Quais aves você associaria à cidade de São Paulo? Para algumas pessoas, talvez a resposta fosse o pombo-doméstico, o urubu-de-cabeça-preta ou, para trazer uma opção mais “simpática”, o sabiá-laranjeira. A realidade é, contudo, bem mais vasta: o último Inventário da Fauna Silvestre do Município de São Paulo (de 2018) traz 464 aves entre as 1.121 espécies silvestres encontradas na capital paulista.
Deparar-se com a maior parte dessa diversidade requer caminhadas por áreas verdes, como costumam fazer grupos de observação de aves (prática também chamada de “birdwatching”). Em tempos de pandemia, porém, esse público precisa se virar das janelas, varandas e quintais, de olho nas riquezas desconhecidas da própria vizinhança.
A observação de aves também tem ganhado reforço de adeptos informais, que passaram a perceber a fauna local com o distanciamento social. Em um grupo de Facebook da Vila Madalena, na zona oeste da capital, por exemplo, moradores responderam ter passado a notar gaviões e corujas (além de morcegos) ao serem questionados em uma postagem. “Pássaros diversos que eu nunca tinha visto”, resumiu uma psicanalista.
O fenômeno não é exclusividade brasileira. Segundo a ferramenta Google Trends, o interesse por buscas com termos relacionados à observação de aves chegou a triplicar em maio deste ano em comparação a 2019, em nível mundial. Nos Estados Unidos, o tema foi abordado em reportagens dos jornais The New York Times, New York Daily News e Los Angeles Times, na qual um novo adepto chegou a dizer que a experiência é como jogar Pokémon Go com criaturas reais.
Tietta Pivatto, de 48 anos, resolveu dar um empurrãozinho para despertar o interesse entre os vizinhos de condomínio, na Penha, zona leste. Bióloga especializada em observação de vida selvagem, ela imprimiu panfletos com informações resumidas e QR Codes para uma página com vídeos e imagens das 33 aves do entorno.
“Com a pandemia, também fui uma das pessoas que ficaram engaioladas em apartamento”, define a bióloga. “Veio a ideia de fazer esse folhetinho e acabei optando pelo QR Code até por ser quase uma brincadeira, uma caça ao tesouro. Tentei compartilhar essa coisa que é legal para mim.”
Ela conta que as aves fazem parte do cotidiano dentro do apartamento. “Normalmente, estou no escritório fazendo alguma coisa e escuto um bem-te-vi cantando. Hoje ouvi um gavião-carijó. Às vezes, pego o binóculo para ver se estão nas floreiras. Só tem de tomar cuidado com os vizinhos, que podem achar que estou espiando suas vidas”, brinca.
“As pessoas estão ficando em casa, prestando mais atenção nos bichos. Essa atenção incentiva a todos cuidarem dos seus jardins, de colocarem comedouros, que aumentam as chances de ver ainda mais bichos”, ressalta.
Também bióloga, Daniela Maia, de 33 anos, instalou um comedouro e um bebedouro de aves no terreno do condomínio em que vive, na Vila Ipojuca, na zona oeste. A oferta de banana e mamão (atraente pelo cheiro e cores fortes) já a fizeram descobrir três novas espécies (sabiá-coleira, pula-pula e tiê-preto), ampliando o inventário do entorno para 25 variedades de aves.
Ela costumava fazer saídas de observação de aves antes da pandemia, mas foi só há seis dias que resolveu adaptar a prática para a nova realidade. “Por estar no meio da cidade, é preciso tomar cuidados especiais para o comedouro. Precisa estar suspenso e em um local relativamente seguro dos gatos”, explica. Como não são disponibilizados farelos de grãos e afins, pombos-domésticos não costumam aparecer.
“Durante esses 100 dias (de distanciamento social) observava só da minha janela. Como moro em andar muito alto, não consigo ver muitas coisas, só algumas aves no topo de prédios e antenas. Não tem muita variedade”, aponta.
Com o novo comedouro, passou a ficar até 4 horas diárias no quintal. Ela geralmente desce com um binóculo e uma câmera fotográfica. “Fico sentada em algum ponto a certa distância do comedouro, esperando para ver o que aparece. Como o prédio tem área verde, às vezes dou uma caminhada procurando um canto com algum bicho.”
“Só esse contato fora de casa já deu aquela renovada”, afirma a bióloga. “Para mim, tem melhorado muito. Quando volto (para o apartamento), já volto menos cansada de sentar no computador, de ficar ali horas e horas.”
Por Priscila Silveira Mengue
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