Os elogios ao presidente Jair Bolsonaro durante o jogo entre Brasil e Peru, transmitido na terça-feira, 13, pela TV Brasil – emissora pública do Executivo federal, que integra a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) -, não apenas reacenderam a disputa entre aliados do Planalto e oposição como podem configurar crime de responsabilidade ou improbidade administrativa por parte dos gestores da rede estatal. Na avaliação de analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, os agrados a Bolsonaro na transmissão afrontam o princípio da impessoalidade previsto na Constituição, que proíbe promoção pessoal de agente público em programas oficiais.
O narrador da partida, André Marques, mandou “abraço especial” para Bolsonaro nos dois tempos da partida. No intervalo, houve repercussão da sanção do projeto que mudou as regras da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e da audiência pública na qual o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse no Senado que o governo é responsável por apenas 6% da área do Pantanal. No segundo tempo, o narrador voltou a fazer uma saudação ao governo e leu uma nota de agradecimento à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em nome do secretário executivo do Ministério das Comunicações, Fábio Wajngarten.
A pedido do governo, a CBF fez a intermediação com a federação peruana e a TV Brasil foi o único canal aberto a transmitir o jogo. “Pela Constituição, a publicidade oficial deve ter caráter educativo, informativo e social. Não pode ter promoção do agente público ou de qualquer outro servidor, como o presidente ou um ministro”, afirmou Thiago Lima Breus, professor adjunto de Direito Administrativo e Gestão Pública da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Na avaliação do jurista, Bolsonaro pode ser acusado de crime de responsabilidade – caso que pode originar um pedido de impeachment. Os gestores da TV Brasil correm o risco de responder por improbidade administrativa.
Segundo o professor de Ética e Filosofia da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, há prevaricação no uso da TV pública para propagandear o governo. “A prevaricação – é disso que se trata – no uso de um meio público de informações, mesmo esportivo, segue a linha geral de uma política autoritária, muito comum no Brasil. De Getúlio Vargas aos militares no poder imposto em 1964, muitos jornalistas se prestaram ao papel de empregados do governante, não de comunicadores que devem servir ao público de todos os partidos e ideologias”, disse.
O presidente Jair Bolsonaro foi procurado por meio de sua assessoria, mas não respondeu.
A Justiça já puniu agentes públicos por uso da comunicação oficial para autopromoção. Um dos casos envolveu o ex-ministro e ex-governador do Rio Moreira Franco (MDB). Em 1998, ele foi condenado a ressarcir R$ 400 mil ao Estado por utilizar a imprensa oficial para imprimir um livro sobre sua gestão. A decisão foi mantida, à época, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Não é correto que numa emissora estatal se faça adulação para prestigiar o presidente da República, assim como não é correto nem ético o uso de qualquer equipamento público para favorecer a imagem pessoal de um funcionário público. O Estado tem dever de impessoalidade”, afirmou o jornalista e professor da ECA-USP Eugênio Bucci.
Filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) compartilhou no Twitter números de audiência da TV Brasil durante o jogo – a emissora pública tinha 12,8% do total da audiência em Brasília às 22h12, na frente da Record (3,6%) e atrás da Globo (23%), líder dos canais abertos.
A Kantar Ibope Media, que faz a medição da audiência, confirmou os números publicados pelo deputado. Além disso, divulgou que a transmissão do jogo pela TV Brasil registrou uma média de audiência de 6,59 pontos. Em Brasília, o índice representa 66.284 mil televisores ligados na partida.
A transmissão do jogo foi elogiada por governistas e muitos destacaram os picos de audiência da emissora que o chefe do Planalto já prometeu extinguir ou privatizar. Não faltaram, porém, críticas da oposição, que viu um tom eleitoreiro na exibição da partida. Também no Twitter, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) usou de ironia para comentar a partida. “Jogo da seleção passando no canal estatal. Narrador mandando abraço pro presidente. No intervalo, notícias do governo. Não, você não está na Coreia do Norte, é o Brasil mesmo”, escreveu ele.
Ao ser eleito em 2018, Bolsonaro prometeu privatizar ou mesmo extinguir o canal oficial do governo. Nas redes sociais, internautas compartilharam vídeos com declarações do presidente sobre o assunto.
Negociação
Wajngarten conduziu as negociações para que a TV Brasil transmitisse a partida, tratando diretamente com o secretário-geral da CBF, Walter Feldman. Após o governo federal fazer o pedido de transmissão à confederação, a resposta foi que os direitos do jogo pertenciam à Federação Peruana de Futebol, por meio de sua representante, a GolTV Peru.
A CBF, no entanto, abriu negociação direta com a Federação Peruana. Restando pouco mais de uma hora para o início da partida, a entidade, então, conseguiu a liberação dos direitos desde que o jogo fosse transmitido exclusivamente por uma TV pública e também pelo site oficial da entidade.
A TV Globo tem o direito de transmitir os jogos das seleções brasileira e argentina como mandantes nas Eliminatórias e não chegou a um acordo para a partida de anteontem contra o Peru. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Daniel Weterman, Márcio Dolzan, Matheus Lara e Ricardo Galhardo
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