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‘Grupos mais organizados travam reforma tributária’, diz Marcos Lisboa

(Foto: Divulgação)

Presidente do Insper, o economista Marcos Lisboa é um observador atento do desenrolar da reforma tributária no Congresso. Ele considera que o caminho para uma boa reforma é garantir que os “iguais” paguem a mesma carga de impostos. Lisboa alerta, porém, que, na hora em que se tenta tratar todo mundo como igual, os grupos organizados se mobilizam e dizem: “comigo não, começa pelos outros”. Essa é a resistência, segundo ele, que vem sendo enfrentada pela proposta que não avançou no ano passado.

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“Vamos aceitar os grupos terem pequenas perdas organizadas em troca de um ambiente de negócios mais saudável, mais competição, justiça tributária e maior abertura ao comércio, com maior acesso às tecnologias? Ou vamos continuar nessa situação ruim em que ninguém quer abrir mão?”, questiona ele. A seguir, trechos da entrevista.

Por que é tão difícil avançar na agenda de corte de renúncias?

É um desafio porque, em geral, cada um desses gastos está regulamentado por uma lei específica ou até mesmo pela Constituição. Não é possível fazer uma abordagem geral, uma lei geral, para reduzi-los. Tem de enfrentar caso a caso. Mas cada vez que se vai entrar num caso particular, os grupos beneficiados se opõem. Vai discutir Zona Franca de Manaus, Simples (regime que simplifica o pagamento de impostos e oferece tratamento diferenciado para micro e empresas de pequeno porte), isenções, recebe a reação dos diversos grupos que são beneficiados.

A reforma tributária ajuda a desatar esse nó?

A proposta que está na Câmara enfrenta o problema da tributação sobre consumo. Cria uma regra comum. Qualquer decisão de consumo, independentemente se é um serviço ou a compra de um bem durável, passará a pagar a mesma carga tributária.

Para os críticos, vai gerar um aumento da carga, e que não seria o momento porque o Brasil está saindo de uma recessão.

Se a alíquota for bem calibrada, não é verdade que vai aumentar. Vai ser cobrada a mesma alíquota de todas as decisões de consumo, deixando-se de privilegiar algumas decisões em detrimento das demais. Aumentará em alguns casos e cairá em outros. Por exemplo, alguns serviços são muito onerados, como energia elétrica, que tem uma carga tributária muito elevada. Telecomunicações é a mesma coisa. Isso seria desonerado. Significa menos preços desses insumos para as empresas, as famílias.

O corte de renúncias, não relacionados diretamente à reforma tributária, deveria ser aprovado antes dela ou pode vir junto?

O sistema do Brasil é tão caótico que é difícil corrigir todas as distorções de uma vez só. Há muitas distorções e muitas injustiças. Famílias em situações muito parecidas de renda, número de filhos, pagam alíquotas muito diferentes de imposto sobre a renda. Se é um empregado formal, a alíquota é bastante alta. Por outro lado, se você se organiza como uma pequena pessoa jurídica, paga muito menos. O caminho para uma boa reforma tributária é garantir que os iguais sejam igualmente tributados.

Por que o brasileiro reclama que paga muito imposto, mas não briga para acabar com essas distorções e desigualdades?

No Brasil, se paga muito imposto para um país emergente. Isso decorre de termos gastos obrigatórios do setor público muito altos. A segunda parte da história é que esse imposto é desigualmente distribuído sobre as decisões de consumo e sobre as famílias. Aí, os grupos reagem. Quem paga menos imposto, não quer ser tratado como os demais. Vimos na discussão da reforma tributária diversos setores que ficaram preocupados de ter um pequeno aumento da carga tributária porque pagam menos. A reação foi de que querem pagar menos do que os demais: não quero pagar imposto como o resto da sociedade. Essa é a resistência à reforma.

O governo terá de aumentar impostos para pagar os gastos da covid-19 em 2021?

O ideal seria uma reforma tributária que equalizasse a tributação para as famílias com a mesma renda. Isso daria um alívio para o País e tiraria todo esse contencioso tributário gigantesco que temos hoje, que paralisa os negócios e penaliza a produção. Isso permitiria ganhos de produtividade.

Governo e Congresso estão convencidos dessa agenda?

A sociedade não está convencida dessa agenda. Vemos diversos grupos organizados da sociedade e do setor privado contra uma agenda de modernização e maior justiça tributária e redução dos subsídios. O que acaba acontecendo no Congresso é o reflexo de uma falta de consenso da sociedade. Mas tem também uma falta de liderança do Executivo nessa agenda. O próprio governo dá sinais contraditórios do rumo que quer retomar.

2020 provou que não dá para avançar na agenda de reforma tributária sem o governo?

É extremamente difícil. Estamos num regime presidencialista, o Executivo é quem tem as informações consolidadas da política pública. É quem tem a liderança do processo. Mas o próprio governo não sabe bem o que quer.

A tributária é aquele tipo de reforma que todo mundo quer, mas sem que saia perdendo?

A reforma tributária tem o mérito de equalizar a cobrança de tributos. Mas na hora que vai tratar todo mundo como igual, os grupos organizados se mobilizam e dizem: comigo não, começa pelo outros. Isso trava o processo.

A reforma tributária tem interesses muito mais pulverizados e é mais complexa que a da Previdência. Como captar apoio?

Estamos crescendo pouco e há muito tempo. Perdemos essa década. Os brasileiros empobreceram nessa década. Parte do problema vem dessa série de distorções setoriais e distribuição de benefícios. Para o País voltar a crescer como os demais, tem de começar a superar essas restrições. É uma escolha do País. Vamos aceitar os grupos terem pequenas perdas organizadas em troca de um ambiente de negócios mais saudável, com mais competição, justiça tributária e maior abertura ao comércio, com maior acesso às tecnologias? Ou vamos continuar com essa economia estagnada porque ninguém quer abrir mão do seu pequeno privilégio?

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Adriana Fernandes

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