A mudança de comando nos Estados Unidos, a partir de janeiro, a promessa de uma vacinação em larga escala contra a covid-19 e a expectativa de avanço de reformas no Brasil têm retirado parte da tensão e feito os investidores voltarem os olhos novamente para emergentes, como o Brasil. Como reflexo disso, o dólar, que chegou a ficar perto dos R$ 6, passou a registrar quedas e agora se acomoda em um patamar mais próximo de R$ 5.
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Na última semana, o dólar fechou em seu menor patamar desde junho. Em pouco mais de um mês, desde que começou o que parece ser um ciclo de desvalorização, a moeda já acumula queda de mais de 12% ante o real. Apesar disso, no ano a divisa ainda acumula uma alta de 25,8% e está em um patamar acima do previsto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em março, pouco antes do recrudescimento das medidas de isolamento social tomadas para conter o avanço do novo coronavírus, o ministro chegou a dizer que, “se fizer muita besteira, o dólar pode ir a R$ 5”. Ele falou ainda que não acreditava em uma fuga de capitais. Na sexta-feira passada, a moeda fechou a R$ 5,05.
Na visão de economistas ouvidos pelo Estadão, são boas as chances de que a moeda permaneça nesse patamar mais baixo, desde que o País dê sinais positivos no manejo da economia na saída da pandemia.
Na avaliação de Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e sócio da AC Pastore e Associados, o movimento recente do dólar tem sido influenciado tanto por fatores externos quanto domésticos. Nos EUA, a eleição do democrata Joe Biden sinaliza uma maior estabilidade internacional, sobretudo na relação com a China. E o começo da vacinação reduz as incertezas que a pandemia da covid-19 trouxe.
“A eleição de Biden trouxe segurança para os agentes e sinaliza uma melhor relação com a China, o que poderia melhorar o comércio de commodities. O que vai ser determinante é a questão fiscal. Com o cenário internacional esperado e com a sinalização por parte do governo de que o lado fiscal será controlado, o dólar pode ficar no patamar atual”, diz.
“Os planos de recuperação econômica nos países ricos mantêm os juros em patamar muito baixo, o que vira liquidez indo para emergentes. Se um investidor americano colocava dinheiro na renda fixa, com os juros inferiores a 1%, ele acaba se voltando para países como o Brasil”, completa o estrategista de Comércio Exterior do Banco Ourinvest e ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral.
Área fiscal
O economista do UBS BB Fabio Ramos concorda com a análise e diz que o sinal para o mercado de que o governo brasileiro está comprometido com os ajustes fiscais no ano que vem é essencial para facilitar a apreciação do real – que ele acha que tem mais espaço para se valorizar em relação ao dólar.
Ele também ressalta que está havendo uma volta dos investimentos estrangeiros ao Brasil, o que pode melhorar a entrada de dólares, e acha que a moeda americana pode permanecer nesse patamar atual e fechar o ano que vem em valor até mais baixo, provavelmente em R$ 4,95.
No mês passado, os investidores estrangeiros tiveram entrada líquida de R$ 33,3 bilhões na Bolsa. No acumulado do ano, no entanto, o saldo é negativo e a saída é de R$ 51,56 bilhões.
“O investidor estrangeiro está voltando; em novembro, as saídas de investimentos já eram menores do que no pior momento da pandemia. E esse movimento de saída pode ser zerado. Consolidadas as condições atuais e com a questão fiscal encaminhada ano que vem, há um espaço para a apreciação ainda maior do real”, avalia Ramos.
O economista-chefe da Necton, André Perfeito, lembra que, por mais que os fatores externos estejam contando a favor de uma apreciação do real em relação ao dólar, é preciso considerar que esse movimento não está dado e que as expectativas podem ser revertidas, caso o mercado avalie que o governo não tem condições de conduzir uma política fiscal acertada.
“Na verdade, é preciso reconhecer que o governo não deu indicativos de que irá conseguir tangenciar a questão fiscal de forma eficiente até agora. Há uma expectativa de que o Banco Central inicie um novo ciclo de alta dos juros, o que favoreceria a atração de investimentos, mas os problemas do País estão dados e o governo precisa dizer logo o que quer, sem dar espaço para incertezas”, diz.
