O sócio da consultoria RK Partners, Ricardo Knoepfelmacher, responsável pelas principais reestruturações de empresas no Brasil, não vê uma enxurrada de recuperação judicial por causa da pandemia. Mas ele alerta para problemas que podem surgir com o grande número de IPOs (ofertas públicas de ações) que vem ocorrendo na Bolsa. “Vemos que a qualidade dos IPOs caiu muito no Brasil”, avalia.
Para ele, as empresas que hoje precisam de liquidez estão entre pedir recuperação judicial e fazer uma captação via oferta pública de ações. “Como o mercado está demandando bastante, ela conta uma narrativa fraca sobre o seu futuro, consegue captar e resolve o problema no curto prazo. Mas, em dois ou três anos, com a frustração dos planos de negócios, elas terão de se reestruturar.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Havia uma expectativa de que a pandemia jogaria várias empresas na recuperação judicial. Isso vai ocorrer?
Nunca achei que fosse haver uma explosão de casos. Primeiro porque a recuperação judicial é um remédio muito amargo e caro. Só está disponível para empresas médias e grandes. Além dos advogados, em geral o processo exige um assessor financeiro e um administrador judicial. O País tem cerca de 11 milhões de pequenas e médias empresas e nenhuma delas pediu recuperação judicial. O número de recuperação até diminuiu. Outro fator é que banco detesta processo judicial. Então, quando eles começaram a ver que muita gente teria dificuldade de pagar os empréstimos, decidiram renegociar as dívidas. O que aconteceu é que todos os bancos concederam mais prazos e reduziram a taxa de juros. Eles se anteciparam e impediram um tsunami de inadimplência.
Mas haverá necessidade de renegociar dívidas?
As renegociações bilaterais já estão ocorrendo e vão continuar. Quem tinha empréstimo vencendo em março e junho do ano passado prorrogou por um ano e isso está vencendo agora, mas a pandemia não foi embora. Então vemos um movimento dos bancos para nova prorrogação. Os bancos estão bem provisionados. O lucro continua robusto e não vejo um problema sistêmico.
O sr. vê apetite do investidor estrangeiro por ativos brasileiros com o atual cenário político?
O estrangeiro está com medo do Brasil. Ele não quer colocar dinheiro num País que não sabe administrar a pandemia e que tem uma turbulência no cenário político muito pouco normal nesses últimos anos de democracia. Por outro lado o investidor nacional está buscando rentabilidade. Ele quer correr mais risco. Enquanto a taxa Selic está em 3,5% ao ano, a taxa real de juros é negativa. Aí entram no mercado de ações. O Brasil é um País muito paradoxal.
Por quê?
Muitas empresas conseguiram fazer IPO (oferta pública de ações) e captar dinheiro num momento de turbulência política e no auge da pandemia. A principal razão disso ocorrer é que o Brasil é um país de rentista. Ou seja, as pessoas colocavam dinheiro na renda fixa, pois a taxa de juros era alta e não precisava de muito esforço. Como a taxa caiu bastante, as pessoas ficaram sem saber onde colocar o dinheiro. Por isso, houve uma enxurrada de pessoas físicas no mercado de ações. Está havendo um frenesi, uma bolha de empresas conseguindo abrir capital. Muitas dessas empresas – médias e grandes – estão entre pedir recuperação judicial e fazer o IPO. Então, é claro, que em dois ou três anos com a frustração dos planos de negócios, essas empresas não vão se sustentar.
Por que isso está ocorrendo?
Às vezes uma empresa está precisando de R$ 500 milhões, por exemplo. Aí ela está entre entrar em recuperação judicial para não pagar os fornecedores e bancos ou fazer uma captação via oferta pública de ações. Como o mercado está demandando bastante, ela conta uma narrativa fraca sobre o seu futuro, consegue captar e resolve o problema no curto prazo. Por isso que digo que é paradoxal. E temos várias empresas nesse caso. Isso é um problema que ninguém está percebendo agora. Mas, como olhamos muito os prospectos dessas operações, vemos que a qualidade do IPO caiu muito.
Há uma bolha?
As empresas estão captando dinheiro e o preço das ações vai despencar. Vou fazer uma analogia: quando no Brasil havia uma bolha do setor imobiliária, tivemos 15 empresas que foram ao mercado de capital. Essas empresas conseguiram captar. Dessas, 12 empresas valiam menos de 5% da emissão de ações dois anos depois. O investidor perdeu quase todo o seu dinheiro naquele momento com empresas grandes e conhecidas. O maior prejudicado foi o investidor porque a forma como essas empresas se financiaram foi primariamente no mercado de ações. As empresas não conseguiram gerar o Ebtida programado e todas tinham algum tipo de dívida corporativa. Basicamente todo o dinheiro que era gerado na operação foi para pagar a dívida. No fim, o valor das ações despencou. Acho que isso vai ocorrer em alguns setores agora.
Esse cenário é para quando?
Acho que, em 70% dos casos, o problema que será mais afetado é o valor da ação. O investidor vai perder dinheiro, mas a empresa não vai quebrar. Mas tem um pedaço relevante, em que as empresas tem um grau de alavancagem, que pode ter problemas se não conseguir pagar a dívida. Nesses casos, pode ter aumento de reestruturação.
A pandemia reforçou algumas agendas dentro das empresas, como o ESG. Qual o impacto financeiro para as empresas?
Acredito que a Lava Jato deixou um legado, que é fazer a coisa certa mais por medo do que por convicção. Na Europa e Estados Unidos, há uma legislação forte contra lavagem de dinheiro. Na questão social e de meio ambiente, todas as empresas estão querendo usar esse jargão e dizer que se adaptaram, mas na prática poucas de fato estão fazendo. Elas estão se esforçando, mas não sabem direito como fazer. Neste momento, a agenda ESG só está aumentando o custo das empresas. Mas é uma curva de aprendizado que o mundo inteiro está tendo ao mesmo tempo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Renée Pereira
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