De uma forma ou de outra, todo mundo vai ter contato com o esse inimigo invisível e oculto, o novo coronavírus. Ele se espalhou pelos quatro cantos do planeta e provocou uma pandemia. Para muita gente, ele poderá passar rápido, provocando sintomas leves, situação que pode ser resolvida com tratamento caseiro. Mas, para cerca de 20% da população, a doença é motivo de internação hospitalar e até de uso de respiradores, hoje o equipamento mais escasso e que pode ser o fiel da balança da sobrevivência.
O jornal O Estado de S. Paulo conversou com pessoas que foram diagnosticadas com o novo vírus e estão curadas ou em fase final do tratamento para a covid-19. Entre os entrevistados estão aqueles que ficaram na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), como o jurista Ives Gandra Martins, de 85 anos, que, pela idade, pertence ao grupo de risco da covid-19.
Também fazem parte do grupo de risco para o novo coronavírus pessoas com comorbidades, como complicações cardíacas, doenças pulmonares e renais. O vírus, no entanto, atinge a todos: pegou em cheio o prefeito de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, Orlando Morando (PSDB), de 45 anos, com a saúde em dia. “Senti uma falta de ar asfixiante”, disse Morando ao Estado.
No grupo dos que fizeram tratamento em casa e não precisaram de internação estão a jornalista Monique Arruda, de 34 anos, e a técnica de enfermagem, Natália Leite, de 35 anos. Também se recuperou em casa o médico infectologista David Uip, que lidera o comitê de combate à doença em São Paulo.
Uip participou nesta Segunda-feira (6) de uma entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes sobre o avanço da covid-19 no Estado, após ficar vários dias afastado, em isolamento domiciliar, durante o tratamento para a doença.
Seja em casa ou no leito de uma UTI, o medo de morrer foi o traço comum dos depoimentos desses brasileiros que agora – ao que tudo indica – já estão imunizados contra o novo coronavírus. Para eles, a lição que ficou é de que a vida é muito frágil e a saída para superar esse momento é ouvir a ciência e ser solidário. Leia abaixo os depoimentos.
David Uip, médico infectologista
David Uip, que chefia o Centro de Contingência contra a covid-19 criado pelo Estado de São Paulo, voltou ao trabalho ontem e participou de uma coletiva de imprensa em que foi anunciada a ampliação da quarentena no Estado de São Paulo. Uip foi infectado pelo novo coronavírus e estava afastado. Ele deu um depoimento emocionado sobre como sofreu com a doença.
“Gostaria de agradecer a Deus por estar aqui vivo, à minha família pela solidariedade e ao senhor, governador João Doria, que não deixou de me ligar um dia, não para perguntar algo sobre o trabalho, mas para saber como eu estava”, disse Uip.
“Vou dar meu depoimento para mostrar do que se trata essa doença. Há dois domingos, eu me senti muito mal. Estava extenuado, sentado em uma cadeira e, pela primeira vez na vida, me neguei a falar com uma emissora de televisão. Não conseguia. De domingo para segunda, passei muito mal. Na segunda de manhã, fiz o exame e o teste deu positivo para coronavírus, mas a tomografia deu normal. A semana que se seguiu foi de extremo sofrimento”, contou.
Uip explicou que depois de uma semana do diagnóstico positivo para coronavírus, em uma tomografia, foi detectada uma pneumonia. “Esse sentimento de você se ver como médico, infectologista, com uma pneumonia, sabendo que muito provavelmente entre o sétimo e o décimo dia haveria complicações, foi muito angustiante. Indo dormir não sabendo como ia acordar. Mas Deus me ajudou e venci a quarentena. Não é fácil ficar isolado. É de extremo sofrimento, mas é absolutamente fundamental”, contou o infectologista.
E continuou: “Eu tive de me reinventar nesse período. Virei um David Uip mais humilde, sabendo os limites da vida”.
Sobre a ampliação da quarentena, Uip falou que ela vai possibilitar um achatamento da curva da doença. “Meu depoimento é como paciente, não como médico. Quem vai sair vivo é quem estiver sendo atendido em estruturas hospitalares bem equipadas e com equipes médicas bem estruturadas. Isso é claríssimo. Isso (a quarentena) vai permitir que os hospitais públicos e privados se reorganizem. Isso está possibilitando que indivíduos como eu, que ficaram adoecidos, voltem para a frente de trabalho.”
Uip disse que vai voltar a atender pacientes. “Meu testemunho é de quem ficou do outro lado. Não é brincadeira. A quem está subestimando, achando que não é nada, desejo ardentemente que não adoeça. É um sofrimento muito grande. Eu passo a ser um ativo, eu já passei pela doença e eu, teoricamente, não me contamino de novo”, disse, sob aplausos das pessoas presentes no Palácio dos Bandeirantes.
