O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, disse nesta terça-feira (16) que é “inconcebível” que ainda haja resíduo de autoritarismo dentro do Estado brasileiro. Relator do inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, Celso disse que é preciso resistir “com as armas legítimas da Constituição e das leis dos Estado brasileiro” e observou que, “sem juízes independentes, jamais haverá cidadãos livres neste País”.
Em um discurso endereçado a Bolsonaro, ainda que sem mencioná-lo explicitamente, Celso criticou a postura “atrevida” de não se cumprir ordens judiciais. No mês passado, Bolsonaro disse que não entregaria seu celular, mesmo se houvesse decisão da Justiça nesse sentido. O pedido de partidos da oposição para apreender o aparelho do presidente, no entanto, acabou arquivado pelo próprio ministro.
“Esse discurso (de não cumprir decisões judiciais) não é um discurso próprio de um estadista comprometido com o respeito à ordem democrática e que se submete ao império da Constituição e das leis da República. É essencial relembrar a cada momento as lições da história, cuja advertência é implacável, como assinalava o saudoso ministro Aliomar Baleeiro: ‘Enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se ao arbítrio, sempre haverá vocação de ditadores’. É preciso resistir, mas resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis dos Estado brasileiro e reconhecer na independência da Suprema Corte a sentinela das liberdades”, disse o decano.
A fala do decano foi feita durante a sessão da Segunda Turma, quando integrantes do STF saíram em defesa da democracia, da Constituição e da atuação de juízes e condenaram ataques ao tribunal, em meio à escalada de tensões na relação do tribunal com o Palácio do Planalto.
Ao longo das últimas semanas, o Supremo tomou uma série de decisões que contrariaram os interesses do Palácio do Planalto, como a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, a proibição da expulsão de diplomatas venezuelanos, a limitação do alcance do salvo-conduto a gestores públicos e o entendimento de que prefeitos e governadores têm autonomia para podem tomar iniciativas de combate ao novo coronavírus.
Coragem
Coube à presidente do colegiado, ministra Cármen Lúcia, abrir a sessão demonstrando, em suas próprias palavras, “preocupação” com o cenário nacional. “Atentados contra instituições, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferente voltam-se contra todos, contra o País. A nós, cabe manter a tranquilidade, mas principalmente a coragem, a dignidade de continuar a honrar a Constituição, cumprindo a obrigação que nos é expressamente imposta de guardá-la para garantir a sua aplicação a todos e por todos. Constituição não é um artifício e direitos não são de menor importância, são conquistas”, observou a presidente do colegiado, ministra Cármen Lúcia.
“Que não se cogite que a ação de uns poucos conduzirá a resultado diferente do que é a convivência democrática. E não se cogite que se instalará algum temor ou fraqueza nos integrantes da magistratura brasileira. Este tribunal é presente, está presente, permanecerá presente e atuante cumprindo seus compromissos institucionais com a República”, completou Cármen.
O ministro Edson Fachin concordou com Cármen. “Temos de sair da crise sem sair da democracia. A saúde da democracia é também a saúde das instituições”, afirmou.
As relações do STF com o Palácio do Planalto também ficaram estremecidas após a declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que disse na reunião ministerial de 22 de abril que, por ele, “botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”. No último domingo, Weintraub furou o bloqueio na Esplanada dos Ministérios e se encontrou com manifestantes em frente ao Ministério da Agricultura. Ao conversar com o grupo, o ministro disse: “Eu já falei a minha opinião, o que faria com esses vagabundos.”
No sábado, 13, um grupo de 20 manifestantes bolsonaristas soltou fogos de artifício em direção à sede do Supremo, enquanto xingavam ministros do tribunal. Outro episódio de atrito veio após o presidente Jair Bolsonaro divulgar nota, assinada com vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, em que afirma que as Forças Armadas “não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”.
Por Rafael Moraes Moura
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