz. O problema deve ser “dividido” com OSs, responsáveis por 65% dos médicos e demais profissionais que atuam na saúde pública paulistana. Enquanto isso, o quadro de médicos efetivos municipais teve diminuição de mais de 50% desde 2008.
A Prefeitura informou que o total de profissionais na Saúde cresceu 11% entre 2011 e 2020. Em nota, a assessoria não negou a redução de médicos, mas não explicou o motivo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Adriana Ferraz, Bianca Gomes e Brenda Zacharias, com colaboração de Marcelo Godoy
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