Temores de deterioração das contas públicas na esteira da ameaça de uma onda populista do governo Jair Bolsonaro, em meio ao debate sobre o pagamento de precatórios e o reajuste do Bolsa Família, pautaram os negócios no mercado de câmbio no pregão desta terça-feira, 3, em mais um dia de muita volatilidade.
Depois do alívio ontem, quando o dólar caiu 0,86% devolvendo parte da alta de 2,57% na sexta-feira, a moeda americana voltou a subir com força por aqui, operando a maior parte do pregão acima de R$ 5,20 e registrando, no início da tarde, máxima de R$ 5,2746.
Ao longo do período vespertino, com a virada do Ibovespa para o campo positivo, acompanhando as bolsas em Nova York, e declarações do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), as pressões sobre o real diminuíram um pouco.
Lira negou que haja conversas em torno do aumento do Bolsa Família para R$ 400 na PEC dos precatórios e refutou a possibilidade de rompimento do teto dos gastos. “O Bolsa família virá por MP própria, dentro do Orçamento e do teto, com valor médio de R$ 300”, afirmou, assegurando que não há possibilidade, no que depender da vontade do Legislativo, de estourar o teto.
Ainda assim, o dólar à vista fechou em alta firme (+0,53%), negociado a R$ 5,1927. A volatilidade foi, uma vez mais, extremada, com oscilação de quase 10 centavos entre a mínima e a máxima. Na B3, o dólar futuro para setembro apresentou giro forte, de mais de US$ 18 bilhões, o que pode sugerir ajuste expressivo de posições.
Lá fora, o índice DXY – que mede a variação da moeda americana ante seis divisas fortes – operava perto da estabilidade, na casa dos 92,000 pontos. Em relação a emergentes, o comportamento do dólar era misto, com alta frente ao peso colombiano e a lira turca, mas queda ante o rand sul-africano e o peso mexicano.
Para head de câmbio da Acqua-Vero Investimentos, Alexandre Netto, o encaminhamento da questão dos precatórios e o desejo de aumento do Bolsa Família passam a sensação de um governo “displicente” com a questão fiscal. E o risco de deterioração das contas públicas deve aumentar cada vez mais, à medida que se aproximam as eleições de 2022. “Bolsonaro parece disposto a sacrificar o fiscal se for para garantir a sua reeleição, enquanto Lula já disse que vai acabar com o teto de gastos. Isso tudo pressiona a moeda”, diz Netto.
Pela manhã, o ministro Paulo Guedes afirmou que o valor do pagamento de precatórios em 2022 chega a R$ 90 bilhões, o equivalente a 93% das despesas discricionárias. Para aliviar as contas, o governo quer emplacar uma PEC que permita o parcelamento de parte dos precatórios em até 10 anos. Guedes negou que haja calote, mas usou a expressão popular clássica dos inadimplentes: “Devo, não nego; pagarei assim que puder”. Ao falar da questão, o ministro acrescentou que acha que não será preciso “nem mexer no teto de gastos”.
O diretor da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, afirma que os “sinais internos sugerem que a cena política fará os fundamentos econômicos sucumbirem”, o que aumenta a volatilidade e impede que a taxa de câmbio vá para um nível compatível com a alta do juros internos. “Dentro de ambiente de normalidade, o preço do dólar tenderia a R$ 5 ou até menos, caso os investidores estrangeiros, em especial especulativos ancorados em operações de “carry trade”, retornassem ao País em volume considerável”, escreve Nehme, em relatório.
A expectativa predominante no mercado é a de que o Copom acelere o passo e anuncie amanhã uma alta da taxa Selic em 1 ponto porcentual, para 5,25% ao ano. Boa parte dos economistas já acredita em Selic na casa de 8% no fim do ano, em razão do aumento das pressões inflacionárias.
Na visão do economista-chefe Instituto Internacional de Finanças (IFF), Robin Brooks, não há banco central de país emergente que sobe os juros de forma tão proativa quanto o brasileiro. “Nós esperamos 7,5% no fim de 2021. Um ciclo de alta como nenhum outro atualmente, que vai beneficiar o real”, afirma Brooks, no Twitter.
Para Netto, da Acqua-Vero Investimentos, o ciclo de aperto monetário já está incorporado às expectativas e não deve abrir espaço para uma rodada de apreciação do real. Netto vê um dólar forte nos próximos meses com a aproximação do debate eleitoral e a possibilidade crescente de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anuncie o início da redução de estímulos monetários.
Por Antonio Perez
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