A fabricante de pás eólicas Aeris Energy (AERI3) deve entregar volumes em 2022 acima de 40% do apurado em 2021, afirmou o diretor de Planejamento e Relações com Investidores, Bruno Lolli, em entrevista ao Mercado News, citando o amadurecimento de linhas de produção na metade do ano que vem.
Frente ao guidance para 2022, com projeção de entregar de 4,3 a 5,2 gigawatts (GW), ante 3,1 a 3,2 GW em 2021, o executivo acredita que o número será mais próximo de 5,2 GW do que 4,3 GW. No entanto, a empresa julgou prudente considerar possíveis eventos de restrição do fornecimento de insumos. Além disso, a Aeris possui por volta de 11 GW de potencial de vendas contratado ao longo dos próximos anos.
Atuando para o mercado de turbinas eólicas onshore (no continente), a fabricante está buscando agregar o offshore (no mar) com a ajuda de uma possível fábrica nos Estados Unidos, onde o mercado offshore tem crescido. Segundo Lolli, se o investimento de cerca de US$ 100 milhões evoluir positivamente em negociações, pode começar a ser feito 2023 e produziria por volta de 1,5 GW por ano.
“Temos conversas com 2 clientes, não tem nada fechado, são conversas preliminares. Vamos certamente competir com concorrente nosso ou até com a possibilidade do nosso cliente fabricar in house”, declarou o diretor.
Posicionada diante de um mercado que cada vez mais terceiriza sua fabricação de pás, a Aeris se define como “alucinada” por manufatura enxuta, ou seja, gera menos desperdício de material que outras empresas. E além dessa redução de custos operacionais, no terceiro trimestre do ano a Aeris emitiu uma debênture de R$ 700 milhões, e com mais da metade pagou dívidas capturadas em 2020, o que a deixou em uma posição de caixa confortável para passar 2022, segundo Lolli.
A seguir, leia a entrevista completa:
Mercado News – Há a perspectiva do aumento de terceirização da fabricação de pás para geradores?
Bruno Lolli – No começo da década passada, eu diria que entre 20% e 30% do volume era terceirizado. Hoje isso deve estar bem perto de 50% no âmbito mundial menos China. Alguns clientes falam que a meta deles é de 25% a 30% de fabricação dentro de casa. Não é inteligente para o nosso cliente terceirizar tudo porque ele acaba perdendo domínio sobre o processo de fabricação e não consegue projetar pás para ser fácil de fabricar. Nosso cliente tem um portfólio de produtos e terceiriza aqueles de maior volume, não todos. Quando o volume é muito pequeno, acaba fabricando dentro de casa. E faz sentido ter alguns produtos com volume menor porque atende alguns nichos de mercado.
Acabam tendo 1 ou 2 linhas dentro de casa, e terceirizam 10 linhas, por exemplo. E o que a Aeris tem conseguido com o passar do tempo é ficar com a maior proporção dessas linhas quando o cliente decide terceirizar 10 linhas. Então estamos conseguindo capturar mais linhas de terceirização do que o nosso concorrente. Então a gente vem crescendo em market share.
Mercado News – Poderia falar um pouco sobre a provável instalação de uma fábrica nos Estados Unidos? E como a empresa pretende migrar para o offshore?
Bruno Lolli – Até hoje a Aeris só fabricou pás para o mercado onshore, que são turbinas eólicas que ficam em terra, no continente. Offshore são turbinas instaladas no mar. Ainda não fabricamos offshore – na verdade nenhum fabricante terceirizado fabricou offshore até agora – porque toda a fabricação dos nossos clientes está sendo dentro de casa e os volumes ainda são baixos. Então não justifica terceirizar.
Esse mercado offshore já é um pouco mais maduro no norte da Europa e na Ásia. E está começando a surgir agora na América do Norte, principalmente a costa nordeste dos Estados Unidos, onde há projetos superambiciosos. Acabamos de ter um cliente nosso, a Vestas, anunciando que eles são fornecedores preferenciais para um parque em Nova York de 2 GW, que é bastante. Então o offshore está começando surgir mais forte nas Américas e o Brasil está um pouco atrás nisso. A estrutura regulatória para termos offshore no Brasil deve acontecer na segunda metade da década.
Como o offshore nos Estados Unidos deve ser muito relevante e faz parte do plano de infraestrutura do presidente Joe Biden, é provável que exista algumas regras de conteúdo local para fabricação nos Estados Unidos. Nesse caso, então, eu não poderia fabricar no Brasil e mandar a pá para os EUA. Preciso fabricar lá se eu quiser atender esse mercado.
