Os últimos meses de Luiza Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza e símbolo de liderança feminina no País, foram agitados: além de aparecer na lista das cem personalidades mais influentes do mundo da revista americana Time, ela teve o nome incluído como opção de candidata em uma pesquisa eleitoral para as eleições presidenciais de 2022. E isso logo depois de a empresária ter capitaneado, com o grupo Mulheres do Brasil, o projeto Unidos pela Vacina, que ajudou a fechar gargalos que impediam a imunização mais rápida da população brasileira.
Em entrevista ao Estadão, Luiza disse que, ao abraçar projetos e causas que incluem a diversidade racial e de gênero, não é necessário entrar em conflito com ninguém. No entanto, ela não se furta a entrar em searas que são sobretudo tarefas de governo. Além de ter trabalhado no projeto de vacinação, agora quer se debruçar sobre um planejamento de longo prazo, de dez anos, para a economia brasileira em quatro setores: educação, saúde, emprego e habitação.
Questionada, a empresária afirmou que uma candidatura político-partidária está fora de questão – embora tenha evitado usar a expressão “definitivamente descartada”. Isso não quer dizer, porém, que ela esteja fora da política, ainda que provavelmente sua foto não vá aparecer na telinha da urna eletrônica.
“Eu te digo que descarto a ideia de participar de qualquer cargo político para eleição, mas quero deixar claro que eu sou uma (pessoa) política e penso o Brasil. E, com um grupo de quase 100 mil mulheres, vou assumir uma posição política apartidária para defender causas que sejam boas para o Brasil”, disse Luiza. “Sendo boa para o Brasil, não importa o partido.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O Brasil vem atravessando crises políticas e agora também vive um cenário econômico ruim, com inflação em alta e expectativa de crescimento em baixa, tudo isso em meio a uma pandemia. Como é lidar com essa situação?
Como CEO, vivi várias crises, mas nada parecido com a pandemia, que trouxe efeitos emocionais para todos, além da doença. Eu tenho chamado essa nova fase de renascimento. Tem inflação alta em todos os países, e acho que o nosso país precisa lidar com o juro. Porque, quando você aumenta o juro, o consumo diminui. E nós precisamos de renda e crédito. Nesse momento, o que eu tenho pedido é união, não importa o partido. Só juntos a gente pode vencer. O Unidos pela Vacina provou que é possível criar união sem falar mal de ninguém, que basta lutar para dar certo.
Mas a situação da economia preocupa?
Acho que, para o varejo, é um pouco mais fácil. Isso porque o comércio consegue focar no aqui e no agora. Normalmente, o varejo se volta para a venda, cria campanhas, faz tudo para isso trazer novamente (o cliente). E a gente tem sentido que o renascimento tem sido muito positivo. As pessoas querem se encontrar, querem comprar, viajar de novo…
A sra. defendeu a vacinação em massa em um momento em que o Brasil tinha problemas nesse assunto. Qual é a avaliação do Unidos pela Vacina?
Junto com o grupo Mulheres do Brasil e com a união de várias entidades, nós conseguimos estar juntos com o Ministério da Saúde para poder vacinar. Não podemos dizer que (o ministério) não esteve junto. Com ajuda das prefeituras, mais de 2 milhões de produtos foram entregues para cada um desses municípios.
A sra. tem trabalhado muito com o Mulheres do Brasil para trazer mais mulheres para cargos de liderança. Como isso se dará?
O Mulheres do Brasil é um grupo político, suprapartidário, que trabalha por causas boas para o Brasil. Sendo boa para o Brasil, não importa o partido. E uma das causas é a de mais mulheres na política. Criamos a campanha “Pula para 50”, para que 50% de cadeiras estejam com mulheres. Porque a gente acredita que isso vai ajudar muito. O papel da mulher hoje, especialmente após a pandemia, tem destaque muito maior. E a agenda ESG (sigla em inglês para ações ambientais, sociais e de governança) tem ajudado muito no despertar para a necessidade de mais mulheres na liderança de empresas também.
Como assim?
Porque agora chegou no mercado financeiro, é o mercado financeiro que quer. Hoje, nós (do Mulheres do Brasil) somos mais procuradas por empresas que querem ter mais mulheres e mais profissionais negros em seus conselhos. Antes se dizia que não tinha mulher para colocar no conselho, mas a gente indica mulheres para os conselhos das empresas, virou exigência para se fazer IPO (abertura de capital). Com certeza, tudo vai acontecer muito mais rápido. Assim como mudou para as mulheres, mudou também para os negros. A gente vê mais empresas discutindo a inclusão de profissionais negros em altos cargos. E a gente tem de acelerar mais.
