Passado o pior momento da desorganização da cadeia produtiva provocada pela crise sanitária, a recomposição de estoques puxou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no início do ano e ainda pode continuar impulsionando a recuperação da economia no segundo trimestre. No entanto, a falta de insumos, como semicondutores, tem paralisado parques fabris pelo País e pode atrapalhar esse movimento de retomada.
Em junho, 8 dos 18 principais segmentos da indústria de transformação brasileira ainda operavam com estoques abaixo do normal. A escassez de insumos era o principal entrave à expansão da produção em cinco deles nos últimos meses, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) feito com exclusividade para o Estadão/Broadcast.
“Queríamos verificar se era um problema de aumento na demanda, que os setores não estavam conseguindo acompanhar. Se fosse o caso, o Nuci (Nível de Utilização da Capacidade Instalada) deveria estar alto, mas não está tão elevado. O empresário não está conseguindo produzir mesmo. Não estão chegando os insumos”, explicou Aloisio Campelo Júnior, superintendente de Estatísticas Públicas do Ibre/FGV.
O segmento com maior potencial de crescimento com a recomposição de estoques em junho era o de minerais não metálicos (33,1% operava com estoque abaixo do normal), à frente de atividades de produtos de metal (15,3% com baixos estoques), metalurgia (13,5%), produtos plásticos (5,5%) e máquinas e equipamentos (4,9%).
Esses setores, segundo o Ibre/FGV, registram baixos estoques desde a segunda metade de 2020. Também estão aquém da normalidade os estoques de máquinas e materiais elétricos (2,5% das empresas), têxtil (0,7%) e derivados de petróleo e biocombustíveis (0,2%). “Esses três setores já estão em processo de normalização dos estoques”, disse a economista Cláudia Perdigão, responsável pela Sondagem da Indústria do Ibre/FGV.
O industrial Sérgio Duarte, presidente da Associação de Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, a Rio Indústria, conta que o setor se recupera gradualmente da desorganização da cadeia produtiva, mas que é possível a persistência de problemas pontuais. Proprietário da indústria alimentícia Chinezinho, com sede na capital fluminense, Duarte enfrentou dificuldades no fornecimento de embalagens, mas vê normalização. “A gente comprava embalagem plástica com 20 a 25 dias para entregar. Na pandemia, essa entrega foi de 60 a 80 dias. Agora, estamos recebendo em 30 dias. Ainda não está como antes, mas está bem próximo, bem mais normal”, relatou Duarte. “Cada setor foi afetado de maneira diferente.”
Segundo Cláudia Perdigão, o aumento da demanda contribuiu para explicar a dificuldade de recomposição de estoques nos setores como o de fabricantes de embalagens. Houve maior procura por produtos desses segmentos, impulsionada pela valorização do dólar, pelo desempenho do setor agrícola e por modificações no padrão de consumo das famílias que aumentaram o comércio eletrônico e a contratação de reformas e serviços da construção civil.
Choque
Esses segmentos já enfrentavam dificuldade na recomposição da produção física desde 2015, observou a pesquisadora do Ibre/FGV, o que foi agravado com o choque provocado pela pandemia sobre a oferta de insumos, ainda não normalizada.
Entre os segmentos industriais com baixo nível de estoques, a escassez de insumos permanecia acentuada para a indústria de produtos de metal, em que 23,8% do setor aponta a escassez de matéria-prima como o maior entrave à produção, seguida pelos fabricantes de produtos plásticos (22,3%), máquinas e equipamentos (19,3%) e metalurgia (16,9%), segundo informações de abril, última vez em que a sondagem da FGV perguntou aos empresários sobre o acesso a insumos.
“Historicamente, esse indicador apresenta uma média muito baixa, em torno de 2%. Quando olhamos um porcentual de 22% no segmento de produtos plásticos, estamos olhando para um crescimento muito grande, e algo que só começou em outubro de 2020. Foi um fenômeno da pandemia”, frisou Cláudia Perdigão.
A recomposição de estoques vinha ajudando a turbinar a retomada da economia brasileira desde o segundo semestre do ano passado, disse Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores. Nas contas da LCA Consultores, o avanço de 1,2% no PIB do primeiro trimestre de 2021 ante o quarto trimestre de 2020 teria passado a uma retração de 1,6%, caso a variação de estoques fosse excluída.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Daniela Amorim e Vinicius Neder
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