Apesar do aumento de casos e internações por covid-19 em algumas regiões do Brasil, a cúpula do Ministério da Saúde avalia que não é hora de endurecer restrições para o controle da pandemia, como recomendar o isolamento social, ou reforçar a testagem no País. O alerta somente será disparado, segundo relatos feitos ao Estadão por autoridades que acompanham as discussões, quando houver alta consistente no número de mortes.
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Embora ainda discutam novas medidas a serem tomadas, secretários de Estados e municípios aumentaram a pressão para que o ministério ajude a controlar a pandemia. Além do reforço na estratégia de testes, eles pedem garantias de que o custeio de leitos exclusivos para tratar pacientes da doença será renovado. A preocupação foi levada à pasta em reuniões nas últimas semanas. Isso porque o estado de calamidade que garantiu mais verba para a Saúde vai até 31 de dezembro e no Orçamento de 2021 não há previsão de dinheiro extra para financiar o combate à pandemia.
O comando do ministério acompanha as curvas de casos e mortes nos Estados. Nesta semana, militares da Saúde telefonaram para secretários e fizeram perguntas sobre o crescimento de óbitos. Encerraram as conversas com a certeza de que os números mais elevados eram reflexo do represamento de dados. Algumas notificações levaram dias para entrar no cálculo da doença no Brasil, pois a rede da Saúde ficou fora do ar após ataque cibernético.
Tutelado pelo Palácio do Planalto e sob o comando do general Eduardo Pazuello, a cúpula do ministério adotou postura reticente na pandemia. O discurso do governo Jair Bolsonaro é de que não cabe ao ministério impor medidas para restringir a circulação de pessoas, como o fechamento de comércios e escolas, por exemplo, mas aos Estados e municípios. Na prática, a pasta nem sequer estimula este debate, mas afirma que cumpriu com a sua parte ao entregar respiradores, custear leitos e repassar recursos para compra de insumos.
O ministério, porém, abandonou metas essenciais para o controle da pandemia, como de realizar 24,2 milhões de testes PCR – considerado “padrão ouro” – no Sistema Único de Saúde (SUS) até dezembro. O produto detecta a presença do vírus nos pacientes e ajuda a estratégia de isolar infectados, quebrando cadeias de transmissão. A rede pública fez até agora só 4,8 milhões destes exames, ou seja, cerca de 20% do previsto.
Formada principalmente por militares, a cúpula da Saúde ainda aguarda posição do Palácio do Planalto para se manifestar sobre o recrudescimento da doença em algumas regiões do País, segundo autoridades que acompanham os debates no ministério. Uma barreira é a visão de Bolsonaro sobre o tema. Na segunda-feira, 16, o presidente disse que a economia poderia não dar conta de um novo lockdown. Assim, antes de receber uma diretriz do Planalto, a expectativa de especialistas e autoridades é de que a Saúde deve entregar respostas cautelosas sobre o aumento de casos do novo coronavírus. Em nota enviada ao Estadão sobre possível “segunda onda’, a pasta disse apenas que mantém “vigilância contínua da circulação do vírus em todo território nacional” e presta apoio “aos Estados e Municípios para o enfrentamento à covid-19”.
A postura reticente do ministério foi evidenciada nesta quarta-feira, quando uma simples mensagem nas redes sociais da pasta foi apagada por citar “isolamento social” como medida para segurar o vírus, além de reconhecer que não há vacina ou cura para a doença. Apesar de seguir a cartilha de entidades científicas e da Organização Mundial da Saúde (OMS), a publicação estava na contramão do presidente Jair Bolsonaro, que minimiza a gravidade da doença, dispensa máscara, provoca aglomerações e estimula uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19, como a hidroxicloroquina.
Para especialistas, a estratégia do ministério pode descontrolar ainda mais a pandemia no Brasil. “Será uma ação tardia, se deixar para agir após o aumento de óbitos. Este é o último dado que vai registrar alta. São semanas até se traduzir em aumento nos óbitos”, afirmou Marcelo Gomes, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador da plataforma InfoGripe.
Segundo apurou o Estadão, ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tem dito a interlocutores que, apesar do aumento de casos em alguns locais, não espera a mesma proporção de mortes do começo da pandemia. O general afirma que é preciso observar o comportamento do “novo ciclo” da doença na Europa para compreender o possível recrudescimento da pandemia no Brasil. Ele analisa que o correto é avaliar a doença em ciclos em vez de ondas.
Pazuello também argumenta que o tratamento do coronavírus avançou, mesmo sem cura ou vacina. Na gestão do militar, a Saúde cedeu a pressões do presidente Jair Bolsonaro e passou a recomendar o uso da hidroxicloroquina, contrariando a OMS e entidades como a Sociedade Brasileira de Infectologia.
O ministro afirmou a auxiliares que ainda não vê razões para reforçar as medidas de proteção, pois o aumento da contaminação seria normal neste momento de relaxamento do distanciamento social. Para ele, a curva de óbitos é o indicador de que é preciso agir.
Para o sanitarista, professor da USP e primeiro presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina, a estratégia do ministério mostra “despreparo” de quem “não entende de epidemiologia”. “Para variar, a falta de liderança do ministério acaba levando a esse desastre.”
Alerta
O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, disse, por meio de sua assessoria, que tem notado o aumento de casos e maior taxa de ocupação de leitos, principalmente nas Regiões Norte e Nordeste. “A Europa já vive sua segunda onda. É questão de tempo ela chegar ao Brasil”, constatou ele, ao cobrar a manutenção de cerca de 5 mil leitos de UTI, abertos na pandemia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Mateus Vargas
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