O que esperar da economia após o covid-19? É preciso ter em mente que a ameaça do coronavírus não vai acabar tão cedo.
Vamos partir de um princípio comprovadamente absurdo. Suponhamos que, nos próximos dias, sejam anunciados tanto um medicamento barato e eficaz para tratar os infectados quanto uma vacina eficiente para impedir a contaminação.
Isso não vai acontecer. Medicamentos, especialmente os antivirais, demoram muito tempo para ser desenvolvidos. Basta lembrar que o HIV entrou na agenda das pesquisas há quase quatro décadas e os pacientes que com ele se contaminam ainda não são curáveis. Graças aos avanços da medicina e da farmácia, é possível conter seus efeitos. Mas uma cura para o vírus ainda não há.
Da mesma forma, na hipótese mais otimista, uma vacina só estará disponível no fim deste ano. E mesmo que isso ocorra e que ela seja barata, é impensável vacinar mais de sete bilhões de pessoas. Mesmo que um esforço global buscasse essa meta, nenhuma vacina é capaz de imunizar 100 por cento de uma população.
Há pessoas em que a vacina não funciona. Há aqueles que não podem ser vacinados – recém-nascidos ou portadores de algumas doenças. E há aqueles que simplesmente não têm dinheiro para a vacina, ou que moram em países tão pobres, tão politicamente confusos e socialmente desestruturados que os governos não têm condições de vacinar a população (pense nas dificuldades de uma campanha de vacinação ser posta em prática na Síria, no Sudão do Sul ou mesmo na vizinha Venezuela).
E, mesmo quando houver tratamentos e vacinas à disposição, o medo das pessoas vai persistir. De novo, vamos recorrer aos exemplos históricos. A mais recente pandemia foi a Gripe Espanhola, quando o vírus da influenza levou cerca de 50 milhões de pessoas (300 milhões, pela população de hoje). Embora chamada também de “Gripe de 1918”, a pandemia teve três ondas sucessivas ao longo de dois anos, sendo que a segunda onda foi a mais mortal. Ou seja, além de não se descartar o efeito concreto de novas ondas de contaminação e de vítimas pelo coronavírus, será preciso considerar que o temor das pessoas continuará.
Mudanças na economia
Isso já mudou a forma como consumimos produtos e serviços, e também está mudando a foram como as empresas operam. Ao divulgar a queda de 41,9 por cento nos lucros do primeiro trimestre, Octávio de Lazari, presidente do Bradesco (BBDC4), falou também de algumas mudanças na forma de o banco fazer negócios. “No passado, ninguém poderia imaginar que manteríamos 92 por cento dos funcionários do centro de teleatendimento do banco trabalhando de casa e a produtividade não seria prejudicada, ao contrário, até aumentaria”, disse Lazari em uma teleconferência com a imprensa. O executivo acrescentou que, após o levantamento das medidas de isolamento social, o banco vai passar a buscar maneiras mais eficientes de operar com base no home office.
Tudo isso levanta a hipótese de mudanças drásticas na vida das empresas. Um aumento do home office e a continuidade do distanciamento social não vão afetar apenas o pequeno varejo. Ao contrário, são vetores de mudanças mais profundas nas cadeias de suprimentos globais. O próximos anos poderão ver algumas mudanças drásticas na forma como a economia se organiza, em termos globais. Por exemplo:
– o setor de serviços poderá mudar muito com o home office. Algumas atividades vão permanecer iguais (é difícil para uma siderúrgica estimular o home office, pois fundir aço na cozinha do apartamento é impraticável). No entanto, o setor de serviços, que representa cerca de 70 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e cerca de 50 por cento do PIB americano verá mudanças drásticas, com impactos ainda impossíveis de calcular nos preços dos imóveis e no nível de atividade dos transportes.
– a globalização econômica poderá desacelerar. Não se descarta a hipótese de os governos passarem a incentivar a produção local, reduzindo a importância da China como fornecedor global de produtos industrializados. Se essas tentativas vão dar certo ou não, é difícil dizer. Apesar do que a maioria das pessoas imagina, o processo moderno de globalização não é recente. Começou a tomar força ainda no Século XIX, foi parcialmente interrompido durante as duas Guerras Mundiais, foi eventualmente desacelerado, mas nunca parou nem retrocedeu. Agora poderemos viver uma nova desaceleração, com os países preferindo a “segurança” da produção local, ainda que isso sacrifique as margens
– deverá haver um estímulo na economia compartilhada, no “asset light” e no “as a service”. Um bom exemplo, de novo, é o home office. Durante sua teleconferência, Lazari, do Bradesco, avaliou que o banco poderá testar novos modelos para suas atividades. “Vamos fechar cerca de 320 agências neste ano, e descobrimos que podermos migrar para um modelo de agências menores, com menos funcionários, e reforçar o uso dos canais digitais junto à clientela”. Está longe de ser o único caso. Pelo menos uma conhecida rede de restaurantes em São Paulo descontinuou sua cinquentenária operação em lojas físicas e agora restringe-se ao delivery. Um profissional que reduz sua ida à empresa para um dia por semana em vez de cinco poderá repensar sua necessidade de ter um carro próprio e partir para um motorista de aplicativo ou pelo uso de um carro compartilhado. E, consequentemente, esse mesmo profissional poderá repensar sua necessidade de ter um imóvel com garagem.
Os desdobramentos são infinitos. A única certeza é que o mundo que emergirá após a pandemia não será igual ao que era antes.
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