A percepção de uma elevação do risco no Brasil, que vem afetando o desempenho do Ibovespa – o principal índice da Bolsa brasileira, a B3 – já começou a fazer as primeiras vítimas entre as candidatas a IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês). A Vittia, empresa do setor de agricultura, estava pronta para ir a mercado, mas decidiu aguardar. O Banco de Brasília (BRB), que planejava sua oferta para setembro, também vai esperar um contexto mais favorável.
A leitura é de que as mais de 20 empresas com pedido de registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que já começaram a testar o apetite do mercado, devem aguardar um cenário de menos volátil e de menor aversão ao risco para lançar suas operações, conforme apurou o Estadão. Isso vale tanto para as estreantes como eventuais ofertas subsequentes de ações (follow-on).
Uma fonte de mercado destaca que a fila de candidatas para abrir capital em outubro e novembro é grande e que as companhias continuarão fazendo o pedido de registro ao regulador para estarem preparadas, mas que somente irão a mercado para valer se a volatilidade cair.
Entre as candidatas para uma abertura de capital estão a fabricante de alimentos Dori Alimentos, a rede de academias Bluefit, a Ammo Varejo (dona da MMartan) e a rede de restaurantes Madero, entre outras. Ontem, a fabricante de meias Lupo protocolou pedido na CVM para chegar à B3 em breve.
O ano tem sido bastante positivo para as ofertas de ações no Brasil, com o volume financeiro das emissões superando os R$ 120 bilhões já batendo o recorde de 2020. Até aqui, as ofertas vinham conseguindo driblar a cautela em relação à pandemia, estimuladas pelos juros em um dígito.
Múltiplas pressões
No entanto, além das pressões externas – como a situação do Afeganistão, que eleva a pressão sobre o presidente dos EUA, Joe Biden -, o risco Brasil deu um salto, o que tem afetado as expectativas do mercado em geral e reduzido o preço de todos os ativos.
Além de o Ibovespa já ter zerado a valorização do ano e o dólar ter voltado para a faixa de R$ 5,30, o Brasil enfrenta um aumento das incertezas fiscais. Há ainda a leitura de que o aperto monetário pelo Banco Central poderá ser maior do que o inicialmente esperado, pois a inflação está em alta. A prova disso é que já há títulos do governo prefixados sendo negociados no Tesouro Direto com uma rentabilidade em dois dígitos.
Além disso, a tensão política está crescendo, com o pano de fundo da posição cada vez mais conflituosa do presidente Jair Bolsonaro com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No último sábado, Bolsonaro afirmou, por exemplo, que pediria ao Senado a abertura de um processo de impeachment contra os ministros do STF Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.
“Estamos vendo uma combinação extremamente negativa, com um ruído político forte, situação fiscal se deteriorando de forma rápida, cenário inflacionário e o custo de capital subindo”, explica o presidente da corretora BGC, Ermínio Lucci.
Para o sócio e gestor da gestora JGP, Marcio Correia, o mercado “perdeu a paciência” com a confusão macropolítica. “Ninguém sabe o que vai acontecer com os auxílios que o governo está desenhando para a população, com os precatórios que tiveram as regras alteradas e também com a reforma tributária”, resume. Todos esses fatores tendem a contribuir para um desequilíbrio nas contas do governo. Sinal, para o mercado, de que é hora de pôr o pé no freio.
Novatas em queda
Outro fator que pesa para atrapalhar novas ofertas de ações é o desempenho negativo de muitas empresas que recentemente abriram o capital. “O mercado está mais desafiador para novas ofertas de ações, principalmente para as pequenas e emissões menores, dado o que estamos vendo no cenário interno e externo”, diz Lucci.
A rede médica especializada no tratamento de câncer Oncoclínicas, que estreou na B3 há um pouco mais de uma semana, já acumula queda de 18%, enquanto o brechó online Enjoei, que abriu capital o fim do ano passado, perdeu 40% de valor desde então. O Mosaico, dono do site Buscapé, já caiu 44% desde seu primeiro pregão. As empresas do setor de tecnologia estão sendo mais afetadas com os investidores preferindo retornar para nomes de empresas mais maduras neste momento de mau humor.
A visão negativa é corroborada pelo analista-chefe da casa de análise Eleven Financial, Raphael Figueiredo, já que a queda nos preços das empresas que recém chegaram à B3 eleva a pressão sobre as candidatas a novas emissões. “Começa a existir uma competição por essa liquidez do mercado, e fica mais difícil lançar as ofertas.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fernanda Guimarães. Colaborou Cynthia Decloedt
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