A piora da pandemia de covid-19 no Brasil, diante de um ritmo lento de vacinação, não passou ao largo das ofertas de ações das empresas de saúde – setor que, até pouco tempo atrás, era apontado como “queridinho” do mercado financeiro e grande aposta para a atual temporada de ofertas iniciais de ações (IPO, pela sigla em inglês). Resultado: em poucos dias, companhias que tinham lançado ofertas bastante ambiciosas tiveram de reduzir estimativas de preços e postergar suas operações, refletindo a maior percepção ao risco em relação ao País.
Embora a situação não esteja tão difícil quanto para negócios de outras áreas – um total de 18 empresas simplesmente desistiu de ir à Bolsa neste momento, incluindo marcas como Wine, Kalunga e Tok & Stok -, os ventos não são mais tão favoráveis para as empresas de saúde. Para conseguir emplacar sua operação, na semana passada, a rede de laboratórios clínicos Diagnósticos da América (Dasa) teve de aceitar um desconto em relação ao preço desejado.
E a Dasa não foi a única a ceder à nova realidade da Bolsa. A fabricante de medicamentos Blau teve de reduzir o total de ações a serem vendidas no IPO. Além disso, a companhia adiou o fechamento da operação em uma semana, indicando a potenciais investidores que poderia reduzir o preço anteriormente definido como mínimo em 10%, apurou o Estadão.
Nem redes de hospitais estão imunes a contratempos. A rede de Mater Dei, de Belo Horizonte, considera diminuir em até 15% o valor inicialmente proposto na oferta, após pressão de investidores por descontos. Procuradas, Blau e Mater Dei, que definem o valor de suas ofertas amanhã, não comentaram o tema, por estarem em período de silêncio.
Ainda assim, é grande a fila de nomes do setor, que lidera em total de pedidos de IPOs à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A Kora Saúde, com sete hospitais no Espírito Santo, dois no Tocantins e um no Mato Grosso, prevê uma arrecadação de R$ 1,7 bilhão na estreia na B3. A lista ainda inclui o Care Caledônia, de Campinas (que projeta levantar R$ 1,1 bilhão), a distribuidora de medicamentos e materiais CM Hospitalar (R$ 2 bilhões), a farmacêutica Athena e o laboratório Teuto. Para as próximas semanas haverá também a oferta subsequente da Hapvida, que ocorre na esteira da fusão com a Notredame Intermédica.
O setor de saúde, tradicionalmente, acaba tendo um “prêmio” de preço em relação a outros segmentos – até pelo histórico de bons resultados. A abertura de capital da Rede D’Or, em dezembro, movimentou R$ 11 bilhões – uma das maiores da história da Bolsa brasileira e com demanda muito acima à oferta.
Cautela
A exigência de descontos tem mais relação com o humor do mercado do que com o setor. “O que está acontecendo é cíclico: os investidores estão reprecificando riscos. As incertezas, os ruídos políticos, a crise sanitária e o recente aumento dos juros mudam o cálculo de quanto vale uma nova ação no mercado”, explica o presidente da corretora BCG Liquidez, Ermínio Lucci.
“Essa questão de cancelamentos e adiamentos de IPO é normal. Costuma acontecer, mesmo no setor de saúde, que vive um cenário de crescimento. Vimos um aumento de ofertas de empresas de saúde e isso acabou dividindo as atenções dos investidores”, diz o gerente de pesquisa da corretora Ativa Investimentos, Pedro Serra.
Heloise Sanchez, da equipe de análise da Terra Investimentos, reforça que as desistências refletem as incertezas político-econômicas do País. “O País passa por redução do auxílio emergencial, maiores restrições de lockdown, Orçamento ainda não aprovado, aumento de inflação, alta da Selic, dólar desvalorizado, entre outros. Tudo isso faz com que as empresas fiquem mais receosas, aguardando maiores desdobramentos para tomada de decisões. Com isso, um IPO que parecia bastante viável há seis meses acaba gerando dúvidas da viabilidade no meio de um cenário tão incerto.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fernanda Guimarães
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