Todo grande feito começa com pequenas ações. Daniel Ribeiro, de 48 anos, estava prestes a participar de uma prova de ciclismo na África do Sul quando ocorreu a pandemia do novo coronavírus.
De volta ao Brasil e entre o noticiário sobre o avanço da doença e informações de grupos do WhatsApp prevendo um colapso na economia, o CEO do Grupo G.D8 – Incorporação Imobiliária recebeu uma ligação de um líder comunitário do Jardim Universitário, na zona Sul de São Paulo, região que já costuma ajudar com recursos e engenharia para montar a sede dos moradores.
“Tonhão me mandou mensagem pedindo socorro, dizendo que muita gente lá estava passando fome. Saí da quarentena, peguei o carro com meu filho do meio, o Pedro, e levei 800 quilos de alimentos para ele. E, apesar de saber da crise do coronavírus, eu ‘senti’ a realidade. Não sei explicar, mas foi diferente. Eu fiquei com vergonha. Não dava para entender porque pessoas podem passar fome ao lado da sua casa na cidade mais rica da América do Sul”, lembra.
Então, naquele dia, Daniel viu que tinha de fazer algo: “Eu adoro a frase do Kennedy (John Kennedy, ex-presidente dos EUA) que diz: ‘Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país’. Falei: ‘Vou ajudar o máximo que eu conseguir’. Aí, criei o Caça-Fome”.
A princípio, ele ajudou com os recursos próprios que tinha. Inclusive, utilizou uma Kombi restaurada para a entrega dos alimentos para as comunidades. “Ia eu e meu filho e 800 quilos de alimentos em cada viagem. Já ajudava muita gente”, diz.
No terceiro dia de ação, um amigo emprestou um caminhão e Daniel aumentou a doação para três mil quilos de alimentos por dia. Mesmo assim, o empresário não pensava que estava fazendo a diferença. “Uma sensação que estava enxugando gelo. Mas um amigo me contou uma lenda inspiradora e pensei que faço a diferença para quem conseguir ajudar. E viemos aumentando dia a dia até chegar hoje com capacidade de 700 cestas por dia durante a semana e entre mil e duas mil nos fins de semana”, ressalta.
Quando começou a entrar nas comunidades, no início de abril, Daniel conta que as pessoas não entendiam porque ele usava máscara. “As pessoas olhavam para mim e me perguntavam porque eu usava máscara. Isso no dia 2 de abril. Em São Paulo, no geral, todo mundo já estava em pânico. E lá as pessoas me perguntavam o que era máscara. Tanto que nas primeiras idas eu até tirei a máscara para não ficar constrangido. Parecia que eu estava com medo de pegar alguma doença deles. Na segunda semana, as pessoas já entendiam porque eu usava máscara, mas ninguém usava”, explica.
Então, o empresário pensou em um jeito de ajudar a proteger as famílias. A irmã dele, que tem uma confecção, botou a mão na massa. Hoje, com duas máquinas compradas pelo empresário, são dez mil máscaras produzidas por dia.
Sensibilizada, a Malwe doou 100 mil kits de máscara, com tecidos já cortados. O Hotel Emiliano doou lençóis que se tornaram 15 mil máscaras.
O projeto Caça-Fome já distribuiu mais de 20 mil cestas básicas, o equivalente a 200 toneladas de alimentos, para comunidades carentes da cidade de São Paulo desde o início da pandemia. A iniciativa de Daniel foi mobilizando os próprios funcionários dele, que já estavam em home office, para ajudar nas doações.
Depois, o Caça-Fome foi ficando conhecido entre amigos e empresários que têm contato com Daniel. Ele começou a publicar as ações na rede social particular e as pessoas ficaram interessadas.
“No meu Instagram pessoal, comecei a contar um pouco do que estava acontecendo e aí as pessoas começaram a me procurar para ajudar, com voluntariado e dinheiro, e não tinha me preparado para isso. Não fiz uma campanha para arrecadar. Lá só tinha um telefone para a pessoa pedir ajuda e a gente ia socorrer. Aí, abri uma conta no Bradesco, com o próprio CNPJ da minha empresa, exclusiva para doação e os amigos começaram a depositar nessa conta. Mas já tinha uns 25 dias de ação e eu já tinha doado, do meu bolso, umas 70 toneladas de alimento. As pessoas que eu conhecia começaram a doar e aí começou a montar uma corrente de doação. Facilitou bastante porque não deixei de doar a minha parte, mas consegui aumentar a operação”, comemora.
