Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir a Petrobrás no lugar de Roberto Castello Branco, o general do Exército Joaquim Silva e Luna tem perfil austero e obediente aos comandos dos superiores. “No jargão do setor militar, ele é conhecido como “trecheiro”, uma pessoa que avança em um trecho: abraça uma tarefa e a executa”, diz Manuel Domingos, doutor em História pela Universidade de Paris, especializado em estudos militares, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed) e professor da Universidade Federal Fluminense. “Como engenheiro militar, é conhecido pela excelência executiva, mas nunca teve credencial de formulador ou se destacou no debate estratégico.”
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Em outras palavras, para um executivo da área de energia que acompanha de perto o dia a dia de Itaipu, sua gestão à frente da empresa esteve mais para a de um bom burocrata: acompanhou os números muito de perto e enxugou despesas, mas não se caracterizou por uma grande capacidade de negociar. “E isso pode ser preocupante quando envolve temas – e empresas – de maior complexidade”, disse essa fonte, que falou sob a condição de anonimato.
Outra característica importante do grupo militar do qual o pernambucano Silva e Luna faz parte, diz Domingos, é não ter o viés estatizante ou fazer oposição a privatizações. Ou seja, caso assuma a presidência da petroleira, o plano estratégico da Petrobrás de venda de ativos, em função da priorização ao pré-sal, não estaria ameaçado.
Apesar de os especialistas esperarem que Silva e Luna responda, na medida em que a governança e os controles da Petrobrás permitam, aos comandos de Bolsonaro, não significa necessariamente, que sua gestão se assemelhará à do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. Críticos afirmam que Pazuello só teria permanecido no cargo por atender às convicções de Bolsonaro em relação ao combate à pandemia, ao contrário de seus antecessores. Além disso, apesar de especialista em logística militar, seu desempenho no planejamento, compra e distribuição das vacinas também vem sendo encarado como ineficiente.
“Ser como o Pazuello é difícil”, diz Domingos. “Pazuello se deixou desrespeitar, foi desmoralizado e não pediu as contas. Diversos oficiais tiveram o pudor de se recolher, sendo que alguns, inclusive, o fizeram atirando, preservando a postura de dignidade.”
Para Domingos, é preciso aguardar o que Silva e Luna fará no comando da estatal, caso seu nome seja aprovado pelo conselho da Petrobrás. Seu currículo mostra duas pós-graduações, em política, estratégia e alta administração na Escola Maior do Exército e projetos e análise de sistemas, na Universidade de Brasília.
A governança à qual a Petrobrás está submetida é muito maior do que a de Itaipu. As gestões mais recentes da petroleira tentaram blindá-la após as ingerências que resultaram no escândalo da Lava Jato.
Além disso, a usina é administrada pelo modelo de cobertura de custos e não visa ao lucro. Também não tem competidores e é regida por um acordo binacional com condicionantes políticas, sem fiscalização de órgãos reguladores como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ou o Tribunal de Contas da União (TCU). Na Petrobrás, também há a fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Além das exigências maiores de vários órgãos, Silva e Luna também não contará com o anteparo de Itaipu, com relação às oscilações cambiais. Por ser binacional, os preços da energia produzida pela usina são dolarizados. Porém, os reajustes que causarão impacto nas tarifas das distribuidoras do Sul e do Sudeste são anuais e consideram perdas com variações cambiais do período anterior e expectativas futuras.
Missão não cumprida
Como diretor-geral brasileiro de Itaipu Binacional, Silva e Luna tinha a missão de colaborar para as negociações da revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu, que regula a parte financeira do acordo e vence em 2023. Com a quitação da dívida de Itaipu nesse prazo, o custo da energia produzida pela usina pode cair, mas há divergências sobre o preço a ser cobrado no futuro, bem como desentendimentos sobre os valores atualmente pagos por cada país, que favorecem o Paraguai.
