Os temores de deterioração das contas públicas e o recrudescimento das tensões políticas, com ataques do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao Supremo Tribunal Federal, se sobrepuseram ao tom duro do Comitê de Política Monetária (Copom) e empurraram o dólar para cima nesta quinta-feira, 5.
Em mais um pregão de extrema volatilidade, o dólar oscilou mais de 11 centavos entre a mínima (R$ 5,113) e a máxima (R$ 5,2261). No fim da sessão, a moeda americana era negociada a R$ 5,2156, com valorização de 0,57%. O giro dos negócios com contrato de dólar futuro para setembro foi expressivo, na casa de US$ 17 bilhões, o que sugere mudanças mais fortes de posições.
Pela manhã, o real até brilhou, liderando os ganhos entre divisas emergentes, na esteira da alta da taxa Selic em 1 ponto porcentual, para 5,25%, e do aceno do Copom de que levará a política monetária para o campo restritivo – o que sugere a ampliação do diferencial de juros interno e externo e, em tese, aumenta a atratividade da renda fixa local.
Mas a moeda brasileira sucumbiu ao longo da tarde em meio ao aumento da percepção de risco fiscal, o que levou investidores a realizar lucros e recompor posições defensivas. O gatilho desta vez foi o parecer do programa de parcelamento de débitos tributários, conhecido como Refis, que despertou receio de perda de arrecadação. O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, era contra a reabertura do programa, como noticiou o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) pela manhã.
É mais um ponto de apreensão sobre o rigor fiscal do governo Bolsonaro, já sob suspeita por conta do debate em torno do reajuste do Bolsa Família e os penduricalhos na PEC dos precatórios, como criação de um fundo – fora do teto de gastos – para benefícios sociais.
Para o sócio e economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, o risco fiscal, com as dúvidas sobre o que ficará fora do teto de gastos no Orçamento de 2022, dão certa rigidez à taxa de câmbio. “Essa questão do Refis para empresas pode trazer perda de arrecadação. Além disso, tem o problema dos precatórios e a indefinição sobre o reajuste do Bolsa Família. São muitas brechas fiscais que ainda não foram solucionadas, o que impede o dólar de cair mesmo com os juros mais altos”, afirma Velho
No fim da manhã, o real já havia reduzido os ganhos, após novos ataques incisivos de Bolsonaro aos ministros do STF, aumentando a temperatura dos atritos entre os Poderes. Em entrevista a uma rádio do Rio de Janeiro, o presidente defendeu a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das “urnas eletrônicas” e convocou a população a se manifestar contra o STF para “defender a constituição”.
A leitura predominante nas mesas de operação é que Bolsonaro pode combinar retórica cada vez mais agressiva com expansão das benesses sociais, burlando informalmente o teto de gastos, para tentar recuperar a popularidade.
O economista da JF Trust afirma que uma piora “na seara fiscal” pode deteriorar a dinâmica de crescimento, provocando diminuição de investimentos e fluxo de recursos para o país. “Não há sinal de descontrole no dólar, porque as contas externas são saudáveis, mas não existem estímulos para apostar em uma melhora do real agora”, diz Velho, que estima uma Selic mínima de 8% em dezembro deste ano e de 8,5% no primeiro trimestre de 2022. “Se o mercado tiver a percepção de que a Selic pode ir até 9% e se aproximar de dois dígitos, aí podemos ver o câmbio se apreciar.”
O diretor da NGO Corretora, Sidney Nehme, ressalta que a inflação “mais aquecida do que a elevação dos juros” pode inibir o fluxo de recursos para a renda fixa, até mesmo os mais especulativos. “E, como a vitalidade da recuperação econômica é frágil, pode afetar os ânimos dos investimentos, comprometendo a dinâmica do Ibovespa e dos IPOs”, avalia Nehme, em relatório, ressaltando que os ruídos políticos e o risco fiscal afetam o comportamento da taxa de câmbio.
Lá fora, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar em relação a seis moedas fortes – trabalhou perto da estabilidade na maior parte do dia, na casa de 92,200 pontos. A moeda americana teve comportamento misto em relação a divisas emergentes e de países exportadores de commodities – queda ante o peso mexicano e o rublo, e alta na comparação com o rand sul-africano e a lira turca.
Investidores aguardam na sexta-feira a divulgação do relatório de emprego nos Estados Unidos (payroll) em julho para refinar as apostas sobre o início de retirada de estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
Por Antonio Perez
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