Acostumados ao rigor do ambiente corporativo, com reuniões, viagens e uma extensa agenda de encontros de negócios, presidentes de grandes empresas do País também estão tendo de recriar suas rotinas frente à pandemia do coronavírus e à necessidade de isolamento social.
Distantes da estrutura dos escritórios e dividindo o espaço de trabalho com a família, esses executivos fizeram dos aplicativos de videoconferência o principal instrumento de trabalho.
Pela tela do computador ou do celular, eles comandam milhares de funcionários e muitos estão à frente de empresas de áreas consideradas essenciais, que não podem falhar principalmente em momentos como esse, como serviços de telecomunicações, água, energia elétrica e alimentação. Também passam boa parte do dia em reuniões com governantes, representantes do setor e outros executivos da empresa.
As telas não resolvem só questões de trabalho. Nas últimas semanas, praticamente tudo tem sido feito por vídeo. Das aulas de atividade física e de relaxamento a sessões de terapia. Habituados a ficar pouco tempo em casa, executivos estão também abrindo espaço na agenda para compromissos menos usuais, como auxiliar os filhos nas atividades escolares ou dividir os cuidados com a casa.
Apesar das dificuldades – a falta do “olho no olho” nas relações de trabalho ou carga horária mais pesada -, muitos têm visto a experiência como um aprendizado forçado e repensado a forma de se trabalhar. A volta para o escritório promete ser diferente.
‘A vantagem é ver os filhos o tempo todo’
O presidente do Nubank, David Vélez, escolheu fazer o isolamento social numa casa no interior do Estado de São Paulo. Ali, sem uma estrutura preparada para o home office, ele faz o que pode para cumprir sua extensa agenda de reuniões e demais atividades. “Atendo às chamadas durante o dia na sala de estar, mesa de jantar ou em cima da minha cama.”
As conversas por telefone também costumam ocorrer durante as caminhadas de Vélez. “É ótimo para me exercitar e também me ajuda a pensar com mais clareza e calma nas decisões a serem tomadas neste período.” O executivo conta que, por ter escritório em outros países, já estava acostumado a trabalhar onde fosse necessário, seja em casa, avião, aeroporto ou café.
“Os times do Nubank também sempre viveram essa realidade. Agora ter 100% dos funcionários trabalhando remotamente foi algo inédito mesmo. Tem sido um aprendizado.”
Vélez conta que tem tentando manter uma rotina semelhante à que tinha antes da pandemia. Ele acorda por volta das 5h30 com o filho de três anos, que desperta cedo. “Como uma tigela de cereal com ele e faço exercícios por cerca de uma hora todos os dias.”
Por volta das 8h30, ele começa a receber chamadas e entra em reuniões que vão até as 20 ou 21 horas. “A vantagem é que estou vendo meus filhos e minha esposa o tempo todo e consigo fazer as refeições com eles.”
O executivo diz que, apesar de sempre trabalhar muitas horas por dia, as últimas semanas têm sido mais longas que o habitual. Para ele, no pós-pandemia, o home office deve crescer consideravelmente. Isso vai aumentar o acesso a talentos de uma maneira mais global. “Uma sociedade mais digital é também mais produtiva, porque exige uma estrutura de custos mais baixa e torna a vida de clientes e empresas mais econômica e prática.”
‘Sinto falta do olho no olho’
É de um sítio, no interior de São Paulo, que o presidente da Vivo, Christian Gebara, tem comandado seus 33 mil funcionários nas últimas três semanas. Ali, distante 100 quilômetros da capital paulista, ele divide o dia entre videoconferências com executivos da companhia, clientes, governantes e representantes do setor, além das tarefas escolares dos dois filhos, de 12 e 14 anos. “Aqui no campo, no meio do nada, as crianças têm mais espaço do que se ficassem na cidade de São Paulo dentro de um apartamento.”
Acostumado ao ritmo acelerado da Avenida Berrini, onde fica a sede da empresa, em São Paulo, ele tem procurado manter uma rotina de disciplina, com exercícios físicos antes de iniciar o trabalho e paradas para o almoço em família.
Antes de começar as atividades, ele corre e faz aulas com um personal por vídeo. As reuniões começam por volta das 8h30 e prosseguem até as 20h30. Pelo menos duas delas são para discutir os efeitos do coronavírus com o pessoal da empresa e com clientes.
Depois, ao longo do dia, vêm outras conversas, de caráter mais institucional, para tratar de medidas de ajuda ao setor. “Estou trabalhando igual ou mais do que o normal, mas estamos tentando manter a empresa funcionando”, diz Gebara.
Segundo ele, as reuniões por videoconferência e o fato de não ter de se locomover para o trabalho têm gerado uma produtividade maior. “Por outro lado, sinto falta do olho no olho; numa conversa pessoalmente, você consegue perceber coisas que são mais difíceis de verificar por vídeo”, afirma o presidente da Vivo.