Recentemente, a Mitsubishi disponibilizou veículos para ajudar no encaminhamento das cestas básicas. “Hoje a Mitsubishi me emprestou cinco Triton L200, do Rally dos Sertões, que estavam parados. E um amigo emprestou mais dois caminhões da empresa dele que também está parada”, contabiliza.
A corrente do bem foi crescendo e Daniel conta com o apoio da Bauducco, que toda a semana doa bolinhos para o Caça-Fome. Ao chegar na comunidade, as crianças pegam os bolos e recebem uma máscara laranja, símbolo do projeto, e saem para a ‘missão’ de achar as famílias que precisam de alimento: “É uma forma de eu enxergar quem são os voluntários e conseguir identificar quem são, caso ocorra algum tumulto”.
As cestas básicas do Caça-Fome foram ajustadas depois da análise de Daniel em relação ao custo e aos componentes que podem ser de fato úteis para as famílias. “A gente entregava um quilo de sal, por exemplo. Um quilo de sal para a quantidade de alimento que a gente dava era muito. Então, a gente comprou aquela embalagem de restaurante, que vem o sal empacotado, que é mais cara, mas como eu entrego menos sal e a cesta fica mais barata, consegui acrescentar uma goiabada de 300 gramas na cesta. São poucas mudanças, mas o resultado é significativo. Se você for ao mercado hoje, não tem uma cesta como essa para entregar”, enfatiza.
O empresário relata que despertou o interesse em conhecer mais a realidade das famílias que ajuda. “Comecei a entrar nas comunidades, falar com líderes e estudar os problemas. Isto foi fascinante, porque não dava para mandar alguém entregar, tinha que ir junto. Era a oportunidade para entender a pobreza, entender o País. A corrupção não é problema, como pensava, mas é o sintoma. A causa é muito mais profunda. Não é um problema só do Estado. Se a gente não se mobilizar como sociedade, isso nunca será melhorado. Essa pobreza só será cultivada”, reflete.
Casado há 23 anos e pai de Felipe, de 21, Pedro, de 18, e André, de 12, Daniel Ribeiro é formado pela Faculdade de Engenharia Civil da FAAP e pós-graduado em Marketing e Business Art.
Além de comandar a incorporadora no Brasil, ele tem uma empresa nos Estados Unidos para investimento privado de renda de locação. Os dois hobbies do empresário são ciclismo e arte. Depois de participar de ações de doação nas comunidades, Daniel pretende organizar uma exposição com fotos da realidade que presenciou durante a pandemia do coronavírus nas comunidades. “Pretendo, quando acabar, fazer exposição na minha galeria para reverter dinheiro para o Caça-Fome. Essas pessoas estavam falando comigo quando fotografei. Pedi se poderia fotografá-las, pois eram sempre as histórias e rostos que mais me marcaram naquele dia”, enfatiza.
Na Brasilândia, em um local conhecido como Capadócia, Daniel disse que já foram registrados casos de covid-19. “Ficamos sabendo de uns 50 casos de coronavírus. Apenas curiosidade: ninguém aqui em casa pegou covid-19. Fizemos exame de sorologia e deu negativo para todos”, acrescenta.
O projeto Caça-Fome está prestes a se tornar um instituto. “Tem bastante artista, gente que quer postar para arrecadar doação e falei: ‘Puxa, vamos segurar um pouco’. Foi aberto o Instituto Caça-Fome e está para sair o CNPJ. Aí, prefiro que a pessoa doe ao instituto do que na conta da minha empresa. Agora, voluntariado, tem muita gente, uns 200 voluntários, que ajudam a montar e carregar os carros para levar as cestas”, informa.
Para Daniel, essa é uma oportunidade. “Poder distribuir esses alimentos, entrar lá dentro (da comunidade), ter acesso em uma missão pacifista, é um dos maiores privilégios que posso ter e poder enxergar esses problemas. E todo o dia, nos últimos 60 dias, é um dia de grande aprendizado”, conclui.
Por Camila Tuchlinski
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