É inegável que o mundo global “ao acordar” da fase mais intensa da pandemia está enfrentando uma forte tendência inflacionária de custos, e isto decorre da retomada que representa maior demanda de bens que apresentam escassez no momento e de questões climáticas imponderáveis e imprevisíveis.
Mas, é preciso separar o “joio do trigo” e não permitir se seduzir pelas alegações do governo brasileiro, em especial do Ministério da Economia, de que a “culpa é dos alimentos e da questão hídrica”, pois isto neutraliza as verdadeiras e causas iniciais do impacto na economia brasileira.
Nem tudo que vemos tem causa na pandemia, nem “a priori” na escassez de produtos, aliás teve início quando havia abundância e preços acomodados, o Brasil errou bem antes de forma dantesca em suas políticas monetária e econômica e por não ter feito as correções ao tempo certo, atualmente recebe pressões maiores, podendo mesmo comprometer seriamente as perspectivas para o ano eleitoral de 2022, atropelando as intenções políticas do atual Presidente.
É preciso “retornar” no tempo para verificarmos a evidência dos erros e reconhecer que hoje temos as consequências normais, a despeito do quadro atual da inflação de demanda e escassez de produtos/insumos a nível global.
O governo atual “recebeu” o país sem “punch” interno, então, até corretamente, o Ministro da Economia lançou a campanha do “dólar alto e juro baixo”, com o claro interesse de conclamar o parque industrial e demais setores a acentuar a atividade exportadora, retrair a importação a qual atribuía a derrocada da indústria brasileira com desnacionalização e incentivar o empresariado ao investimento produtivo.
Não demorou muito tempo para que ficasse evidente a percepção de que o “teórico não se confirmava na prática”, as reações não corresponderam ao ideário, e, era o momento de revisão da estratégia, visto que o único setor da acentuar suas transações externas foi o de commodities, que já tinha preços internacionais extremamente aviltados e assim juntou os dois fatores, preço alto e taxa da moeda para conversão elevada e hoje representa 70% da pauta exportadora brasileira, retornando o Brasil colonial, deixando pífios 30% para todos os demais produtos brasileiros, que a rigor, com raríssimas exceções tem baixo valor agregado.
Com o mote mantido do “câmbio alto e juro baixo” foi dado o “start” para a dinamização da inflação no Brasil, o que aconteceu gradualmente enquanto os preços subiam, mas ainda havia fartura de estoques.
O erro estratégico foi persistido, faltou sensibilidade ao Ministério da Economia para revisão do que não estava dando certo, e ao seu subordinado BC/Copom a percepção de que se acentuava o rebote dos preços internacionais agravados pelo câmbio alto local se transformando em inflação que requeria enfrentamento mais incisivo. O governo manteve inalterada a estratégia beneficiando um único setor, o agronegócio, e o BC/Copom usava a metáfora enganosa de que a inflação era “temporária”.
Este é o “x” da questão brasileira, por isso nosso quadro prospectivo no todo é pior que o do mundo global, a pandemia do coronavírus se assentou já num cenário comprometido por erros crassos, posteriormente relegados a plano secundário e, atualmente, ocorre tão somente a consequência dos erros do passado recente.
Agora, até parece um sofisma quando o Ministro da Economia vai ao FMI e diz que “está tudo sob controle na parte fiscal, no déficit etc…”, quando todos sabem que não é bem assim, danos irreparáveis para este governo estão presentes e podem neutralizar projeções para 2022 na medida em que cresce a percepção de que “a situação brasileira” é a pior entre os emergentes e não tem solução fácil mesmo que tardiamente procure reparar os estragos.
Há uma sensação de que não há mais tempo para a reação “causa-efeito” no prazo de 1 ano no mínimo. Vai continuar timidamente elevando a Selic, com baixo efeito reflexivo na curva inflacionária que é forte e consistente e “criada por nossos próprios erros de forma sólida” agora se sustenta do quadro global.
Quadro extremamente preocupante para as perspectivas para 2022, sensação clara de que não há como recuperá-las da tendência negativa, o país deve crescer menos, bem menos do que o esperado, a FBCF está cadente, os investimentos estrangeiros idem, há um estado letárgico predominante que dá suporte ao desemprego e pobreza crescente, há percepção de pouco governo e planos e muita politicagem, reformas não avançam, cultivo de ambiente irritadiço entre os poderes.
As grandes economias passam por ajustes e até algumas crises pontuais, mas todos os “ventos” que poderão advir serão contrários, o Brasil não se ajudou para ser ajudado, não há como se falar em “redução da aversão ao risco” ou coisas semelhantes.
O juro com o IPCA aquecido e o mercado praticando IPCA + 4/5%aa tende a concorrer com a Bovespa em atratividade de rentabilidade e o dólar pode ficar sendo “mascarado” com leilões de swaps pontuais ou impontuais dentro de uma anormalidade que evidencia o grau de desestruturação, mas uma irrealidade.
Enfim, o olhar cético provoca preocupações fundadas, o tempo deverá mostrar com fatos consumados, mas o que o desafio brasileiro é magnânimo e desalentador.
Não há como ancorar projeções mais assertivas, a chance de erro é enorme, ainda há espaço para piorar.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO Corretora de Câmbio
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