Thiago Maffra assumiu o comando da XP em maio, após dirigir a área de tecnologia por dois anos e nove meses e comandar a transformação digital da empresa. Para o executivo, a maioria das companhias tem desperdiçado o potencial de suas equipes de tecnologia ao realizar uma transformação incompleta e deixar de lado a parte mais difícil: a mudança de cultura.
Maffra também destaca que o perfil dos diretores de tecnologia mudou e, para os profissionais da área que sonham com a cadeira de CEO, manda um recado: “Comece a aprender de produto e do negócio, porque vai ser necessário inclusive para ser CTO.”
Quando o sr. assumiu, o Guilherme Benchimol (antigo CEO) falou que um dos motivos para a mudança era que a empresa queria usar a tecnologia na maior intensidade possível para servir o cliente. É essa necessidade de ter a tecnologia como algo central e sua experiência como CTO que o transformaram em CEO? Há outros elementos?
A XP não nasceu digital. A gente via a necessidade de transformá-la em uma empresa digital, dada toda a mudança no mundo, e o Guilherme me convidou para liderar essa transformação (como CTO). Tínhamos 200 pessoas na época em tecnologia. Hoje temos mais de 2 mil pessoas (de um total de 5 mil) e nos consideramos uma empresa digital. Mas a gente acha que dá para ir mais longe. Esse é um dos motivos para eu estar nesse cargo. A agenda de digitalização é o que vai nos levar a outro patamar. Por uns 18 anos, a empresa foi focada em investimentos. De um ano e meio para cá, começamos a expandir a oferta de produtos. Estamos entrando em banking, crédito, seguro e no mundo da pessoa jurídica. Como vamos fazer isso? Vamos avançar tendo um modelo de servir diferente, alavancando nossas capacidades digitais e nossa plataforma tecnológica. Com isso, saímos de um público-alvo de 15 milhões de pessoas que têm poupança e investimento e vamos para um público de 60 milhões de pessoas.
O que falta fazer na transformação digital?
O primeiro passo de uma transformação digital é a empresa ter centralidade no cliente. Todas as empresas dizem que têm isso, mas na prática são poucas. Muitas são conduzidas por produto ou por receita. Quando você pega empresas financeiras, elas saem do financeiro, não dos clientes. A gente sai da necessidade dos clientes para depois ir para o financeiro. Mudamos o processo de orçamento. Também descentralizamos a empresa e adotamos uma liderança mais por contexto. Aí tem toda uma reorganização em business unit (unidades de negócios que reúnem várias equipes multidisciplinares pequenas e dão maior eficiência operacional). Uma parte disso ainda está faltando. Devemos terminar até o meio do ano que vem.
Que habilidades têm um CTO que o fazem ser um CEO adequado para as necessidades atuais das empresas?
Alguns anos atrás, as empresas viam a tecnologia como uma área mais técnica. É um problema quando a empresa tem uma área de tecnologia que está ali para servir o negócio. As empresas têm de entender que a tecnologia é parte central do negócio, um diferencial competitivo. Aí a tecnologia passa a existir para atender o cliente. Quando olho o perfil de pessoas de tecnologia, acho que elas têm de ser menos especialistas e mais integradas ao negócio. As pessoas perguntam: isso é a área de tecnologia ou de produto? Eu não enxergo isso mais aqui. Não tem tanto essa diferença. Óbvio que cada um tem sua especialidade e responsabilidade, mas o cara de engenharia tem de entender o negócio, o produto, as necessidades do cliente. Ele tem de estar na mesa na hora que você está desenhando um produto. Ele olha sob uma ótica diferente e contribui para criar um produto melhor, que atende as necessidades do cliente.
Mas o sr. acha que empresas, em geral, deixaram de ver a área de tecnologia como um departamento de custo operacional?
Não. A maioria das empresas está fazendo só uma parte da transformação, que é reorganizar algumas partes das empresas (em equipes multidisciplinares para ter mais agilidade). Isso é ótimo, melhor que o modelo antigo, mas você aproveitou 30% do poder do seu time de tecnologia. Transformação é uma mudança de mentalidade e de cultura. É óbvio que há empresas que têm de fazer ajustes tecnológicos, mas isso é a parte mais fácil. Isso depende de tempo, investimento e um bom plano. A parte difícil é a mudança cultural e de mentalidade. Tem muito jogo de ego. As pessoas estão mais ocupadas com onde vão ficar, qual vai ser seu papel na transformação. Aí a transformação não acontece. Quando você pega empresas como a nossa, digitais, a gente lidera por contexto. Não é uma estrutura hierárquica. As pessoas têm autonomia. As que estão direto com o cliente têm mais informação do que eu para a tomada de decisão. Essa mudança é difícil para algumas pessoas. Se não tiver uma liderança muito alinhada com a transformação, ela não acontece.
O sr. falou o que o CTO tem de ter para ser um CEO, mas o que ele já tem que o ajuda no cargo?
Pega o exemplo da indústria financeira. Tenta trocar a senha do teu cartão em um bancão. Você precisa ir no caixa eletrônico. Se você pegar nosso cartão, você muda pelo aplicativo. Olha como o modelo do bancão foi desenhado para ser feito pessoalmente. Isso não funciona mais no mundo de hoje. Você precisa resolver os problemas através da tecnologia. Onde essa pessoa digital ajuda? Tudo depende de tecnologia, de um modelo diferente de atuar, de construir um produto, de atender, de servir o cliente. As pessoas que vêm da tecnologia têm isso quase que naturalmente. Para o cara que é nativo digital, é óbvio que tem de servir o cliente de todos os jeitos dentro do aplicativo. Isso não é óbvio para a pessoa que veio de 20 anos servindo do jeito offline.
Quando vira CEO, o CTO consegue dar mais velocidade ao negócio até para gerar receita?
Com certeza. Esses profissionais conseguem dar uma agilidade tremenda no lançamento de produtos. Sua vantagem competitiva de longo prazo é sua capacidade de se reinventar, de ser disruptivo e de inovar. É fato que o seu negócio vai ter de ser reinventado, tanto faz a linha de negócios. Então, se você não tiver uma capacidade de reagir muito rápido, seu negócio vai ficar para trás. Esse profissional traz isso. Ele dá essas ferramentas para a empresa criar novas coisas muito rápido e com um custo baixo.
Apesar de ter sido CTO, o sr. não é um profissional que sempre foi da área de tecnologia. Acha que profissionais que fizeram toda a carreira na tecnologia também devem começar a aparecer em cargos de presidência?
Vamos ver cada vez mais pessoas vindo da cadeira de tecnologia para uma de CEO, só que o perfil do CTO mudou. Se você pensar no CTO de dez anos atrás, aquele cara que é só técnico, eu acho mais difícil ele se tornar CEO. Você precisa entender de liderança, gestão e negócio. Vejo vários CTOs preparados para assumir a cadeira de CEO no Brasil. Agora, o cara que só entende da área técnica, para ele, a dica é: “comece a aprender de produto e do negócio, porque vai ser necessário inclusive para ser CTO”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Luciana Diniewicz
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