Classificado como o projeto mais transformador da infraestrutura de transportes atualmente, o novo Marco Legal das Ferrovias teve o texto-base aprovado pela Câmara dos Deputados nesta segunda-feira (13), por votação simbólica e sob oposição de partidos de esquerda. O avanço da matéria dá segurança a potenciais projetos ferroviários que envolvem R$ 150 bilhões de investimentos privados.
Os deputados analisarão em outra sessão as sugestões de mudança no texto (destaques). Se alguma alteração for aprovada, a matéria precisará voltar para a análise dos senadores. Do contrário, poderá seguir para sanção presidencial.
A principal novidade do marco legal é liberar um novo regime ferroviário no País, chamado de autorização. Nele, novos traçados são construídos exclusivamente pelo interesse da iniciativa privada, sem licitação. Muito comum em países como Estados Unidos e Canadá, o modelo nasce para atender demandas específicas de transporte de cargas, identificadas pelos próprios produtores e empresas. Com fardo regulatório mais leve, esse regime é baseado nos princípios da livre concorrência e da liberdade de preços – ou seja, sem intervenção do poder público na definição das tarifas de transporte.
Com isso, o novo sistema permitirá que, depois de mais de 100 anos, o Brasil volte a ter ferrovias privadas. As regras eram discutidas pelo Senado desde 2018, mas só foram votadas pela Casa em outubro. Os trâmites de votação foram acelerados após o governo Bolsonaro editar uma medida provisória com conteúdo similar ao do projeto, e que liberou o novo regime. Como o movimento do Planalto irritou os senadores, um acordo prevê que o Congresso deixe a MP perder a validade após seu prazo de 120 dias, o que acontece em fevereiro. O que valerá é o texto do Legislativo, que agora segue para a sanção.
Desde que o governo editou a MP, em agosto, empresas já manifestaram interesse em construir pelo menos 36 novas ferrovias. São projetos que totalizam R$ 150 bilhões de investimentos privados, em 11.142 quilômetros de trilhos que cortam 14 unidades da Federação. Nove desses traçados já foram autorizados pelo governo federal, que assinou os primeiros contratos de ferrovias privadas, envolvendo mais de R$ 50 bilhões, na última quinta-feira (9).
O modelo de concessão ferroviária – que viabilizou as operações atuais – continuará existindo e é importante, por exemplo, para grandes projetos que envolvem mais de uma carga (de minério e grãos, por exemplo) e cujo traçado corta mais de um Estado. Nesses casos, há um interesse de política ferroviária por parte do Estado, fazendo com que o esquema de concessão – com regras mais rígidas, mas também com compartilhamento de riscos com o poder público (União) – seja mais interessante.
Na Câmara, o texto foi relatado pelo deputado Zé Vitor (PL-MG), que apresentou um parecer sem alterar a proposta aprovada pelo Senado, onde a relatoria foi do senador Jean Paul Prates (PT-RN).
Migração
O marco também prevê situações em que as atuais concessionárias poderão migrar para o novo modelo de operação. As empresas que administram concessões hoje poderão pedir ao governo a adaptação do contrato para o regime de autorização, primeiramente, quando um traçado liberado por esse novo modelo entrar em operação e gerar concorrência no mercado.
Há uma segunda possibilidade. Nela, a migração poderá acontecer quando a concessionária (ou integrante do mesmo grupo econômico) expandir a extensão ou a capacidade da ferrovia que opera, para atender o mesmo mercado, em pelo menos 50%. Na prática, a empresa esticará via autorização a malha que já administra, passando a operar ambos os trechos sob o novo modelo.
Outro destaque do projeto é relativo a ferrovias abandonadas ou subutilizadas. O texto autoriza o governo a promover um chamamento público para saber se há algum investidor interessado em obter autorização para explorar trechos ferroviários não implantados, ociosos ou em processo de devolução ou desativação. A estimativa da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut) é de que existam 18 mil km de trechos abandonados ou subutilizados.
Veja os principais pontos do novo Marco Legal das Ferrovias:
Modelos de operação
Como é: De domínio público, as ferrovias hoje são operadas por parceiros privados por regimes de concessão ou permissão, e ambos envolvem processo de licitação.
Como fica: O regime de concessões é mantido, mas o formato de autorização entra em cena também. Com ele, não há licitação porque a ferrovia é privada, construída a partir do interesse do privado.