Temos conversa com 2 clientes, não tem nada fechado, são conversas preliminares. Vamos certamente competir com concorrente nosso ou até com a possibilidade do nosso cliente fabricar in house. Mas já temos um estudo completo sobre essa possível fabrica nos EUA, ficaria no nordeste, provavelmente no estado de Nova York, por volta de US$ 100 milhões de investimento, para produzir cerca de 1,5 GW por ano.
Mercado News – As energias renováveis têm crescido muito globalmente. Qual a expectativa para o aumento da fatia de mercado desse segmento nos próximos anos?
Bruno Lolli – A demanda por eletricidade está crescendo muito e vai crescer muito mais nos próximos 30 anos, por exemplo, do que a demanda por energia, porque o mundo está ficando mais elétrico. A gente chama de eletrificação. Consumir mais eletricidade do que energia é parte do processo de transição energética.
Quando falamos de eletricidade, isso é commodity. Entendemos e concordamos que produzir energia queimando carvão ou produzir energia solar, eólica e hidrelétrica tem uma diferença grande para o meio ambiente.
Olhando pela ótica de que “commodity o que importa é estar disponível e estar mais barato”, a eólica é a fonte mais barata do mundo, hoje, principalmente no Brasil. Então faz todo sentido a eólica liderar o processo de crescimento da matriz elétrica mundial.
E quando aumentamos a matriz elétrica com a eólica, estamos distribuindo risco. Os parques eólicos não são imensos. Não tenho parques eólicos do tamanho de Itaipu. Até tenho no Brasil mais do que uma Itaipu em energia eólica, mas está espalhado. Então não é uma falta de chuva em um lugar, não é um acidente nuclear como aconteceu em Fukushima [no Japão] que reduz a capacidade de geração do sistema elétrico como um todo. Como eu espalho o risco, a eólica tende a ser uma forma inteligente de crescer – e a solar acompanha.
O futuro que imaginamos nesse crescimento é a eólica e a solar liderando o processo. São as 2 fontes mais baratas hoje. Vamos ter muito parque híbrido para que as 2 consigam crescer muito e serem dominantes na matriz, porque elas são intermitentes. Só gero energia solar quando tem sol, então à noite não gero. E a eólica tem um regime de ventos que não é homogêneo ao longo do ano. Por isso, entendemos que no futuro terá solar, eólica e bateria. Isso é suficiente para atender qualquer sistema. Mas antes de chegar nesse ponto em que a bateria é necessária, ainda temos muito crescimento.
A eólica hoje representa 6,5% da matriz global. Até os 20% não dói nada, não gera nenhum problema para o sistema elétrico. Então a gente ainda vê crescimento forte da eólica sem precisar da bateria, mas é provável que a bateria permita a eólica e a solar a representar mais de 80% da matriz. O carvão é hoje 40% da matriz elétrica global. E fontes fósseis como um todo, gás, carvão, petróleo – que é pouco na matriz elétrica – chega a 60%. Em 2050, todo mundo projeta que, na pior das hipóteses, essas fontes fósseis vão representar 20% da matriz elétrica. Então além da matriz crescer sem usar essas fontes, eu vou ter o descomissionamento de várias usinas térmicas. Preciso ainda mais de eólica e solar. É super óbvio que o mundo vai ficar mais elétrico e que esse crescimento é com fontes renováveis. A eólica é protagonista nesse processo.
Mercado News – Alguns analistas consideraram o guidance de 2021 e 2022 um pouco abaixo do esperado, inclusive de que seria um ano de transição para a empresa. De fato, é um ano de transição?
Bruno Lolli – Quando o cliente desenvolve uma turbina nova e aciona a Aeris para fabricar as pás, o primeiro ano de produção é muito pior que os anos seguintes. O cliente nos contrata para fabricar por vários anos o mesmo produto. O primeiro ano é pior porque no começo da produção a velocidade é muito baixa, e eu tenho muita gente contratada treinando, então eu tenho uma curva de aprendizado muito longa. As primeiras pás eu levo quase 1 mês para fazer. Depois eu vou reduzindo o ciclo e consigo fazer uma pá por dia, por exemplo, em cada linha de produção.
Então a velocidade vai aumentado, e com isso eu vou reduzindo o custo, principalmente o custo de mão de obra, que é alto no começo. Depois, a folha mensal fica estável só que o nível de produção cresce muito, então minhas margens melhoram muito.
O que aconteceu no último ano é que os nossos clientes desenvolveram produtos ao longo de 2019 e 2020, e começamos a instalar linhas novas em 2021, até além do que a gente tinha previsto. Estávamos prevendo que os produtos que fabricamos em 2020 iam ter uma sobrevida maior. Só que a tecnologia evoluiu mais rápido. Os clientes desligaram, pararam de vender essas máquinas de tamanho menor e anteciparam o lançamento das máquinas grandes. Então esse ambiente competitivo fez com que todos corressem para lançar produtos novos e isso gera mais transição de linhas.
