A concessão dos serviços de água e esgoto no Estado do Rio, com leilão marcado para abril, promete mobilizar R$ 40 bilhões no maior projeto de infraestrutura do País. Com ela, a população brasileira atendida pelo setor privado, hoje em 34,1 milhões, crescerá em 40% de uma vez, segundo a Abcon, a associação das concessionárias. O gigantismo do projeto, porém, traz riscos e desafios, segundo executivos e especialistas. Entre eles está a cobrança da conta de água em regiões com ocupação irregular, muitas delas dominadas pelo crime organizado. Há ainda o relacionamento político com entes públicos e a capacitação da agência reguladora.
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O edital da concessão foi lançado entre o Natal e o Ano Novo, após sucessivos adiamentos. Dos 64 municípios atualmente atendidos pela Cedae, a estatal estadual de saneamento, 35 entraram no projeto – que divide a área em quatro blocos. A previsão de investimentos inclui R$ 30 bilhões em obras e R$ 10,6 bilhões em taxas de outorga, cobradas pelos governos para conceder os serviços. Leva quem oferecer a maior outorga. Um operador pode levar mais de um bloco, desde que comprove capacidade financeira e técnica.
“O saneamento será uma grande linha de negócios no futuro do País. Quem estiver no Rio vai ter uma posição diferenciada”, afirma o diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Fábio Abrahão.
Contratado pelo governo fluminense, o BNDES trabalhou quatro anos na estruturação da concessão, desde 2016. O modelo desenhado tem sido elogiado por executivos, investidores e consultores. “Os blocos são atrativos, a modelagem foi bastante bem feita”, diz José Guilherme Souza, sócio e head de infraestrutura da gestora de recursos da carioca Vinci Partners. A empresa aposta em competição no leilão e estuda entrar na formação de algum consórcio para disputar a concessão.
Riscos
A existência de blocos atrativos e a modelagem bem feita não significam que não haja riscos. Eles atingem tanto investidores, que podem não alcançar os lucros esperados, quanto os consumidores, que podem continuar com serviços deficientes.
Souza chama atenção para um risco inerente ao setor de saneamento, o de engenharia, com obras que causam “interferências na vida da população, no trânsito”. A particularidade em destaque, porém, é a quantidade de comunidades pobres no Rio. Muitas são dominadas por criminosos, que impedem a cobrança por concessionárias. O problema já ocorre em outros setores.
A Light, distribuidora de eletricidade da região metropolitana, tem historicamente os mais elevados indicadores de perda de energia e inadimplência do País. Para Jerson Kelman, que foi presidente tanto da Light quanto da Sabesp, esse é o principal desafio da concessão fluminense.
“É um problema que existe no Brasil inteiro, mas com muita intensidade na região metropolitana do Rio, onde predomina (em várias favelas) a informalidade, serviços locais prestados por milícias, como ‘gatonet'”, afirmou Kelman, em referência a serviços clandestinos de TV a cabo. Atualmente ele é professor da Coppe, a coordenação da pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O edital de concessão prevê investimentos mínimos nas comunidades pobres – de R$ 1,86 bilhão -, que devem ser aplicados na ampliação do sistema de água e esgoto nas áreas não urbanizadas da capital fluminense. Nas favelas urbanizadas do Rio e em todas as áreas favelizadas dos demais municípios, haverá monitoramento para avaliar as metas de universalização.
A tarefa não será simples. Quadrilhas de traficantes de drogas tradicionalmente impedem a fiscalização de ligações clandestinas. Joisa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (Ceri) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reconhece que esse problema será um desafio para futuros concessionários. “Dificilmente algum dos concessionários vai poder argumentar que a situação não era conhecida”, afirma ela.