‘Tem sido produtivo’
À frente da plataforma de vendas online OLX, Andries Oudshoorn já estava acostumado com o home office eventual e as teleconferências. Mas fazer isso com outros 800 funcionários ao mesmo tempo não é uma tarefa fácil, reconhece o executivo. “Fazemos reuniões semanais com todos os trabalhadores para tentar diminuir a ansiedade que eles enfrentam.”
Ele está em isolamento em seu apartamento no Rio com a esposa e os dois filhos. Apesar da demanda maior por decisões, ele afirma que o trabalho em casa tem sido mais flexível que a jornada no escritório.
“Começo o trabalho às 8h e vou até umas 19h. Mas tento parar um pouco para fazer algumas atividades com a família.” Um desses momentos é cozinhar e acompanhar algumas aulas online dos filhos. Antes de iniciar as atividades da empresa, ele também consegue correr e fazer musculação para reduzir o estresse. “Tem sido muito produtivo, pois não perco tempo em avião ou em locomoção de um lado para outro.”
O executivo reclama, entretanto, da qualidade da internet, que considera ruim, e da falta de contato com as pessoas. “Algumas conversas mais sensíveis, acho melhor ter pessoalmente do que por telefone ou por videoconferência.” No dia a dia, completa ele, é difícil estabelecer uma conexão emocional com as pessoas remotamente.
O lado positivo é que, depois dessa experiência e dos bons resultados em relação a motivação, coletividade e produtividade, será mais fácil contratar profissionais espalhados pelo Brasil. “Engenheiro de software, por exemplo, é um profissional mais difícil de se encontrar, mas, se puder contratar em qualquer lugar do Brasil, isso fica mais fácil.”
‘A disciplina é diferente’
Uma das primeiras providências da presidente da empresa de crédito Captalys, Margot Greenman, foi liberar uma mesa para trabalhar com os dois filhos em casa. De um lado, está seu notebook. Do outro, uma série de materiais escolares, como lápis de cor, giz de cera e tesoura. “Tenho colocado eles para fazer projetos de arte enquanto faço minhas atividades”, diz ela, que liberou a babá nesse período. “Mas, quando tenho muitas coisas para fazer, peço uma ajuda e vou buscá-la em sua casa.”
Margot começa sua rotina entre 5h e 6h, antes de as crianças acordarem. Aproveita o momento para responder a e-mails e fazer trabalhos que exigem mais silêncio.
Em seguida, faz o café da manhã e coloca os filhos para iniciar alguma atividade. “Quem está com crianças em casa sabe que esse é uns dos maiores desafios da situação atual.”
As ligações e reuniões com a equipe de trabalho começam às 9h. O período da tarde fica reservado para interações com clientes. E, no fim da noite, quando as crianças vão dormir, ela retoma as atividades da empresa. Margot confessa que não tem sido fácil. “É uma disciplina diferente, uma novidade. Somente agora, depois de duas semanas, estou conseguindo retomar o foco nos assuntos estratégicos que estavam sendo tocados antes da crise.” Até então, todas as decisões eram para resolver emergências.
Na avaliação de Margot, o mundo já começa a viver uma mudança profunda. O home office forçado tem mostrado que é possível fazer muito mais com uma produtividade maior, afirma. “Quando sairmos dessa crise, teremos uma redução brutal de custos e novas formas de atender e fazer coisas mais eficientes.”
‘Nunca usei tanto app’
Na terceira semana em home office, o presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Junior, conta que tem feito cerca de dez reuniões por dia. O início do isolamento social do executivo culminou com o prazo de entrega dos balanços da estatal e de suas subsidiárias, o que exigiu uma dinâmica diferente do habitual. “Foi um grande desafio soltar todos os balanços até 30 de março por trabalho remoto. Usamos até o último minuto.”
O executivo está em home office em sua casa em Campinas, no interior de São Paulo, com a mulher e a filha de sete anos. Por causa dos riscos de contaminação, ele dispensou a empregada e todas as atividades domésticas são feitas pelo casal.
“Minha mulher tem ajudado bastante. Ela faz praticamente tudo. Trabalha, cuida da criança e cozinha.” Para contribuir com a arrumação da casa, Ferreira Junior ficou responsável por lavar a louça do jantar. “É a primeira coisa que eu faço no dia.” Por volta das 8h, o executivo inicia suas atividades de trabalho e fica o dia inteiro atendendo celular, respondendo ao WhatsApp e participando de reuniões por vídeo. “Nunca usei tanta ferramenta de TI (tecnologia de informação) como agora. Estou impressionado como esses sistemas estão nos ajudando.”
A rotina de trabalho, normalmente, termina por volta das 20h30, quando ele consegue jantar com a família. Ferreira Junior afirma que, depois de três semanas trabalhando sozinho num escritório, começa a bater uma certa solidão. Para levantar o ânimo, uma das alternativas tem sido marcar reuniões virtuais com os amigos. “Na última semana, fizemos uma videoconferência com amigos e cada um tomando o seu uísque preferido. Foi uma terapia.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Renée Pereira
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