A parte boa nesse processo é que crescemos mais do que o esperado em termos de quantidade de linhas de produção, assinamos mais contratos do que tinhamos previsto. Só que eu estou transacionando mais linhas de produção do que eu tinha previsto. E isso afeta resultado de curto prazo. Entretanto, me dá mais segurança de que eu vou ter resultados melhores no médio e longo prazo porque eu vou ter uma base instalada maior de linhas de produção, produzindo pás que vão ter vida mais longa.
Um produto que eu comecei a produzir em 2016, o normal é estar produzindo-o até o fim de 2022, por exemplo. Aí o cliente decide que eu vou parar de produzi-lo hoje e ele irá colocar um produto novo, só que eu vou continuar produzindo este até 2025. Então essa transição nos dá segurança de que eu tenho mais volume ao longo do tempo. Mas afeta o curto prazo porque o volume de produção é ainda, relativamente, baixo comparado com o volume de mão de obra que eu tenho.
Alguns analistas não tinham atualizado as projeções considerando esses novos contratos que tínhamos assinado. Quando divulgamos o guidance, eles foram rever todos os números, e perceberam que com esses novos contratos faz sentido termos volumes um pouco menores e margens piores nesse período. Mas precificamos sempre do mesmo jeito.
O que estamos fazendo na verdade é garantindo mais volumes para o futuro e continuamos agregando bastante valor para esses volumes novos, só que o curto prazo é negativamente afetado.
Mercado News – Então o senhor diria que irá ocorrer um aumento de produção em 2022?
Bruno Lolli – Devemos entregar volumes em 2022 acima de 40% do que vamos entregar em 2021, no ano como um todo. A maior parte desse volume vai ser entregue a partir da metade do ano porque eu entro em 2022 com algumas linhas ainda não maduras, em ramp up, durante o período de aprendizado. Na metade de 2022, todas as linhas serão maduras. O segundo semestre de 2022 tende a ser bem melhor do que os resultados que a gente vem tendo desde o IPO [oferta inicial de ações, na sigla em inglês] até agora, porque só vai ter linha madura. Um cenário que hoje não existe.
Mercado News – O senhor comentou recentemente sobre a demanda grande para o ano que vem. De qual nível é essa demanda?
Bruno Lolli – Acabamos tendo uma previsibilidade até que boa sobre esses volumes. Esse ano estamos entregando entre 3,1 e 3,2 GW. No ano que vem o guidance fala de 4,3 a 5,2 GW. O número que acreditamos está muito mais próximo do 5,2 GW do que do 4,3 GW. Só que hoje há uma forte pressão na cadeia de suprimentos para escalar volumes, porque o mercado continua crescendo e a logística global esta bastante confusa, complexa ainda como reflexo da pandemia. Tempo de trânsitos, por exemplo, da China para o Brasil saiu de 60 para quase 100 dias. Tudo isso cria mais complexidade logística.
Muitos dos insumos que usamos são importados, então preferimos na divulgação do guidance considerar alguns eventos possíveis para 2022, inclusive negativos de restrição do fornecimento de matéria prima, para projetar os volumes. Continuamos acreditando e projetando volumes muito próximos de 5 GW, mas com um possível downside para 4,3 GW, se não recebermos todo o insumo que está programado ao longo de 2022. E o principal disso é a fibra de carbono, que aumentou muito de preço. A cadeia de suprimentos não está conseguindo reagir e produzir os volumes que estão sendo demandados.
Mercado News – Qual a expectativa de crescimento da Aeris Service?
Bruno Lolli – Temos divisão de serviços tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Fazemos inspeção e reparo nas pás que estão em campo. E não só nas pás produzidas pela Aeris, na verdade a maior parte dos serviços que prestamos são em pás fabricadas por outras empresas – até porque as nossas pás praticamente não dão defeito e os serviços de inspeção acabam sendo mais frequentes quando o produto está fora de garantia. Tipicamente, tem garantia de 2 anos.
Fazemos pouco serviço em pás da Aeris e mais serviço em pás de terceiros. Hoje devemos estar por volta de 2,5% da receita da companhia nessa área de serviços. É menor, mas tem um potencial de crescimento até maior do que a fabricação de pás. Temos meta para atingir até 5% da receita da companhia vindo de serviços. Então a gente deve dobrar a representatividade da área de serviços. A maior parte desse crescimento está nos Estados Unidos, até porque é um mercado maior do que o brasileiro, e é um mercado com uma frota mais velha, mais maduro. Quanto mais velha a frota de aerogeradores, mais serviço isso demanda, e a gente vem crescendo e capturando mais mercado lá.