Ives Gandra Martins, jurista
No dia 27 de fevereiro, o jurista Ives Gandra Martins foi submetido a uma cirurgia simples de esôfago. Na recuperação teve uma isquemia, depois uma septicemia. Ficou quatro dias em coma na UTI e, quando estava se recuperando pegou o novo coronavírus. “A minha guerra não começou com o coronavírus”, disse o jurista, que agora já está em casa, mas ainda em recuperação. “Sinto fraqueza e falta de apetite. Mas, fora isso, estou bem. Estou escrevendo: coronavírus não atingiu o cérebro”, brincou.
Após 38 dias de hospital, ele mantém o raciocínio perspicaz. “Os médicos foram muito bons, mas acredito mais no médico lá de cima”, disse o jurista, que é católico, acredita em Deus e no poder das orações.
Aos 85 anos e, portanto, pertencendo ao grupo de risco, Gandra relatou que nunca tinha vivido um drama pessoal tão grande. Apesar da fase difícil, ele se considera otimista. Acredita que, do ponto de vista coletivo, a pandemia do novo coronavírus vai ser um momento de reflexão da humanidade. “Essa é uma guerra mundial contra um inimigo invisível e, com solidariedade, será uma grande oportunidade para mudarmos a face da terra.”
Orlando Morando, prefeito de São Bernardo
Depois de uma semana na UTI, Orlando Morando, prefeito de São Bernardo do Campo (PSDB), no ABC paulista, disse que achou que morreria por causa da covid-19. O pior momento foi na semana passada. “Senti uma falta de ar asfixiante, foi a pior sensação que tive na vida.”
A situação só começou a reverter quando os médicos começaram a dar cloroquina. “O oxigênio não surtia efeito”, lembra o político de 45 anos, que tem boa saúde e não faz parte de grupo de risco.
A lição que fica, segundo ele, é que é preciso valorizar a vida. “Esse é o maior bem que a gente tem. Quando se está à beira do precipício não adianta mais.”
Outra lição tirada dessa experiência é a necessidade de as pessoas serem mais humanas. Morando disse que tem acompanhado as discussões recentes e que, na sua opinião, elas são totalmente “ilógicas”. “O que adianta discutir a economia para quem não tem mais saúde?”.
“A ciência está mostrando que o isolamento é a chance que temos para proteger as pessoas”, frisou. “Depois do que eu passei, disse, gostaria de ver se consegue ficar alguns segundos sem respirar tentando contar dinheiro”, finalizou.
Monique Arruda, jornalista
Há 17 dias trancada em casa, Monique Arruda, de 34 anos, jornalista, não precisou ir para o hospital para se curar da covid-19. No primeiro dia, ela contou que teve muita dor de cabeça, cansaço e febre alta. “Fiquei sem olfato durante 12 dias, era como se não tivesse nariz”, lembrou.
Ela recebeu orientação do médico via aplicativos, o laboratório fez o teste em casa e o resultado foi positivo. Já o seu filho de 3 anos teve muita falta de ar, mas o teste deu negativo. Até mesmo no período de isolamento, o médico a autorizou a amamentar para atenuar os sintomas da criança. Ela usou máscara e tomou cuidado com a higienização das mãos.
Outra preocupação de Monique é com a mãe idosa, de 70 anos, que mora na mesma casa. Mas, segundo ela, a mãe não pegou a doença, apesar de ser fumante e fazer parte do grupo de risco. “Apesar de os meus sintomas terem sido leves, foi um pesadelo”, resumiu a jornalista. Ser portadora do vírus soou como uma sentença de morte para ela. No seu caso, um dos pontos que ajudaram, na sua opinião, a não virar um caso grave foi seu estilo de vida saudável. “Alimentação é a base de tudo.”
Natália Leite, técnica de enfermagem
No dia 25 de março, a técnica de enfermagem Natália Leite, de 35 anos, começou a ter sintomas de uma gripe normal: tosse, espirros e nariz escorrendo. Foi a uma UPA e o médico a diagnosticou com gripe, H1N1. Natália, que trabalha em um hospital público, foi afastada do serviço e começou o tratamento em casa.
Com o passar dos dias, o quadro piorou: veio a febre alta, que chegava 40 graus, perda de paladar, olfato e dor nos pulmões, como se tivessem sendo esmagados. Ela voltou ao médico, fez o teste e confirmou que estava com covid-19. “O sintoma é de uma gripona: quando tosse, dói os pulmões, achei que fosse morrer”, contou.
No começo, ela não acreditou que estivesse com a doença, pois tomava todos os cuidados de higiene e no hospital onde trabalha cuida de uma ala isolada, onde estão pacientes sem relação com a pandemia.
Depois do diagnóstico, o médico recomendou que continuasse o tratamento em casa e só fosse ao hospital se tivesse falta de ar. Natália mandou o filho menor, de 4 anos, para a casa do pai, e ficou na companhia do filho maior, de 14. “No dia 9 vou refazer o teste para ver se o vírus foi embora.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Márcia De Chiara e Paloma Cotes
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