Em depoimento de oito horas, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro disse ter sofrido pressão do presidente da República, Jair Bolsonaro, para mudar o comando da Polícia Federal e que cabe ao chefe do Executivo responder por que queria a troca. Como prova, afirmou ter recebido uma mensagem de texto de Bolsonaro na qual estaria escrito: “Moro, você tem 27 superintendências (da PF), eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro.”
Em dez páginas de relato aos investigadores, o ex-ministro mencionou preocupação de Bolsonaro com inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) que mira aliados e afirmou que ele desejava obter acesso a relatórios de inteligência sigilosos. “(…) O presidente lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência”, diz trecho do depoimento.
As declarações de Moro foram feitas no âmbito do inquérito instaurado pelo decano do STF, ministro Celso de Mello, para apurar denúncias de interferência política de Bolsonaro na PF. Celso de Mello autorizou que os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) também prestem depoimento na investigação.
Segundo Moro, em reunião de Bolsonaro com o conselho de ministros, Heleno alertou que não seria possível fornecer ao presidente “o tipo de relatório” de inteligência sobre o qual ele vinha manifestando interesse. De acordo com o ex-juiz da Operação Lava Jato, os ministros “se comprometeram a tentar demover o presidente”.
Questionado se Bolsonaro tinha interesse específico sobre alguma investigação em curso no STF, Moro respondeu que ele já havia perguntado sobre uma apuração que mirava deputados bolsonaristas.
O caso, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, diz respeito a ameaças, ofensas e fake news contra integrantes da Corte e suas famílias.
Na mensagem, Bolsonaro comentou que o avanço do inquérito seria “mais um motivo” para a troca na PF. Moro, por sua vez, respondeu que a corporação apenas cumpria ordens de Moraes.
Celso de Mello também autorizou a entrega de gravação de reunião em que, de acordo com Moro, ministros teriam testemunhado essas exigências da parte do presidente, além de oitivas com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e seis delegados da Polícia Federal envolvidos na crise da troca de comando da PF do Rio, em agosto passado. Por determinação do decano, o caso tramitará “em regime de ampla publicidade”.
Novas provas
Moro disse no depoimento à PF que identificou várias outras mensagens que podem ser relevantes para a investigação. Uma delas seria sobre o inquérito no Supremo e outra traria a ordem de Bolsonaro para a demissão de Maurício Valeixo do comando da corporação “a pedido ou ex-ofício”.
Haveria, ainda, um diálogo no qual o presidente demonstraria o desejo de trocar o superintendente da PF em Pernambuco.
O ex-juiz afirmou ter ouvido de Bolsonaro que ele iria interferir em “todos os ministérios” e que, se não pudesse substituir o superintendente da PF no Rio, mudaria o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça.
Durante o depoimento, Moro disse, ainda, que o presidente nunca lhe pediu a produção de um relatório de inteligência “estratégico” da PF sobre conteúdo específico, o que lhe causou “estranheza” quando isso foi levantado como justificativa para a demissão de Valeixo.
De acordo com Moro, caberia ao presidente dizer “que tipo de informação ou relatório de inteligência da PF pretendia obter mediante interação pessoal com o diretor-geral” da corporação.
Pouco depois de o depoimento de Moro vir à tona, Bolsonaro chamou as acusações do ex-auxiliar de “mentira deslavada”
‘Arbitrária’
Moro, por sua vez, considerou “arbitrária” o que considerou “interferência” de Bolsonaro na PF. Para o ex-ministro da Justiça, a ideia de trocar o comando do órgão foi comentada por Bolsonaro em agosto de 2019, e “voltou com força” em janeiro deste ano, quando Bolsonaro disse que gostaria de nomear o delegado Alexandre Ramagem para o lugar de Valeixo. O ex-juiz viu um “desvio de finalidade”, que seria de conhecimento de “várias pessoas”.
A nomeação de Ramagem, próximo do clã Bolsonaro, acabou barrada pelo Supremo.
Os investigadores também indagaram Moro se ele identificou na conduta de Bolsonaro o cometimento de algum tipo de crime. Moro limitou-se a responder que quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República, quando pediu ao Supremo a abertura do inquérito.
Em nota, Moro alegou que, nas duas trocas de mensagens mencionadas por Bolsonaro, estava “ciente da intenção do presidente de substituir o diretor-geral da Polícia Federal”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fausto Macedo, Rafael Moraes Moura e Vinícius Valfré. Colaboraram Paulo Roberto Netto e Pepita Ortega
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