Por Evandro Buccini, sócio e diretor de Renda Fixa e Multimercado da Rio Bravo Investimentos
O aumento da volatilidade nos mercados de ações, a piora das perspectivas de crescimento nos próximos meses e o aumento das taxas de juros aumentaram a demanda por títulos de crédito pelos investidores. De acordo com o boletim de mercado de capitais da Anbima, a emissão doméstica de instrumentos de renda fixa (debentures, notas promissórias, letras financeiras, CRA, CRI e FIDCs) passou de R$ 212 bilhões em 2020 para R$ 418 bilhões em 2021, quase dobrando. O foco deste artigo são os CRIs, certificados de recebíveis imobiliários, cuja emissão cresceu 120% em 2021, totalizando R$ 34 bilhões.
Mais complexos do que as debentures, os CRIs são dívidas estruturadas cujos recursos são obrigatoriamente usados para financiar empreendimentos imobiliários. As emissões dos títulos são feitas por uma Securitizadora com lastro em financiamentos residenciais ou comerciais, contratos de aluguéis ou até mesmo debentures. Esse processo, chamado securitização, dá origem ao principal documento da operação, o Termo de Securitização que lista toda a governança de pagamentos, assembleias e garantias. Normalmente é criado um patrimônio separado para tirar eventuais créditos da empresa tomadora e para garantir que estejam apartados da Securitizadora, que não pode utilizá-los para outra finalidade e para que não sejam atingidos por ações contra ela.
O forte crescimento do interesse nos CRIs pode ser explicado pela isenção de imposto de renda nos juros e ganhos de capital auferidos na venda dos papeis e pela robustez da maior parte das operações, que, além da segurança do regime fiduciário, também tem um rol de garantias atreladas em caso de não pagamento da dívida. São três tipos de garantias mais comuns: (i) fundos de reserva/liquidez em que um montante fica reservado em caixa para cobrir eventuais insuficiências no pagamento de juros; (ii) garantia real como hipoteca e alienação fiduciária, em que um imóvel é dado em garantia e (iii) aval ou fiança de pessoas físicas e jurídicas. Uma forma muito comum de se medir o volume de garantias é a razão entre o valor do empréstimo e o valor da garantia, chamado de LTV, sigla em inglês para loan to value. Um LTV de 100% indica que a garantia tem o mesmo valor do que foi emprestado. Além do valor é importante avaliar a qualidade e a liquidez da garantia.
A maior parte das emissões é endereçada exclusivamente a investidores profissionais, definidos pela CVM como aqueles com investimentos superiores a R$ 10 milhões. Para a maioria dos investidores, o acesso aos CRIs é por meio dos fundos de investimento imobiliários (FIIs). Eles são um excelente meio para qualquer investidor alocar a partir de R$ 100 ou menos em fundos que compram dezenas de CRIs, pulverizando o risco de crédito. Os FIIs têm isenção de imposto de renda nos rendimentos e são mais líquidos para negociação no mercado secundário.
Uma parte relevante dos FIIs pode então ser considerada de renda fixa, apesar de suas cotas negociadas no mercado secundário sofrerem a volatilidade comum a esse tipo de ativo. A atual crise do COVID é um exemplo de que os FIIs devem ser divididos entre os que focam em comprar participações em propriedades e aqueles que compram CRIs (simplificando e ignorando os fundos de FIIs, que compram cotas de outros FIIs). Entre o início de fevereiro e o pior dia para os preços de cotas de FIIs, dia 23 de março, os fundos de tijolo caíram 33% e os fundos de papel caíram 23%, utilizando dados dos índices da Teva[1]. Além de menor queda, os FIIs de CRI recuperaram sua cotação em novembro, fruto de combinação entre preço e rendimento, enquanto os fundos de tijolo ainda não retornaram ao preço anterior, mesmo considerando os rendimentos distribuídos.
Esse comportamento dos FIIs ilustra a diferença de risco entre renda variável e renda fixa, foco das colunas deste espaço. A renda fixa é assim chamada pois seus fluxos de pagamento são previsíveis e tem prioridade de pagamento em relação à remuneração do acionista. No caso dos imóveis, a eventual vacância ou redução no valor do aluguel não deveria impactar profundamente os fluxos para o credor, mas atinge diretamente o proprietário. A crise atual foi um exemplo claro da importância da renda fixa na carteira dos investidores e da resiliência dos instrumentos de crédito disponíveis no Brasil, em especial no setor imobiliário, um dos mais afetados.
[1] Disponíveis em https://www.tevaindices.com.br/
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