A demora para a discussão e aprovação de reformas e um possível atraso na vacinação da população devem deixar a retomada da economia brasileira para o segundo semestre de 2021, segundo avaliação de Luís Barone, sócio-diretor da Galapagos WM, gestora independente focada na alocação de recursos em crédito privado. “Essa morosidade da vacinação no Brasil deve postergar o crescimento econômico”, disse ele, que atua há 30 anos no mercado financeiro, em entrevista ao Mercado News.
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Barone falou sobre perspectivas para os mercados neste ano e afirmou que nota um amadurecimento do Brasil no salto de investidores pessoa física na B3 em 2020. Mas faz um alerta: “Correr mais risco não significa ter rentabilidade maior, é importante ter cautela”. Aos interessados na renda variável, a recomendação dele é que invistam em ações da “velha guarda”, de empresas vinculadas a commodities em meio à alta nos preços de matérias-primas.
Também em razão do potencial de inflação desta subida das commodities, o gestor chama a atenção para um provável aumento da taxa de juros brasileira ao longo do ano, com repercussão no ímpeto de comprar ações. “Quando se tem um cenário de alta de juros, isso sempre é visto pelo investidor em Bolsa com um certo ceticismo. É um fator que freia um pouco a alta.”
A seguir, leia a entrevista com Luís Barone, da Galapagos WM:
Como está a visão do senhor para o andamento ou não das reformas em meio às eleições para presidências da Camara e do Senado e como isso pode interferir no movimento dos mercados?
A gente vem falando das reformas desde as eleições do último presidente, e tivemos uma reforma relativamente tímida da Previdência. Creio que ainda precisamos andar com as reformas administrativa, fiscal e política, e acho que a que está mais próxima de acontecer é a administrativa. Mas as prioridades, o senso de urgência do Congresso e da Câmara não têm sido muito grande. Acredito que alguma reforma administrativa e fiscal deva acontecer, mas o ritmo e a velocidade estão um pouco aquém do que a gente imagina.
Esse fato acaba se refletindo na cotação do dólar, que tem subido bastante, entre R$ 5,25 e R$ 5,35. Essa cotação é reflexo do investidor estrangeiro que acaba relutando um pouco em vir para o Brasil por conta da morosidade dessas reformas. E os prêmios de juros também. O juro no curto prazo no Brasil é da ordem de 2% ao ano, mas se você olha para a curva de juros, ou seja, as taxas de juros para prazos mais longos, elas são significativamente maiores que esses 2%. Também por conta, em boa parte, dessa morosidade.
O que parece, tanto na Previdência, que já foi aprovada, quanto na reforma tributária, é que daqui a algum tempo precisaremos de outra reforma da Previdência e outra reforma tributária. O Brasil tem muitos grupos de interesse, muitos subsídios, e esse foco acaba não sendo atacado da maneira que deveria. Acaba saindo uma reforma que é 70% do que deveria ser, e dali a um tempo requer alguns remendos na reforma anterior. É essa a expectativa do que deve acontecer.
Enquanto o mundo começa a vacinar, o Brasil ainda patina no plano de imunização. Um atraso da vacinação aqui no Brasil poderia provocar correção dos ativos na B3?
Esse é um tema bem relevante. Está sendo discutida tanto a vacinação aqui de dentro, e o atraso de como será a vacinação no Brasil, quanto, por outro lado, a vacinação em outros países. Essas duas coisas afetam bastante o humor do mercado. O que tende a acontecer é que a vacinação, em nível global, deve acontecer ao longo de 2021, e no exterior isso vai ser encarado como uma retomada do nível de atividade um pouco acima do esperado. Então já vemos alguns indicadores lá fora, principalmente a taxa de juros norte-americana, cujo título de 10 anos chegou a ser negociado a 0,5% ao ano, e que já está mais próximo de 1% ao ano. Esse aumento de juros norte-americanos é um ótimo indicador para o nível de atividade lá fora, porque as empresas demandam mais crédito, e, assim, pressionam a taxa de juros e todas as taxas de juros acabam subindo, independentemente de ligadas ao crédito ou não.
Um outro indicador que mostra que a economia mundial vem se fortalecendo são os preços das commodities. Preço de petróleo, soja, commodities metálicas como cobre e ouro, todos esses ativos vêm subindo por conta de um aumento na demanda. E eu imagino que tanto os juros norte-americanos quanto os preços das commodities devem continuar subindo ao longo do ano.
