Inflação global foi o nome do jogo nesta terça-feira de aversão a risco desde o exterior, com a superação gradual da pandemia dando lugar às dores da recuperação econômica, em que as commodities de energia, especialmente petróleo e gás, mostram avanço consistente à medida que se aproxima a estação mais fria do ano no hemisfério norte. Aqui, após o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, ter negado na segunda-feira mudança no modelo de preços da estatal, o presidente da Câmara, Arthur Lira, retomou a carga nesta terça ao convocar reunião política para discutir a questão, na quarta, por considerar inadmissível gasolina a R$ 7 e botijão de gás a R$ 120.
À tarde, em linha com a retórica do presidente Jair Bolsonaro, Lira (PP-AL) voltou a criticar a alta dos combustíveis, mas jogou a culpa nos impostos cobrados pelos governadores. Ao lado do presidente em evento de entrega de moradias no interior de Alagoas, Lira disse que o Congresso debaterá projeto de lei para fixar o valor do ICMS, uma das principais fontes de arrecadação dos Estados – e indicou apoio.
Pela manhã, a ata do Copom manteve a sinalização de ajuste da Selic ao ritmo de 1 ponto porcentual por reunião, pelo intervalo que o BC julgar necessário. Parte do mercado leu a ata como porta aberta para ajuste até mais intenso no ritmo de alta da taxa básica de juros, em terreno já contracionista na avaliação do BC, acima do nível considerado neutro pela instituição – mas que pode ir além, a “um nível significativamente contracionista”, apontou o Copom na ata desta terça-feira.
Neste contexto, o recrudescimento de preocupações quanto à inflação no mundo, especialmente nos Estados Unidos, com reflexo nos yields dos Treasuries, recolocou os investidores na defensiva, fortalecendo o dólar e afetando o apetite por ativos de risco, inclusive as commodities. Assim, com perdas de até 2,83% em Nova York (Nasdaq), o Ibovespa fechou em baixa de 3,05%, a 110.123,85 pontos, entre mínima de 109.980,95 pontos – menor nível intradia desde 21 de setembro – e máxima de 113.584,12 pontos, da abertura. Em porcentual, foi a maior perda do índice desde o tombo de 3,78% no pós-Independência, em 8 de setembro. O giro financeiro desta terça-feira foi a R$ 39,6 bilhões.
Na semana, o índice da B3 acumula perda de 2,79%, elevando as de setembro a 7,29%, colocando de novo o mês a caminho de se tornar o terceiro pior da pandemia, superado apenas por março e fevereiro de 2020 (-29,90% e -8,43%, respectivamente). Em 2021, o Ibovespa cede agora 7,47%. Faltando duas sessões para conclusão do mês, setembro foi acidentado, difícil para o Ibovespa, mesmo com o barateamento da Bolsa após agosto (-2,48%) e julho (-3,94%) negativos, que interromperam recuperação vista a partir de março.
Em setembro, “teve a crise político-institucional e, quando começou a deixar de incomodar tanto, vieram as preocupações sobre a economia chinesa, a correção do minério de ferro, os problemas da Evergrande e agora também a inflação global”, observa Lucas Mastromonico, operador de renda variável da B.Side Investimentos, acrescentando que as ações do complexo mineração-siderurgia têm reagido menos aos momentos de recuperação dos preços do minério, como na segunda-feira, do que aos de retomada da trajetória de queda, como nesta terça.
“O dia foi pesado, especialmente para Vale, com a restrição na China da utilização de carvão para geração de energia, o que acaba afetando setores com uso intensivo, basicamente a indústria. Com menos capacidade produtiva no aço, na indústria e na construção, afeta o preço do minério e, em consequência, as ações da Vale”, diz Flávio de Oliveira, head de renda variável da Zahl Investimentos.
Nesta terça-feira, a commodity fechou em baixa de 6,08%, vindo de alta de 7,17% na segunda em Qingdao, China. Na B3, Vale ON encerrou a sessão em baixa de 5,01%, com perdas de 7,27% para Usiminas PNA – quinta maior queda na carteira Ibovespa na sessão – e de 7,84% para CSN ON – quarta maior perda do dia. Na ponta negativa do Ibovespa, destaque para Banco Inter (Unit -11,82%, PN -11,70%), em meio a comentários no mercado quanto a dados de provisionamento no balanço da instituição, à frente de Méliuz (-8,65%). Petrobras ON e PN fecharam a sessão, respectivamente, em baixa de 0,86% e de 0,66%.
Na face positiva do Ibovespa, destaque para as empresas de proteína animal, exportadoras, beneficiadas pela força do dólar na sessão, em alta de 0,85%, a R$ 5,4243, no maior nível desde 4 de maio: Minerva (+1,75%), BRF (+0,99%) e Marfrig (+0,25%), com Taesa (+0,14%) completando o restrito grupo de ações do índice que conseguiram fechar o dia com algum ganho.
Nos Estados Unidos, o yield da T-note de 10 anos amanheceu a 1,52%, máxima desde julho, aponta Pietra Guerra, especialista em ações da Clear Corretora. “Estamos vendo esse aumento da expectativa de juros por lá, muito por conta de um dólar se fortalecendo frente a moedas emergentes e pela alta das commodities”, acrescenta. “Esses dois fatores combinados refletem na inflação, e com isso, pode ser que o Fed tenha que subir os juros para contê-la, em linha com o discutido na última reunião de política monetária de que, sim, pode ter subida de juros já no próximo ano e retirada de estímulos”, diz. Tal percepção pesou nesta terça principalmente nas ações de tecnologia em Nova York, acrescenta Pietra.
“O que temos aqui é um mercado de ações que finalmente parece vulnerável à medida que os rendimentos do Tesouro aumentam, os preços do petróleo parecem que podem atingir facilmente US$ 90 o barril e os problemas da cadeia de suprimentos não mostram sinais de afrouxamento”, observa em nota Edward Moya, analista de mercado financeiro da Oanda em Nova York.
Por Luís Eduardo Leal
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