O Ministério Público Federal acionou a Justiça para que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) inclua campos para identificação de “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos questionários do Censo 2022 e em futuras pesquisas. A Procuradoria argumenta que o fato de não haver um perfil social, geográfico, econômico e cultural da comunidade LGBTQIA+ no Brasil resulta em um verdadeiro empecilho para a formulação de políticas públicas focadas nas necessidades de tal população.
“O censo demográfico do IBGE ignora totalmente a identidade de gênero e a orientação sexual em seus questionários. Trata-se de uma verdadeira limitação em sua metodologia censitária, que, além de excluir importante parte da população brasileira do retrato real que deve ser demonstrado pela pesquisa, também restringe o alcance das políticas públicas que efetivam os seus direitos fundamentais”, sustenta o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Lucas Costa Almeida Dias no documento.
A ação foi apresentada ao juízo da 2ª Vara Federal em Rio Branco após representação do Centro de Atendimento à Vítima (CAV) do Ministério Público do Estado do Acre.
Em nota, o IBGE afirmou que vai divulgar, no dia 25 de maio, indicadores referentes à orientação sexual autodeclarada, que serão inseridos na Pesquisa Nacional de Saúde. O órgão sustenta que o censo não é a pesquisa adequada para sondagem ou investigação de identidade de gênero e orientação sexual. Nessa linha, aponta que em razão da importância do tema desenvolveu questão específica sobre a orientação sexual na PNS. “Ao realizar essa divulgação, o IBGE visa dar uma primeira contribuição com estimativas da população LGB (Lésbicas, Gays e Bissexuais), em processo de avaliação de possíveis melhorias em futuras investigações”, ponderou o órgão. A nota não faz menção à pergunta sobre identidade de gênero.
A ação ajuizada pela Procuradoria contra o instituto classifica como crucial que o censo capte o máximo da diversidade da população: “Sem esse conhecimento, subpopulações importantes tornam-se invisíveis e iniciativas para coletar dados representativos são severamente limitadas, senão inviabilizadas, como é o caso atual da população LGBTQIA+”.
Nessa linha, o órgão explica como dados oriundos do censo são essenciais para que as políticas possam ser projetadas eficazmente a áreas deficitárias. O Ministério Público Federal frisa que a população LGBTQIA+ enfrenta vários encargos pessoais e sociais relacionados à saúde física e mental, altas taxas de suicídio, disfunções familiares, discriminação, falta de moradia e emprego, marginalização e barreiras ao acesso a serviços públicos que demandam apoio governamental direcionado.
A ação destaca que o Brasil é o País onde mais ocorreram relatos de violência contra a população LGBTQIA+ pelo 13º ano consecutivo. Além disso, o documento cita estudo realizado pela ONG TODX sobre violências contra a comunidade nos anos de 2018 e 2019 que revelou uma realidade assustadora sobre o volume de subnotificações nos casos de LGBTfobia.
A Procuradoria da República chegou a abrir um inquérito civil sobre a falta de perguntas, no questionário do Censo, sobre comunidade LGBTQIA+. Na ação, o Ministério Público Federal rebate alguns dos argumentos apresentados em nota pelo IBGE após a notícia de instauração da apuração.
Um dos pontos citados pela Procuradoria é a alegação do Instituto de que a investigação de gênero seria considerada quesito sensível e poderia impactar na coleta de todas as demais informações coletadas. O Ministério Público Federal sustenta que o tratamento de dados sensíveis não é novidade no questionário do IBGE, indicando que o quesito sobre cor e raça também faz parte desse grupo e suscita dúvidas na população.
O MPF também rebateu argumento de que a Justiça Federal negou, em 2019, uma ação que pedia a inclusão, no censo 2020, de pergunta visando a contagem da população transexual. A Procuradoria ressalta que, na ocasião, foi acolhido o argumento do IBGE de que o pleito era inédito no mundo e que apenas Grã-Bretanha e Austrália começaram a desenvolver pesquisas para incluir questões exclusivamente sobre orientação sexual em seus censos.
Agora, a ação diz apresentar metodologia censitária adequada para incluir questões sobre orientação sexual e identidade de gênero no Censo 2022, conforme já realizado pela Inglaterra, País de Gales, Escócia, Canadá e Nova Zelândia. “Se antes não havia metodologia adequada, nem questionários semelhantes em outros países, hoje não faltam referências internacionais sobre como incluir sexualidade e gênero no censo demográfico”, diz o documento.
COM A PALAVRA, O IBGE
O IBGE vai divulgar no dia 25 de maio de 2022 indicadores referentes à orientação sexual autodeclarada. Esses indicadores foram levantados no Módulo Atividade Sexual inserido na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2019, em parceria com o Ministério da Saúde.
A PNS abarca temas relacionados à saúde da população e aos impactos nos serviços de saúde do País. Sua primeira edição aconteceu em 2013, e a segunda em 2019. Nessa mais recente, novos temas foram introduzidos, entre eles, a pergunta sobre orientação sexual das pessoas com idade igual ou superior a 18 anos.
A coleta dessa informação na PNS atende ao eixo 2 da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT), instituída pela Portaria nº 2.836 de 1º de dezembro de 2011. A Portaria se refere às ações de promoção e vigilância em saúde para a população LGBT, que tratam do aperfeiçoamento de instrumentos de vigilância em saúde, com a inclusão de quesitos de orientação sexual e identidade de gênero, bem como a qualificação das informações em saúde, desde a coleta até a análise dos dados.
A investigação se faz necessária tanto para a elaboração de políticas públicas voltadas para essa população quanto para o monitoramento de potenciais desigualdades de aspectos sociais e de saúde, segundo as diferentes orientações sexuais, e, por fim, para a construção do conhecimento científico relacionado ao tema. Ao realizar essa divulgação, o IBGE visa dar uma primeira contribuição com estimativas da população LGB (Lésbicas, Gays e Bissexuais), em processo de avaliação de possíveis melhorias em futuras investigações.
Esses esclarecimentos se prestam para frisar que o Censo Demográfico, de 10 em 10 anos, não é a pesquisa adequada para sondagem ou investigação de identidade de gênero e orientação sexual. A metodologia de captação das informações do Censo permite que um morador possa responder por ele e pelos demais residentes do domicílio. Pelo caráter sensível e privado da informação, as perguntas sobre a orientação sexual de um determinado morador só podem ser respondidas por ele mesmo.
Cabe esclarecer, ainda, que a Defensoria Pública da União, por meio da Ação Civil Pública nº 5019543-02.2018.4.02.5101, também solicitou a contagem da população transexual através do Censo 2020 (adiado para 2021 e, posteriormente, para este ano de 2022, por causa da pandemia de Covid-19 e por falta de recursos, respectivamente). Tal pedido foi considerado “improcedente” nos dois graus de jurisdição, vindo a ocorrer o trânsito em julgado. A Justiça acatou plenamente os argumentos do IBGE.
O IBGE entende a importância do tema e, por isso, desenvolveu na PNS questão específica sobre a orientação sexual – a ser divulgada em 25 de maio deste ano.
Por Pepita Ortega
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