Mercado News – Qual a perspectiva para fabricação de componentes para veículos elétricos?
Bruno Lolli – Desde o nascimento da empresa, focamos no crescimento e na captura do mercado de pás para aerogeradores. Com a empresa ficando mais madura e mais robusta, acabamos pensando na possibilidade de usar o ‘know how’ que temos no processamento de material composto para outros mercados. Então estamos começando esse processo de estudar novos mercados, que estejam relacionados ao processo de transição energética, e que o material composto faça sentido. Sempre que falamos de transição energética, a eficiência acaba entrando no assunto. Eu preciso ter o mesmo resultado consumindo menos energia. E quando falamos de material composto, sua grande vantagem sobre o metálico é que eu consigo ter estruturas mais leves que suportam os mesmos esforços.
Então faz sentido para veículos de uma forma geral, mas principalmente para veículos de transporte, tirar peso. São essas iniciativas que estamos discutindo com parceiro no Brasil, uma empresa que está desenvolvendo veículos de grande porte, elétricos porque têm que estar relacionado com transição energética. Não vamos fornecer nada para veículos com motor a combustão, mas vamos entrar nesse mercado sim.
Também avaliamos outros mercados, não só setor de transporte. Setor de construção civil, por exemplo, existe demanda por materiais compostos. Estamos estudando esses mercados, alguns relacionamentos já estão mais maduros do que outros. Ainda não é algo tão relevante quanto é a fabricação de pás, mas já é o começo de um processo de diversificação que queremos conduzir para frente.
Entendemos que, ao longo dessa década de 20, devemos ter algumas unidades de negócios dentro da Aeris crescendo em peso e representatividade sobre a empresa como um todo. Traz mais segurança para a empresa, diversifica e eventualmente temos negócios que são mais anticíclicos. Ou seja, se geração de energia não for tão bem, a gente entende que alguns outros mercados podem ir melhor.
Isso deixa a empresa com menor perfil de risco, até porque diversifica a base de clientes. Na fabricação de pás eólicas, infelizmente temos uma concentração de receita razoavelmente alta. Temos 5 clientes, 4 deles têm 90% do mercado. Então, não dá para ter muitos clientes. Para diversificar precisamos diversificar mercados.
Mercado News – A Aeris recentemente fechou negócio com a Nordex. Como foi esse acordo?
Bruno Lolli – A Nordex é a fusão de uma empresa alemã com uma empresa espanhola (Acciona). A Aeris fabrica para a Acciona desde 2012, e passamos a fabricar para a Nordex em 2019, já depois da fusão. Mais recentemente, a Nordex decidiu que iria expandir seu portfólio, lançou um aerogerador com pás maiores, e nesse novo contrato a gente reduz a quantidade de linhas de produção de uma máquina. Este contrato já começa a ser executado neste quarto trimestre e vai pelo menos até o fim de 2023.
Sabemos que a Nordex deve vender esse produto por um período maior, então tem boa chance desse contrato ainda ser prorrogado até o fim de 2023, e ele adicionou acho que por volta de 2 GW no nosso potencial de vendas. É um contrato relevante. A empresa continua tendo por volta de 11 GW de potencial de vendas ao longo dos próximos anos já contratado. Entregamos esse ano por volta de 3 GW. Então as perspectivas de crescimento futuras continuam muito boas.
Mercado News – Qual a expectativa de investimentos e novos contratos da Aeris?
Bruno Lolli – O volume de investimentos em 2022 é muito menos do que fizemos em 2021. É uma característica mesmo do negócio, assinamos contratos novos, negociamos contratos novos, crescemos a capacidade produtiva e depois usamos essa capacidade produtiva que instalamos. Assinar contratos e crescer capacidade esta muito mais em 2021.
Em 2022 estamos projetando volume de investimentos por volta de 4 vezes menor do que a gente fez em 2021. Só que é exatamente em 2022 que eu capturo o benefício de ter investido em 2021. Então volume de entrega e receita cresce mais de 40%, só que o volume de investimentos é muito menor porque eu já fiz o que estou aproveitando agora. Em paralelo, novos contratos o tempo todo, estamos conversando com os clientes.
Eu diria que à luz do momento, a negociação mais avançada que temos depois de ter concluído a negociação com a Nordex é exatamente nessa fábrica dos Estados Unidos. E esse investimento de US$ 100 milhões não está projetado para acontecer em 2022. Pode começar a ser feito em 2023, se a gente evoluir positivamente nessas novas negociações.
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