A Receita Federal avalia propor alterações nas regras de tributação que incidem sobre as multinacionais brasileiras, a chamada TBU (Tributação sobre Bases Universais). A medida é uma forma de destravar, no Congresso Nacional, a tramitação da medida provisória que fixou uma tributação mínima de 15% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre essas empresas.
“Novamente o governo tenta aumentar a arrecadação por medida provisória, sem discutir com o Congresso e com os setores. Não admitimos isso”, afirma Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo.
A MP foi baixada às vésperas do primeiro turno das eleições municipais, em 3 de outubro, quando os políticos estavam fora de Brasília. O governo alega que enviou uma MP para garantir a tributação já em 2025, uma vez que pela regra da anterioridade, uma nova tributação só pode começar a valer no ano seguinte à sua aprovação legal.
Pelo lado das empresas, a mobilização contrária é liderada pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), que reúne as maiores companhias do País, muitas delas multinacionais, como BRF, Gerdau e Ambev.
A queixa é de que a equipe econômica apresentou uma norma que tira a potência de redutores tributários, como os Juros sobre Capital Próprio (JCP), e incentivos para empresas situadas na Região Norte (Sudam) e Nordeste (Sudene), sem mexer na estrutura da tributação sobre a renda de pessoa jurídica. Como consequência, as empresas pagarão mais impostos.
As empresas querem que a Receita pelo menos baixe para 15% a tributação sobre lucros no exterior, a fim de criar um alinhamento com as alíquotas internacionais. O argumento é que o governo escolheu seguir apenas o que lhe convém nas convenções internacionais sobre a tributação das empresas, e que deveria discutir de forma mais ampla, sob pena de punir principalmente as multinacionais brasileiras.
O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirma que a Receita trabalha na reformulação da tributação das multinacionais, mas que não houve tempo para apresentá-la. Ele participou de reunião na Frente Parlamentar do Empreendedorismo nesta terça-feira, 29.
Segundo ele, o governo deverá propor, até o fim deste ano a prrogação dos redutores que incidem sobre a tributação das multinacionais e que reduzem em nove pontos percentuais a taxação – em vez de 34%, a cobranaça cai para 25%.
Passarinho afirma que o sinal é positivo mas reivindica que o governo enviei a reformulação de toda TBU durante a tramitação da MP.
“O governo não pode começar a tributar imediatamente e deixar a solução do problema para o ano que vem”, afirmou.
O que diz a MP que afeta as multinacionais
O governo baixou a MP alegando que se trata de uma medida é neutra, ou seja, não aumentará a carga tributária e que a iniciativa segue parâmetros do chamado pilar 2 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que visa a desestimular a guerra tributária entre os países fixando como mínimo uma tributação global de 15%.
Grandes empresas têm deslocado suas sedes atrás de países que não recolhem impostos ou que têm a tributação reduzida. A diretriz da OCDE tenta frear este movimento.
A União Europeia e o Japão já aderiram à regra, mas EUA e China, as maiores economias do mundo, não. A partir de 2027, caso esses países tributem com alíquota inferior a 20% as suas empresas, as controladas delas no exterior poderão ser tributadas pelos países que adotam a regra da OCDE em 15%.
A FPE e a Abrasca argumentam que a medida vai sobretaxar de imediato multinacionais americanas e chinesas e a maior parte das instaladas no Brasil (sete em cada dez multinacionais), pois seus países-sede ainda não aderiram à norma da OCDE e talvez nem o façam.
Para as multinacionais brasileiras, a questão é ainda pior. A Receita Federal do Brasil não aceita que a tributação sobre lucros no exterior seja abatida no País e muitas são bitributadas quando internalizam seus ganhos no Brasil a uma alíquota que somando Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e CSLL pode chegar a 34%.
Essas empresas, no entanto, obtêm alíquotas efetivas mais baixas em razão de atenuadores tributários, que vencerão em 31 de dezembro. Somados a outros atenuadores que incidem sobre a operação interna, como JCP e incentivos regionais, a tributação de fato cai para algo perto de 25%, segundo a PwC, que assessora a Abrasca na contenda.
Dessa forma, fixar uma tributação de 15% nas operações internas sem permitir que sejam descontados da base de cálculo estes benefícios nem mexer na tributação que incide sobre a parcela do lucro no exterior fará com que as empresas paguem até 9,4 pontos porcentuais a mais em impostos do que o mínimo global de 15%.
Um indício de que haverá aumento da tributação é que o próprio governo estima que pode arrecadar R$ 8 bilhões com a medida. O número é considerado conservador pela PwC e pode ser ainda maior.
Por que a tributação das empresas entrou no radar
A tributação do lucro das empresas é parte da discussão da reforma da renda porque, atualmente, o Brasil não tributa lucros e dividendos de seus acionistas.
O governo vem defendendo taxar a renda dos sócios e, em contrapartida, reduzir a tributação sobre as empresas, com o argumento de que isso vai melhorar a competitividade das companhias.
Neste sentido, Passarinho acredita que o governo, ao editar a MP, antecipou um tema que deveria ser debatido no âmbito da segunda etapa da reforma tributária e que a iniciativa é meramente arrecadatória. Eles apostam que o discurso pode inflamar a bancada de partidos de centro-direita e do centrão, majoritária no Parlamento, contra a medida da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Ele se queixa ainda de que o texto da norma, na medida provisória, prevê que a regulamentação seja toda feita pela Receita por meio de instruções normativas em 150 artigos.
“Assuntos tributarios não podem ficar para regulamentação, não podem ficar à mercê do governante de plantão”, afirmou.
Por Mariana Carneiro
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