A deterioração aguda dos ativos domésticos ao longo do período da tarde desta quinta-feira, com aprofundamento das perdas do Ibovespa e a escalada dos juros futuros, acabou respingando no mercado de câmbio e impediu que o real se beneficiasse de forma mais abrangente da onda global de enfraquecimento da moeda norte-americana, na véspera da divulgação do relatório de emprego (payroll) de agosto nos Estados Unidos.
Segundo operadores, à medida que avançavam as votações dos destaques da reforma do Imposto de Renda (aprovada na quarta à noite de supetão na Câmara), crescia a percepção de aumento da fragilidade das contas públicas. A avaliação preliminar é a de que os ganhos com a taxação de dividendos (que caiu de 20% para 15% em votação dos destaques ao texto-base) não vão compensar a perda de receita com os cortes de alíquotas de IR para pessoas jurídicas. Isso em meio à busca de uma solução para o imbróglio dos precatórios e de espaço no Orçamento de 2022 para o reajuste do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil.
Ao desgaste provocado pela votação da reforma do IR soma-se uma postura mais cautelosa dos agentes à medida que se aproxima o feriado de 7 de setembro, em que estão marcadas manifestações populares a favor do governo Jair Bolsonaro. Teme-se que haja um recrudescimento das tensões institucionais, com novos ataques ao Supremo Tribunal Federal, e declarações populistas de Bolsonaro.
O dólar chacoalhou pela manhã e chegou até a operar em alta, correndo até a máxima de R$ 5,2006. Mas perdeu força ainda na etapa matutina, seguindo a maré positiva para emergentes, e desceu até a mínima de R$ 5,1431. Depois de passar a maior parte da tarde em queda firme, a moeda norte-americana se recuperou e acabou fechando a R$ 5,1832 (-0,03%).
O gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, observa que o mercado se sente mais confortável para trabalhar com o dólar próximo de R$ 5,20 e acaba corrigindo excessos no fim do dia, com realização de lucros e recomposição de posições defensiva.
“A tendência seria de dólar para baixo com o exterior e o fluxo que está vindo. Mas o dólar não cai mais porque existe essa apreensão com a questão política e tem gente já ajustando posições de olho no feriado de 7 de setembro”, afirma Galhardo, acrescendo que ainda há certo receio de que haja um embate dentro do Congresso que prejudique o andamento das reformas, após a derrota do governo na quarta no Senado na MP da minirreforma trabalhista. “Gera muita dúvida no mercado essa dinâmica de morde e assopra. A Câmara está empenhada em avançar nas reformas, mas o Senado dá uma paulada no governo”, diz.
Além do revés na minirreforma trabalhista, o governo também foi derrotado no projeto de revogação de mudanças em planos de saúde de estatais, o que pode ser um empecilho à privatização dos Correios. Não bastasse os problemas no Senado, a reforma administrativa, em tramitação na Câmara, deve manter a estabilidade dos servidores público, ao contrário do pretendido pelo Planalto.
O diretor da Wagner Investimentos, José Faria Júnior, vê esses fatos como negativos e alerta sobre a importância de acompanhar as votações no Senado, “uma casa pouco amistosa com Bolsonaro”, mesmo com a ida do senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos próceres do Centrão, para a Casa Civil.
Para o economista-chefe da Integral Group, Daniel Miraglia, a dinâmica de preços dos ativos domésticos está totalmente ligada à aprovação inesperada, na quarta à noite, da reforma do IR, que é “extremamente populista” e torna o sistema tributário ainda mais complexo. “A taxa de câmbio não está reagindo tão negativamente porque ainda existe a esperança de que o Senado breque este texto”, afirma Miraglia, acrescentando que a reforma do IR, do jeito que está, diminui o crescimento potencial da economia brasileira. “Temos um cenário muito desafiador para os ativos domésticos, com revisões para baixo do PIB e para cima de inflação, a crise hídrica e essa instabilidade institucional, com o 7 de setembro.”
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – operou em queda de mais de 0,20% ao longo do dia, na casa de 92,200. A moeda norte-americana também apanhou em relação à maioria dos emergentes, à exceção do rand sul-africano, que vinha de um forte rali de alta e acabou cedendo nesta quinta.
Nos Estados Unidos, os pedidos de auxílio desemprego tiveram queda de 14 mil na semana encerrada em 28 de agosto, para 340 mil, abaixo da previsão dos analistas, de 345 mil. A grande expectativa, contudo, é para o payroll de agosto, já que o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, afirmou, em diversas ocasiões, que a recuperação do mercado de trabalho é fator fundamental para definição tanto do início quanto do ritmo de redução de compra de títulos.
Por Antonio Perez
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