No ano passado, o Magazine Luiza lançou um trainee só para profissionais negros. A controvérsia foi surpreendente?
Se vocês pegarem um documentário de 20 minutos no YouTube do Magazine Luiza, não tem uma pessoa que não se emocione. O trainee exclusivo para negros foi uma ideia do Frederico (Trajano, filho de Luiza e atual presidente do Magalu). Valeu a pena as 72 horas de muita paulada que a gente levou logo que lançamos o programa. Ouvimos coisas que jamais imaginávamos.
Então, em algum momento, há de se enfrentar a repercussão negativa?
O Frederico foi firme e disse que iria continuar, não abriria mão. No documentário, a gente mostra que essas pessoas tinham o currículo e a formação, mas estavam desempregadas ou ganhando muito menos do que deveriam.
Com Unidos pela Vacina e o trainee, além do Mulheres do Brasil, a sra. transcende o Magalu. Como essas causas são eleitas e o seu tempo é organizado?
Durmo pouco, e isso já me ajuda. A vida inteira foi assim. E tem duas coisas que eu acho que me ajudam muito: estou sempre por inteira nas coisas, seja dando entrevista, me reunindo com uma equipe ou fazendo ginástica – o que eu detesto. E isso desgasta menos, você não fica naquela ansiedade. Desde sempre, mesmo quando eu tinha a operação do Magazine Luiza na mão, nunca fiquei só na empresa.
É melhor ter mais de um desafio ao mesmo tempo?
Quando você só tem uma coisa e tem dificuldade de entregar, você se sente frustrado. O grupo Mulheres do Brasil existe há oito anos – sempre acreditei que a mudança do País é via sociedade civil organizada. E uma sociedade que pensa o País, e não em votos. Respeito a democracia, os partidos políticos, mas sempre pensei isso.
A redução da desigualdade parece, de forma geral, influenciar as suas causas.
Como venho de uma cidade do interior, convivi mais de perto com a desigualdade. Então, não fui surpreendida pela desigualdade. Eu sou a favor do Bolsa Família (agora rebatizado de Auxílio Brasil). Sei que não é possível sair da pobreza sem isso. Como também sou a favor do emprego – e aí falam que eu sou de esquerda. Quando sou a favor da privatização, sou de direita. A desigualdade social foi escancarada (na pandemia). E não compete julgar as pessoas que não viram isso antes.
A sra. foi citada recentemente na lista de mais influentes da revista Time. O que isso significou?
Nunca imaginei que isso poderia ocorrer. Fiquei meio assustada quando chegou a notícia, uns 15 dias antes (da publicação). Fiquei muito feliz de representar meu País – não sou unanimidade, mas as pessoas sabem da minha coerência. Fiquei muito grata, e isso aumenta a minha responsabilidade.
Qual será seu papel na política do Brasil? Uma candidatura, que é sempre alvo de especulação, está definitivamente descartada?
Tenho por princípio não usar essa palavra (definitivamente). Te digo que está descartado eu participar de qualquer cargo político para eleição, mas quero deixar bem claro que eu sou política e penso no Brasil. E hoje, com um grupo de quase 100 mil mulheres, a gente vai assumir uma posição política apartidária para defender projetos e causas para o Brasil. Vamos fazer um planejamento estratégico de 2022 a 2032 nas áreas de educação, saúde, habitação e emprego.
E qual é o objetivo disso?
É saber que ranking a gente quer ter. Nada pode ser feito sem uma bússola, um rumo. É isso o que o Mulheres do Brasil quer, independentemente de partido. A gente acredita também no “Pula para 50”. Com 100 mil assinaturas, podemos entrar com um projeto no Congresso – e estamos muito perto disso. E outro projeto de que gosto muito é o Ciência na Saúde, que vai reunir a academia em torno do tema no Brasil. O vírus (da covid-19) vai estar sempre aí, e podemos dar uma organizada e uma alavancada (no combate).
A sra. acha que falta planejamento para o País?
Não sei se está faltando, mas sei que não está na mão de todo mundo um planejamento enxuto. Para falar bem de uma coisa, não preciso falar mal de outra. A população, que paga impostos e é dona do Brasil, precisa ter noção (do que o País precisa). Vamos fazer pesquisa, colocar participação popular para entender.
E, assim, sua agenda já está cheia para a próxima década…
Você põe dois carrinhos na pista. Um é o longo prazo, mas tem de fazer aqui e agora para que isso chegue (a um objetivo maior). E a nossa imagem é colocar tudo no mesmo barco, remar na mesma direção. Tem gente boa fazendo muita coisa, mas a sensação é de que as pessoas estão em barcos diferentes, sem se comunicar. Queremos é juntar tudo isso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fernando Scheller
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