Em meio ao anúncio do fechamento das fábricas da Ford no Brasil, após 102 anos de produção local, uma luz amarela se acendeu para o setor automotivo nacional: será que outras empresas podem seguir o mesmo caminho e desistir do País? Por ora, a torneira de investimentos de gigantes automotivas não se fechou no País: apenas Fiat Chrysler e General Motors, somadas, vão aplicar R$ 25 bilhões por aqui nos próximos anos. Mas, segundo especialistas e fontes ligadas às próprias montadoras, a situação pode ser diferente em médio e longo prazos.
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Embora descarte fechamentos de fábricas em série, o consultor Flavio Padovan, ex-presidente da Jaguar Land Rover no País e com passagens por Volkswagen e Ford, diz que “a saída da Ford serve para todo mundo abrir o olho”. Isso porque, segundo ele, além de lidar com as questões estruturais que dificultam a atuação no Brasil, como a carga tributária, a baixa produtividade e o custo da mão de obra, o setor vive uma transformação global. “É um cenário muito ameaçador.”
Um exemplo do problema: enquanto o mundo se desdobra para produzir mais carros elétricos – a Alemanha, por exemplo, já baniu a venda de veículos a combustão a partir de 2030 -, o Brasil ainda engatinha nessa área. Ex-presidente da Fiat e da Anfavea (associação que reúne as fabricantes nacionais de veículos), o executivo Cledorvino Belini lembra que o setor automotivo vive um momento claro de quebra de paradigmas com a eletrificação dos motores. “Temos de fazer nossos engenheiros reaprenderem, irem para esse lado”, diz Belini.
Na visão do ex-presidente da Fiat, caso a tecnologia global caminhe para um lado e a produção brasileira vá para outro, o País pode ver seu parque industrial cair na irrelevância. Para ele, o modelo de produção brasileiro está “esgotado” e precisa evoluir rapidamente. “Não podemos chegar atrasados (nos carros elétricos), já que as emissões são um problema global.”
Esse descompasso entre os objetivos globais da montadora e o portfólio das três fábricas brasileiras foi um dos fatores que levaram a Ford a desistir da produção em solo brasileiro. Segundo Padovan, havia anos que a montadora americana reclamava da baixa lucratividade dos modelos compactos – justamente seus carros-chefe por aqui, como EcoSport e Ka. “A Ford sempre fez com as picapes o dinheiro que não fez com o carro. Então, essa decisão faz sentido na estratégia de privilegiar a lucratividade.”
Custo Brasil
Procurada pela reportagem, a Anfavea afirmou, em comunicado, não ver um risco sistêmico para o setor automotivo do País, com o fechamento de fábricas. No entanto, a associação apontou que o setor hoje trabalha com uma ociosidade superior a 50% nas unidades, que têm capacidade para produzir 5 milhões de veículos por ano. A associação das montadoras também critica a falta de medidas para a redução do custo de produção no País.
Diante das promessas não cumpridas de reformas que poderiam reduzir custos – como a tributária, por exemplo -, Padovan diz que está cada mais difícil para um executivo local “vender” projetos para aportes relevantes no Brasil. “O governo brasileiro está totalmente paralisado e não consegue levar adiante as medidas que precisam ser aprovadas. O cenário é de uma insegurança muito grande com o País.”
O Estadão consultou ontem seis das maiores montadoras brasileiras sobre planos de investimentos futuros. Até o momento, duas delas – FCA e General Motors – anunciaram um ciclo de investimentos para os próximos anos de R$ 15 bilhões e R$ 10 bilhões, respectivamente (leia mais no quadro ao lado). As demais já encerraram ciclos anteriores (como Volkswagen, Renault e Honda) ou estão próximas de finalizar aportes já anunciados, como a Toyota, que está investindo R$ 1 bilhão em um novo modelo na fábrica de Sorocaba (SP).
Sem perspectivas de uma “virada” significativa no volume de vendas, resta às participantes do mercado brasileiro brigar pelo pouco que sobra, como os 7% de fatia de mercado que a Ford vai abrir mão. “São 140 mil carros que estão em jogo nesse negócio”, lembra o ex-presidente da Jaguar Land Rover.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fernando Scheller
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