Entre 30 de setembro e 7 de outubro, a capital paulista alcançou quatro das cinco maiores temperaturas do registro histórico, acima de 37°C, em meio a uma onda de calor que atingiu o Sudeste e o Centro-Oeste com quebras de recordes consecutivas. Esse calorão extremo, porém, é cada vez menos uma exceção. Em São Paulo, os dias com altas temperaturas nos meses de setembro e outubro têm sido mais frequentes na última década, em um sinal do aquecimento pelo qual passa o planeta inteiro.
É o que revela uma análise sobre dados coletados pela estação meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da USP, de 1933 a 2019, para os meses de setembro e outubro, quando é mais comum ocorrerem os extremos de temperatura. Como são meses, em geral, com poucas nuvens, o Sol incide direto na superfície, aquecendo-a rapidamente. No verão, quando é mais úmido, apesar do calor, dificilmente os dias batem o calor extremo.
No período de 30 anos entre 1960 e 1990, um terço dos meses de setembro e de outubro teve mais do que três dias com extremos de temperatura (igual ou maior que 31,1ºC para setembro e igual ou maior que 32°C para outubro). Nos últimos 20 anos, metade dos meses de setembro e de outubro apresentou mais do que três dias nessas condições.
Outro levantamento, feito pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), aponta que no mês de outubro as dez maiores temperaturas registradas para o mês na estação do Mirante de Santana, onde a medição começou a ser feita em 1943, ocorreram a partir de 2012 na capital. O valor mais alto – e também o recorde histórico geral para a capital – é de 17 de outubro de 2014, com 37,8°C. Os três seguintes foram registrados neste ano (37,4°C no dia 2; 37,3°C no dia 7; e 37,1°C, dia 1º).
Frio mais raro
Outro indício do aquecimento pode ser notado com a evolução dos dias mais frios, que se tornaram menos frequentes na cidade. Dados do IAG revelam que, entre 1960 e 1990, 17 meses de setembro tiveram mais de três dias com temperaturas iguais ou inferiores a 10,3°C.
Para os meses outubro, em 23 deles houve mais do que três dias com extremos de temperatura mínima (igual ou abaixo de 12,1°C). Desde 2000, tanto em setembro quanto em outubro, só cinco anos alcançaram a marca.
“O aquecimento global da atmosfera está influenciando as temperaturas no mundo inteiro e particularmente algumas regiões, piorando o efeito já conhecido de ilha de calor”, disse ao Estadão o físico e meteorologista Tércio Ambrizzi, pesquisador do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP.
O efeito de ilha de calor é bastante conhecido dos paulistanos e de outras áreas densamente urbanizadas, em que houve redução da arborização e aumento da área cinzenta. O resultado é que temos um número cada vez maior de dias mais quentes e noites menos frias, o que eleva também a temperatura média da cidade.
Os dados do IAG mostram que, neste século, na maior partes dos meses de setembro a cidade teve temperaturas médias superiores à média climatológica observada de 1981 a 2010, de 17,5°C. Nos anos de 2004, 2015 e 2017, o aquecimento para setembro foi superior a 2°C. “Os gráficos mostram que houve máximas em outros anos. É possível ter oscilações de um dia para o outro, mas a tendência no longo prazo é de aumento da temperatura”, diz Ambrizzi.
Considerando o período de um ano inteiro, a temperatura média da cidade já está cerca de 1°C mais quente, seguindo a tendência mundial de rápido aquecimento. Estudo de 2010 que avaliou as vulnerabilidades da Região Metropolitana de São Paulo às mudanças climáticas estimou que até 2040, o aumento da temperatura média pode ser entre 1,7°C e 3,6°C e, para 2080, entre 2,1°C e 6°C.
Globalmente, os dez anos mais quentes do registro histórico ocorreram nos últimos 15 anos. Setembro bateu novo recorde e há expectativa de que 2020 pode ser o novo ano mais quente, o que ameaça o cumprimento do Acordo de Paris, que estabelece como meta tentar conter o aquecimento do planeta a menos de 2°C até 2100.
Desastres naturais
O número de eventos climáticos extremos têm aumentado de frequência, intensidade e severidade em todo o mundo em decorrência das mudanças climáticas, de acordo com o relatório Estado dos Serviços Climáticos de 2020, lançado hoje pela Organização Meteorológica Mundial.
Segundo o estudo, o número de mortes por desastre caiu um terço nos últimos 50 anos, mas o de desastres aumentou cinco vezes e as perdas econômicas cresceram sete vezes. Foram 2 milhões de mortes e perdas avaliadas em US$ 3,6 trilhões.
Ameaças à saúde
– Hipertermia: Com a onda de calor recente, o Inmet fez um alerta de que havia risco real de morrer de calor em algumas partes do Brasil. Isso pode acontecer quando a temperatura corporal sobe para mais de 40ºC, o que ocorre quando o corpo produz (no caso de febre) ou absorve mais calor do que consegue eliminar para o ambiente. Isso pode causar alterações no estado mental, comprometimento de órgãos e risco de morte.
– Doenças cardiovasculares: Um dos principais perigos das altas temperaturas é o de piorar doenças cardiovasculares. Estudos da Fiocruz realizados em várias cidades do Brasil revelaram que a cada grau de aumento da temperatura, sobe também a ocorrência de doenças cardiovasculares. Em Cuiabá, hoje, cerca de 1% a 5% das mortes são atribuídas ao calor. No futuro, com o aquecimento, podem ser 30%.
– Doenças transmissíveis: Doenças transmitidas por mosquitos podem aumentar sua área geográfica de ocorrência com o aumento das temperaturas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Giovana Girardi
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