Baixo risco
O aparato de regulação e fiscalização ainda em construção no governo estadual é mais um desafio da concessão dos serviços de água e esgoto no Rio. Para defender o projeto, executivos do BNDES vêm ressaltando que os possíveis problemas serão mitigados por mecanismos previstas no edital. Muitas regras foram alteradas no processo, justamente para fazer frente a questionamentos, disse o diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs do BNDES, Fábio Abrahão. Para o executivo, a concessão é de baixo risco.
Para Jerson Kelman, professor da UFRJ e ex-presidente da Sabesp, e Joisa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (Ceri) da FGV, não é factível apostar em resolver no contrato todos os riscos e eventuais problemas que surjam na concessão. Ajustes nas regras serão necessários, com atuação da agência responsável pela regulação dos serviços.
No Rio, o trabalho ficará a cargo da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa). No plano nacional, o novo marco regulatório do saneamento deu à Agência Nacional de Águas (ANA) o papel de criar normas para orientar o trabalho dos órgãos estaduais e municipais. Esse trabalho ainda está no início.
“A efetiva regulação é que vai garantir o cumprimento das metas dos contratos”, afirma Joisa, da FGV.
Edital
Pelo modelo de concessão costurado pelo BNDES, a Cedae, a estatal de saneamento do Estado do Rio, não será vendida e seguirá estatal. Sairá da distribuição de água e da coleta e tratamento do esgoto, mas continuará cuidando da captação e do tratamento da água. Menor, fornecerá a água tratada aos operadores privados, responsáveis pelos demais serviços. Eles também vão ficar responsáveis pelas obras para levar água e coleta de esgoto a locais que não são atendidos hoje por esses serviços.
Mesmo modelo foi usado em concessão na região metropolitana de Maceió (AL), leiloada em setembro. A licitação foi vencida pela BRK Ambiental, maior empresa privada do setor, que desembolsou R$ 2 bilhões para vencer outras seis propostas.
Tradicionalmente um destaque negativo nos projetos de infraestrutura, os riscos políticos da concessão dos serviços de água e esgoto no Rio passam por uma série de atores públicos e privados envolvidos no modelo desenhado pelo BNDES. A governança inclui dezenas de prefeituras, uma agência reguladora estadual, o governo do Estado e quatro operadores privados. Além disso, tem o relacionamento com a Cedae, que hoje presta os serviços de distribuição de água em 64 cidades do Rio.
Embora não chegue a enfrentar críticas no mercado, a participação de uma estatal no desenho da concessão não deixa de elevar o risco político do projeto, lembrou Joisa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (Ceri) da FGV. “Toda vez que se coloca um concessionário privado dependendo de ente público, se cria um risco, sim. É um problema de desenho.”
Por outro lado, tanto a especialista da FGV quanto Jerson Kelman, professor da UFRJ e ex-presidente da Sabesp, acham pouco provável que a Cedae tenha problemas no futuro. É que, com a concessão, a previsão é que a companhia estadual passe a ter uma operação enxuta, com receita elevada e estável, já que as concessionárias pagarão pela água tratada. Não haverá, assim, inadimplência de consumidores nem perdas na rede de distribuição obsoleta.
Além disso, a provável redução de perdas tende a segurar a demanda por água tratada. Isso reduz a necessidade de investimentos em expansão da capacidade de tratamento. Outro alívio na necessidade de expansão virá dos investimentos em esgoto por parte da concessionária do bloco que abrange a Baixada Fluminense. Eles melhorarão a qualidade da água a ser tratada. Hoje, a estação de tratamento do Rio Guandu, que abastece a maior parte da região metropolitana, torna potável uma água totalmente poluída.
Ao longo da estruturação do projeto, incluindo o período de consulta pública, executivos do BNDES têm destacado que o contrato de concessão define como se dará a relação entre Cedae e as operadoras privadas. Haverá pontos determinados de entrega da água tratada, com medições de qualidade antes e depois da entrada na rede de distribuição sob responsabilidade privada. Só que, do ponto de vista do consumidor, a relação direta será com a concessionária, lembrou Kelman. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Vinicius Neder
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