Há também um aspecto inflacionário nesses dois fatores, especialmente no aumento dos preço das commodities. O Brasil é um grande exportador de commodities, então isso traz um fator ruim para nós, que é um potencial inflacionário, mas existe um fator benéfico, que é a nossa balança comercial. Teremos um superávit alto este ano, provavelmente, porque somos exportadores primordialmente de commodities, e o dólar no nível que está faz com que a balança comercial tenha um superávit significativo.
Voltando para a vacina, essa morosidade da vacinação no Brasil deve postergar o crescimento econômico, que deve ocorrer quando a vacina vier. Houve entrada de investimento estrangeiro em Bolsa no fim ano passado, em novembro e dezembro, mas não é um investimento de longo prazo. É um investimento mais especulativo. Quando se fala de investimento de longo prazo, acho que ainda vai demorar um pouco mais para vir ao Brasil. Então, se a vacinação começar no início do ano e se o nosso Congresso der a devida importância para as reformas, vejo fatores positivos ocorrendo mais para o meio e fim do ano.
Em caso da projetada vitória democrata na eleição do Senado no estado norte-americano da Geórgia, o senhor enxerga risco de politicas fiscais excessivamente expansionistas?
Independentemente da vitória na Geórgia ou não, os democratas não vão ter maioria no Senado, então todas as votações lá vão ser bem disputadas. E ainda que haja uma tendência para um expansionismo fiscal, é muito difícil de prever isso.
Imaginávamos, por exemplo, que com os democratas ganhando a presidência a guerra China versus Estados Unidos iria se arrefecer. Isso até tem acontecido, mas temos visto alguns discursos do Joe Biden no sentido de continuar endurecendo a diplomacia, ainda que muito mais amistosa do que a feita pelo Donald Trump. Mas as questões comerciais continuam, e creio que a China sai bem favorecida nesse cenário.
Vejo dois grandes fatores para o ano de 2021: o dólar deve se depreciar em relação às moedas mais fortes, e o ritmo da economia deve crescer não só pela chegada da vacina, mas também por uma maior liberalidade no comércio mundial do que a gente teria com o Trump. Isso deve ser um facilitador das relações comerciais pelo planeta.
Voltando ao Brasil, qual é a perspectiva do senhor para a bolsa em 2021?
É muito difícil prever se ela vai continuar tendo essa alta de modo global, mas acredito que as ações ligadas às commodities devem performar melhor do que, por exemplo, as ações ligadas à tecnologia, que subiram bem mais. Então eu tendo a acreditar que as ações da velha guarda, ou da velha economia, podem a performar melhor devido às commodities. Acredito que a trajetória do dólar é de queda, mas bem gradual, então ainda existirá um favorecimento ao setor exportador.
Também devemos ter provavelmente uma pressão inflacionária e os próximos passos do Banco Central devem ser de alta de juros, e não de queda. Não deve ser uma alta muito expressiva, mas as taxas de juros não devem ficar muito tempo em 2% ao ano. E quando se tem um cenário de alta de juros, isso sempre é visto pelo investidor em Bolsa com um certo ceticismo. É um fator que freia um pouco a alta da Bolsa. Será preciso então entender um pouco melhor qual vai ser a velocidade e o ritmo de alta de juros que o BC deve imprimir. As previsões da curva de juros são de alta já a partir das próximas reuniões.
Então o investidor pessoa física precisa ter uma cautela redobrada porque aumentar o risco não significa, necessariamente, e na maioria das vezes, aumento de rentabilidade. E além da cautela eu penderia a estar em ações tradicionais e mais ligadas às commodities do que nas ações do chamado novo mercado ou mercado ligado à tecnologia, que já andaram bastante.
O senhor acredita que em 2021 o cenário de entrada de investidores pessoa física na B3 deve seguir crescendo, a exemplo do ano passado?
O mercado brasileiro aos poucos vai amadurecendo. Se falasse há 4 anos que a teríamos uma taxa de juros de 2% ao ano, poucas pessoas apostariam nisso. Eu acredito que o investidor pessoa física vai continuar entrando na Bolsa, num ritmo menor do que o observado no último ano. Além do fator da Bolsa ter batido 60 mil pontos em março, no auge da queda, outro fator que trouxe o investidor para a Bolsa é, sem dúvida nenhuma, essa taxa de juros mais baixa.
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