Regulação
Como é: Nas concessões, a regulação do setor está concentrada em órgãos ligados ao poder concedente.
Como fica: A agência reguladora continuará com o mesmo papel, mas também existirá a figura do “autorregulador ferroviário”. Já nas autorizações, não há intervenção na definição de tarifas, por exemplo.
Trechos abandonados
Como é:Não há política ou regra específica para recuperação de trechos abandonados ou subutilizados.
Como fica: Governo poderá fazer um chamamento para saber se há investidor
interessado em explorar trechos ferroviários ociosos.
Confira a relação de todos os requerimentos apresentados até aqui:
Petrocity: São Mateus/ES – Ipatinga/MG: 410 km de extensão
VLI: Lucas do Rio Verde/MT – Água Boa/MT: 557 km de extensão
VLI: Uberlândia/MG – Chaveslândia/MG: 235 km de extensão
VLI: Porto Franco – Balsas/MA: 230 km de extensão
VLI: Cubatão/SP-Santos/SP: 8 km de extensão
Ferroeste: Maracaju/MS – Dourados/MS: 76 km de extensão
Ferroeste: Guarapuava/PR – Paranaguá/PR: 405,2 km de extensão
Ferroeste: Cascavel/PR – Foz do Iguaçu/PR: 166 km de extensão
Ferroeste: Cascavel/PR a Chapecó /SC: 286 km de extensão
Grão Pará: Alcântara/MA – Açailândia/MA: 520 km de extensão
Planalto Piauí Participações: Suape/PE – Curral Novo/PI: 717 km de extensão
Fazenda Campo Grande: Terminal Intermodal em Santo André/SP: 7 km de extensão
Macro Desenvolvimento Ltda.: Presidente Kennedy/ES – Conceição do Mato Dentro/MG -Sete Lagoas/MG: 610 km de extensão
Petrocity: Barra de São Francisco/ES – Brasília (DF): 1.108 km de extensão
Rumo: Santos – Cubatão – Guarujá/SP – 37 km
Rumo: Água Boa – Lucas do Rio Verde/MT: 508 km de extensão
Rumo: Uberlândia/MG – Chaveslândia/MG: 276,5 km de extensão
Bracell: Lençóis Paulistas (SP): 4,29 km de extensão
Bracell: Lençóis Paulistas-Pederneiras (SP): 19,5 km de extensão
Morro do Pilar Minerais S.A: Colatina – Linhares (ES): 100 km de extensão
Brazil Iron Mineração Ltda: Abaíra – Brumado/BA – Fiol – FCA: 120 km de extensão
Petrocity: Campos Verdes/GO – Unaí/MG: 530 km de extensão
Minerva: Açailândia/MA – Barcarena/PA: 571,3 km de extensão
Eldorado Brasil Celulose S.A.: Três Lagoas/MS – Aparecida do Taboado/MS: 88,9 km de extensão
Zion Real Estate: Lucas do Rio Verde/MT a Sinop/MT: 153 km de extensão
Macro Desenvolvimento Ltda: Sete Lagoas/MG a Anápolis/GO: 716 km de extensão
Cedro Participações: São Brás do Suaçuí/MG: 4,52 km de extensão
Ultracargo Logística S.A: Porto de Santos/SP: 2,3 km de extensão
3G Empreendimentos e Logística S.A: Barcarena/PA a Santana do Araguaia, com conexão em Rondon do Pará/PA e Açailândia/MA: 1.370 km de extensão
Morro do Pilar S.A: Morro do Pilar/MG a Nova Era/MG: 100 km de extensão
MTC – Multimodal Caravelas: EF Bahia/Minas – Caravelas/BA a Araçuaí/MG, com ramal até Teixeira de Freitas/BA e Mucuri/BA: 491 km de extensão
MRS: Três Lagoas/MS a Panorama/SP: 100 km de extensão
MRS: Unaí a Pirapora/MG: 302 km de extensão
MRS: Varginha a Andrelândia/MG: 143 km de extensão
MRS: Ouro Preto a Conceição do Mato Dentro/MG: 213 km de extensão
MRS: Rio Acima a Belo Horizonte/MG: 42 km de extensão
Por Amanda Pupo e Iander Porcella
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