A defesa de Glenn Greenwald apresentou nesta quarta-feira, 22, uma petição para que o juízo da 10.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal rejeite a denúncia apresentada contra o jornalista no âmbito da Operação Spoofing – investigação sobre invasão de comunicações de autoridades, entre elas o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.
Segundo os advogados Rafael Fagundes, Nilo Batista e Rafael Borges, que assinam o documento, a peça do procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, do Ministério Público Federal em Brasília, é um “devaneio acusatório, completamente dissociado da realidade dos fatos”.
A denúncia, divulgada na terça-feira, 21, sustenta que o jornalista do The Intercept Brasil “auxiliou, incentivou e orientou o grupo durante o período das invasões”.
Além do jornalista, a peça abarcou os seis alvos da Spoofing: Walter Delgatti Neto, o “Vermelho”, Gustavo Henrique Elias dos Santos, Thiago Eliezer Martins, Danilo Marques, Suelen Priscila de Oliveira e Luiz Henrique Molição.
A denúncia do procurador Wellington Divino foi feita com base no áudio de um diálogo entre o hacker Luiz Henrique Molição e Glenn, encontrado durante análise de um computador apreendido na casa de “Vermelho”, suposto líder do “grupo de Araraquara” – município onde parte dos suspeitos reside.
Para Wellington Divino, a atitude do jornalista durante a conversa com Molição caracteriza “clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”.
Para a defesa, “não é possível extrair qualquer tipo de atividade delituosa” dos diálogos registrados na denúncia.
Os advogados de Glenn alegam que a conversa entre jornalista e fonte é protegida pelo sigilo constitucional e que não poderia ser utilizada como prova, por conta da decisão dada em agosto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.
A medida cautelar concedida por Gilmar, na ocasião, proibiu que Glenn fosse investigado e responsabilizado pelas autoridades públicas e órgãos de apuração administrativa ou criminal (como a Polícia Federal) pela “recepção, obtenção ou transmissão” de informações publicadas na imprensa.
A denúncia do procurador, documento de 95 páginas, argumenta que Glenn Greenwald não foi investigado, e que, portanto, não foi descumprida a medida concedida por Gilmar. Wellington Divino afirma que a “decisão criou uma espécie de imunidade especial e material jure et de jure, uma presunção absoluta de inocência, garantindo um ‘salvo conduto’ ao réu de ser investigado”.
No entanto, ressaltou, em letras maiúsculas: “NÃO HOUVE INVESTIGAÇÃO. NÃO SE DESCUMPRIU A DECISÃO”.
A defesa argumenta, no entanto, que a acusação “desrespeitou expressamente” decisão e que apesar das ressalvas feitas na peça quanto a liminar de Gilmar, “as digitais do descumprimento da mesma estão presentes na denúncia”.
“Não há dúvida de que os atos de interpretação, leitura e transcrição do conteúdo de mídia ilicitamente utilizado pela denúncia se expressam como legítimos atos de investigação, expediente proibido pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, afirmam os advogados.
A defesa argumenta também que há “desconexão entre os diálogos transcritos e as conclusões que deles extrai a denúncia”.
“Ao contrário do que o contorcionismo retórico e interpretativo da denúncia tentou fazer parecer, os diálogos travados entre o requerente (Glenn) e sua fonte revelam apenas a ação de um jornalista profissional e cuidadoso, que em nenhum momento orientou, incentivou ou auxiliou sua fonte na obtenção do material de interesse jornalístico que lhe foi repassado.”
Denúncia sem investigação
Em dezembro, a Polícia Federal apresentou relatório de investigação sobre os hackers, e indiciou os seis alvos da Spoofing.
No documento, a corporação diz que não era possível, até o momento, “identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados”.
Promotores e procuradores ouvidos pela reportagem afirmaram que, mesmo sem indiciamento pela Polícia Federal, o Ministério Público tem o direito de oferecer a denúncia.
A cúpula da Procuradoria-Geral da República também considera que Glenn pode ser denunciado, apesar de não ter sido investigado.
A Associação Nacional de Membros do Ministério Público, MP Pró-Sociedade, chegou a emitir nota pedindo ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, “defesa intransigente” da atuação de Wellington Divino Marques de Oliveira, indicando que o procurador “exerceu, dentro de suas atribuições legais e constitucionais, a proteção implacável da ordem jurídica brasileira”.
A Ordem dos Advogados do Brasil, criminalistas ouvidos pela reportagem, além de entidades do jornalismo, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, contestam o mérito da denúncia, e afirmam que os diálogos expostos na acusação não permitem a interpretação que o procurador deu a eles.
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) ainda protocolou uma representação contra Wellington Divino por “evidente prática de abuso de autoridade” na peça. A entidade pede que seja instaurado procedimento de investigação para “apuração de conduta ilícita”.
Por Pepita Ortega
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