Nos últimos anos, uma transformação silenciosa, mas significativa, está chacoalhando o setor público brasileiro, conhecido pela resistência que oferece a tudo o que possa colocar em risco o status quo.
Puxada pela multiplicação das parcerias firmadas com a iniciativa privada e as organizações sociais, em linha com o que ocorreu em outros países, como Inglaterra, Estados Unidos, Irlanda e Chile, a mudança em curso está redesenhando o modelo tradicional de gestão adotado na prestação de serviços públicos, com o objetivo de melhorar os resultados entregues à população.
Embora as oportunidades abertas pelas parcerias ainda sejam relativamente desconhecidas do público e até de muitos governantes no Brasil, especialmente as que não são ligadas à área de infraestrutura, cuja visibilidade é maior, o novo modelo vem ganhando tração e conquistando trincheiras importantes em diferentes áreas da administração – de parques nacionais e urbanos a escolas e creches; de hospitais e prisões a redes de fibra óptica e programas regionais de desenvolvimento.
Segundo um estudo pioneiro sobre o tema, ao qual o Estadão teve acesso, já foram implementadas nada menos que 5.169 parcerias do gênero na esfera da União, nas 27 unidades da Federação (Estados e Distrito Federal) e nas prefeituras das capitais. Intitulado “Mapa da Contratualização dos Serviços Públicos no Brasil”, o estudo compilou as parcerias realizadas nos últimos dez anos, com duração mínima de dois anos, e as organizou por região geográfica, modalidade de contrato e ramos de atividade.
Resultados
Além disso, a pesquisa analisou os resultados alcançados e os pontos fortes e fracos de cinco projetos, um em cada região: o Programa BioPará, destinado à criação e ao fortalecimento dos bionegócios; o Piauí Conectado, voltado para a instalação, operação e manutenção de uma rede pública de fibra óptica (leia mais na pág. B4); o Serviço de Limpeza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos de Campo Grande (MS); o Resíduos Sólidos Urbanos da Região e do Colar Metropolitano de Belo Horizonte (MG), que não chegou a ser executado; e o Relógios Eletrônicos Digitais, cujo objetivo é a instalação, operação e manutenção dos equipamentos, em Porto Alegre (RS). Ficaram fora do levantamento os contratos celebrados na área de infraestrutura, já bem estudada, as parcerias que não envolviam a gestão, as terceirizações de atividades-meio, como vigilância e limpeza, os convênios de governo e os projetos de execução de atividades.
Produzido pela Comunitas, organização sem fins lucrativos que desenvolve parcerias entre o setor público e o privado, e pela Enap (Escola Nacional de Serviço Público), ligada ao governo federal, o estudo será apresentado hoje, às 17h, no 14.º Encontro de Líderes, que terá a participação de empresários, autoridades e pesquisadores e transmissão ao vivo pelo YouTube.
De acordo com Regina Esteves, presidente da Comunitas, a pesquisa deverá ser atualizada e aprofundada anualmente, incorporando informações sobre os custos e os resultados dos programas, que não foram avaliados nesta primeira edição, exceto nos casos destacados pelos pesquisadores.
“Esse mapa é uma grande enciclopédia para os gestores públicos brasileiros buscarem alternativas e soluções para gerenciamento de serviços”, diz o cientista político e consultor Fernando Schüler, que respondeu pela coordenação acadêmica da pesquisa, ao lado do engenheiro e administrador Sandro Cabral, ambos professores do Insper, uma escola de negócios de São Paulo.
Na visão de Schüler, mais do que o número de parcerias, o que o surpreendeu no resultado do estudo foi a diversidade das experiências. Outro ponto que chamou a atenção foi a criatividade dos gestores para cruzar as diferentes legislações, viabilizando modelos híbridos de parcerias. Para ele, o estudo mostrou também que o “preconceito” existente em certos setores da sociedade em relação aos contratos feitos nas áreas de educação e saúde com gestores privados com fins lucrativos está deixando de existir. Um caso emblemático, segundo Schüler, é o do Hospital do Subúrbio, em Salvador, construído e controlado pelo governo baiano, administrado pela iniciativa privada, com funcionários e médicos contratados pelo regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mas com atendimento gratuito pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Entre as vantagens do novo modelo, Regina, da Comunitas, ressalta a geração de métricas de resultados, que permitirão uma comparação objetiva com o modelo tradicional e vão levar eficiência para todo o sistema. “O serviço público precisa ter concorrência de resultado. Quando a gente tem um serviço único, isso não acontece e o cidadão não pode eleger o serviço que vai receber.”
Schüler menciona também como ponto positivo das parcerias a maior agilidade na gestão, inclusive na área de pessoal, por não haver estabilidade no emprego. Em sua avaliação, porém, vários fatores podem dificultar o avanço acelerado do novo modelo, como “a tal da lei da inércia”, a descontinuidade dos programas e o prazo dos contratos, que é de até cinco anos nos “termos de colaboração e de fomento”, enquanto nas concessões e parcerias público-privadas (PPPs) chega a 35 anos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por José Fucs
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