O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o governo Bolsonaro complemente o Plano de Barreiras Sanitárias que foi elaborado pela União para conter o avanço do coronavírus nas comunidades indígenas sem incorporar pontos levantados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. O ministro determinou que o novo material seja entregue até a próxima sexta, 14, juntamente com informações sobre a extensão do Subsistema de Saúde Indígena aos povos residentes em terras não homologadas.
O despacho tem relação com a medida cautelar deferida pelo ministro no início de julho, que determinou cinco medidas a serem adotadas pelo governo federal para conter o contágio e a mortandade por covid-19 entre a população indígena. Tal decisão foi dada horas após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetar uma série de dispositivos da lei que regulamenta o combate ao novo coronavírus entre indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
Entre as medidas determinadas por Barroso está a instalação de barreiras sanitárias para conter a disseminação da Covid-19 nas áreas ocupadas pelas comunidades indígenas. O governo encaminhou ao plano ao Supremo, mas sem incorporar as considerações feitas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. A AGU alegou ‘exiguidade do tempo’, dizendo que os pontos da APIB foram apresentados na véspera da data de entrega do documento, e pediu prazo adicional para complementação.
Ao analisar o caso, Barroso destacou que o material apresentado pela APIB confirma a imprescindibilidade da participação das comunidades indígenas na formulação dos planos e políticas que lhe são direcionados.
“De fato, impressionam a densidade, o detalhamento e a precisão do material, bem como a disponibilidade de informações que não foram trazidas por nenhum dos demais atores e que são essenciais para a efetividade das ações de proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato”
Do documento enviado ao governo, a entidade apontou falhas no plano elaborado pela União, entre elas ‘confusão conceitual entre barreiras sanitárias e Bases de Proteção Etnoambiental’. A Procuradoria-Geral da República e a Defensoria Pública da União também criticaram o plano, afirmando que ele se mostrava ‘ineficaz’ e ‘genérico’.
Além disso, a APIB alegou o Supremo que uma das cautelares deferidas por Barroso no início de julho não estava sendo cumprida: determinação de que o Subsistema de Saúde Indígena preste atendimento a indígenas aldeados, ainda que residentes em terras indígenas não homologadas. A informação motivou o ministro relator a cobrar informações do governo.
Em sua decisão, Barroso apontou que as barreiras sanitárias não só constituem instrumento de defesa territorial e de limitação da movimentação nas terras indígenas, mas devem ‘desempenhar, igualmente, o papel de gestão e contenção da crise sanitária que está sendo enfrentada, sem o que a finalidade para a qual foram instituídas não se veria cumprida’.
“Saliento que estamos diante de um quadro gravíssimo e emergencial, de modo que, sem prejuízo do enorme esforço de diálogo institucional e intercultural empreendido até aqui, é preciso que ações concretas sejam efetivadas. Portanto, após transcorrido o prazo para complementação do Plano, este Juízo decidirá sobre seu conteúdo e alcance, seguindo-se a fase de sua implementação”, frisou ainda o ministro.
Barroso também especificou elementos mínimos que as barreiras sanitárias devem reunir, ressaltando ainda que os protocolos, princípios e diretrizes devem levar em consideração as particularidades e vulnerabilidades de cada povo e região:
– medidas de proteção do território
– EPI para os profissionais que atuarão na área
– quarentena em local adequado para quem for adentrar terras indígenas
– ingresso em tais terras apenas após testagem
– redução da movimentação de equipes
– monitoramento epidemiológico do entorno
– retirada de pessoa sintomática não indígena da área
– preferência por tratamento de pessoa indígena na própria área
– condições de comunicação adequadas (radiofonia)
– plano de contingência para o caso de contato entre PIIRCs e terceiros
Na decisão Barroso ainda mencionou que todas as manifestações juntadas aos autos tornam evidente que os problemas estruturais que acompanham a questão indígena há décadas – “histórica inoperância do Estado brasileiro na regularização dos seus territórios, na contenção de invasores e no desenvolvimento de políticas públicas de reconhecimento e proteção” – agravam a vulnerabilidade de tais povos à pandemia.
“Por isso, o problema é de difícil solução e, independentemente das medidas imediatas que se venham a determinar, é preciso não perder de vista a necessidade de um planejamento de médio prazo que enderece os referidos problemas estruturais – a exemplo da desintrusão de invasores, tão logo possível”, indicou.
Por Pepita Ortega
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