Estrangeiros baixam apostas
A semana passada, em que o dólar testou os menores níveis desde junho, foi marcada por forte movimentação de grandes investidores no mercado futuro da B3, a Bolsa brasileira – que têm influência direta nas cotações do mercado à vista. A mudança maior foi nos estrangeiros, que mudaram completamente de estratégia e passaram a apostar na queda do dólar.
Fundos nacionais também reduziram em mais de US$ 8 bilhões as apostas em derivativos contra o real, ajudando o dólar a acumular baixa de 5,3% em dezembro. O ambiente de alta liquidez na economia mundial, o aumento da alocação de estrangeiros em emergentes e a atuação mais intensa do Banco Central no câmbio, com leilões extras de swap, estão entre os fatores que levaram a esta redução de apostas contra o real.
“Tanto os estrangeiros quanto os fundos locais estão diminuindo as posições compradas”, destaca a economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico. “Está tendo uma pressão vendedora nos derivativos.”
Em dólar futuro, os fundos locais estavam na segunda-feira vendidos em um total de 175 mil contratos. Estas apostas foram sendo reduzidas nos últimos dias, mas eles voltaram a elevar estas posições, para 68 mil papéis, refletindo o último comunicado do BC e o anúncio de leilões extras de swap cambial. /
Consumidor
O dólar pode até estar se acomodando em um patamar mais próximo dos R$ 5 nas últimas semanas, mas o consumidor brasileiro ainda deve demorar a sentir um alívio nos preços de produtos e insumos importados, mesmo que a moeda americana consiga se fixar no novo nível. No caso do exportador e importador, os efeitos só devem ser sentidos nos próximos contratos firmados após a queda do câmbio.
A moeda norte-americana, que chegou a bater em R$ 5,77 no fim de outubro, começou a experimentar um ciclo de quedas e acumula desvalorização de 6,84% no último mês. Nos preços de importados, porém, esse efeito pode demorar até cinco meses para aparecer.
No início da recuperação da economia após o pior momento da pandemia do novo coronavírus, a inflação, sobretudo dos alimentos, tem pesado bastante no bolso das famílias. Em novembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,89%. A alta acumulada dos alimentos de janeiro a novembro alcançou 12,14%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Como o dólar interfere em diversos preços – do trigo aos combustíveis -, a queda da cotação da moeda aumenta a expectativa de um alívio na inflação.
O economista da LCA Consultores Fabio Romão, porém, avalia que as quedas recentes do dólar devem começar a aliviar a alta de preços no atacado, mas ainda vão demorar a chegar nos preços para o consumidor.
Ele estima que os efeitos do dólar mais fraco podem começar a aparecer no próximo Índice Geral de Preços -10 (IGP-10), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mas ainda de forma discreta e influenciado por outros efeitos, como o aumento da cotação do minério de ferro.
“Os preços agropecuários têm perdido força, sobretudo milho e soja. Mas tudo isso, obviamente, no atacado. No varejo, o efeito do dólar demora. A nossa estimativa é que o próximo IGP-10 seja de 2,01%, vindo de alta de 3,51% em novembro.”
Fabio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), lembra que leva um tempo para que a redução do câmbio chegue ao preço da maioria dos produtos, sobretudo eletrônicos, que são bens duráveis e estocáveis.
“É preciso uma nova rodada de encomendas de importados para que o consumidor sinta no preço final o efeito. A população deve começar a sentir os efeitos do câmbio por meio de produtos cujo estoque é renovado rapidamente, como os combustíveis e alguns alimentos.”
Ele ressalta, no entanto, que a queda do dólar não deve baratear os preços dos produtos natalinos. “Os produtos de fim de ano já foram encomendados, no período de agosto e setembro. O dólar, na época, estava na casa dos R$ 5,60, cerca de 30% mais alto do que no período em que foram negociados as importações do Natal de 2019.”
Indústria e agronegócio. Presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro diz que o dólar não terá impacto nas commodities. “A safra de soja está toda vendida para 2021 e a de 2022 já foi, em parte, negociada. Para quem vende ou compra produtos, mais importante que um dólar baixo é um câmbio sem tanta volatilidade.”
Ele acrescenta que, no caso da indústria, o câmbio prejudica a exportação de manufaturados, mas que elas já estavam em uma situação difícil por conta das dificuldades enfrentadas pelos países da América Latina, principais destinos dos produtos brasileiros. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Douglas Gavras e Altamiro Silva Junior
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