A bem da verdade, é um acordo que não depende apenas de Silva e Luna por ter caráter diplomático. Envolve também os ministérios de Minas e Energia, Economia e Relações Exteriores. Ou seja, na visão de especialistas ouvidos pelo Broadcast Energia, não é possível atribuir somente a Silva e Luna – que completou no domingo, 21, dois anos à frente da empresa – a culpa pela dificuldade em avançar.
Apesar de ter ganhado pontos com o presidente Jair Bolsonaro em 2019, quando conseguiu equilibrar as relações entre Brasil e Paraguai, após um episódio sobre o mesmo acordo que quase derrubou o presidente daquele país, Silva e Luna não conseguiu resolver o maior entrave da usina nos próximos anos. A prioridade ficou sempre com o corte de custos e o acerto das contas de Itaipu.
Bolsonaro também aplaudiu e prestigiou obras na região da usina, às quais Silva e Luna destinou R$ 2,5 bilhões. Com os recursos, está sendo construída uma nova ponte entre o Brasil e o Paraguai, ampliado e modernizado o hospital local, além do projeto da futura duplicação da rodovia a BR-469, que dá acesso às Cataratas do Iguaçu. Embora essas obras não sejam atividades de uma usina, alguns interlocutores consideram-nas como um melhor destino para o orçamento da empresa do que despesas anteriores, como patrocínios a festas e outros eventos. A percepção é de que se desperdiçava dinheiro. Também houve a leitura, porém, de que foram movimentos tipicamente políticos para ganhar pontos em Brasília.
De todo modo, Silva e Luna reduziu em 60% as despesas da empresa com patrocínios e convênios, fechou escritórios em Curitiba e Brasília, com a redução de aluguel, manutenção e gastos com diárias e passagens de empregados que se deslocavam entre as cidades. Porém, enfrentou dificuldades com os quadros técnicos e o sindicato dos trabalhadores.
Estrelas no comando
Na gestão Silva e Luna, Itaipu tornou-se a estatal mais militarizada do País. Além do presidente, há quatro executivos e dois conselheiros das forças armadas. Fazem parte da lista o contra-almirante da Marinha Paulo Roberto da Silva Xavier (diretor administrativo); o vice-almirante da Marinha, Anatalicio Risden Junior (diretor financeiro) e o general do Exército Luiz Felipe Kraemer Carbonell (diretor de coordenação). No Parque Tecnológico de Itaipu, o diretor-superintendente é o general Eduardo Castanheira Garrido Alves. Também faz parte do conselho, além do oficial superior da Marinha Célio Faria Junior, o ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque.
Para o lugar de Luna em Itaipu, o Ministério de Minas e Energia (MME) cravou o nome de outro militar: o também general da reserva João Francisco Ferreira.
Silva e Luna também carregará no currículo a pior produtividade da hidrelétrica nos últimos oito anos, apesar de não ter culpa disso – o motivo foi a falta de chuvas. Como a usina produziu menos e o dólar aumentou, a energia de Itaipu também acabou sendo um fator de pressão tarifária para os consumidores.
Em 2019, a produção de energia de Itaipu de 79,4 milhões de milhões de megawatts/hora foi suficiente para superar a marca dos 75 milhões exigidos para a cobertura dos custos anuais da hidrelétrica, mas muito inferior ao recorde de 103 milhões de MWh de 2016. Itaipu opera pela lógica de custo e preço fixo. Dessa forma, a produção é utilizada para pagar os cerca de US$ 4 bilhões anuais de custo da usina, sendo US$ 2,4 bilhões para honrar juros e financiadores.
Em nota ao Broadcast Energia, Silva e Luna disse que o momento requer cautela. “Prefiro manter prudência, para evitar qualquer precipitação e indelicadeza com a atual administração da estatal. Estamos a postos para cumprir com a missão que Deus coloca no nosso caminho e a qual nos foi confiada pelo presidente Bolsonaro. Vamos aguardar a manifestação do conselho de administração da Empresa. A Petrobrás é um grande patrimônio do Brasil e tenham certeza que dedicarei todo o meu esforço para fazer o melhor pelo nosso País.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Cristiane Barbieri, Luciana Collet e Wagner Freire
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