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‘O Brasil sai da crise mais fragilizado’

À frente da Itaúsa, holding de investimentos que tem no portfólio empresas como Itaú Unibanco, Duratex e Alpargatas, Alfredo Setubal acredita que a retomada da economia brasileira após a crise da covid-19 deve ser lenta. “Vamos ver o desemprego ainda muito alto, para depois reduzir aos poucos. E o cenário internacional também não deve ajudar.”

Em entrevista às vésperas do evento anual em que a companhia debate as estratégias e as perspectivas do negócio – que acontece hoje, em formato completamente digital -, Setubal ressalta que, apesar da conjuntura econômica, a queda nos juros nos últimos anos trouxe mudanças positivas para a Itaúsa. “Hoje é possível fazer captações a longo prazo com taxas mais baixas. Há essa vantagem financeira.”

Para amenizar os efeitos da crise, Setubal cita a necessidade de o Brasil ser mais eficiente e menos corporativista. E, em tempos de cobrança cada vez maior para que as empresas adotem as melhores práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês), Setubal reforça o compromisso com esses valores. “Faz parte do nosso DNA, não é marketing. As famílias controladoras – Moreira Salles, Setubal e Villela – estão no Brasil para ficar, moram aqui e vão permanecer, apesar de todas as dificuldades.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como está sendo planejar e gerir investimentos nesses tempos de pandemia?

Não se pode investir pensando no curto prazo. E nós sabemos que (a economia do) Brasil é um eletrocardiograma, nos acostumamos a isso. Mas, nos últimos anos, desde o governo Michel Temer, o juro real começou a cair – e, hoje, pelo menos para parte da sociedade, considerando a inflação, ele já é negativo. E o que isso muda para a Itaúsa? Hoje você consegue fazer investimentos com taxas de retorno reais muito atraentes, principalmente se alavanca isso (com empréstimos). É possível fazer captações a longo prazo com taxas mais baixas. Há essa vantagem financeira. Mas, em relação à conjuntura econômica, a gente não vê o Brasil crescendo muito. Antes, a gente pensava que, se o Brasil crescesse de 2% a 3%, estava ótimo. Agora a gente mal vê esses 2% – a não ser no ano que vem, porque a base de comparação vai ser muito fraca. E o Brasil não cresce muito porque sai da crise mais fragilizado, com a dívida subindo e pressão para aumentar gastos. O crescimento potencial é de 1% a 2% ao ano, não mais do que isso.

A retomada vai ser desigual?

A retomada vai ser lenta, porque a economia do Brasil é dividida assim, a grosso modo: 25% estão com o agronegócio, que vai muito bem; 15%, com a indústria; e 60% ficam com o setor de serviços. E isso vai demorar a recuperar: viagens, hotéis, restaurantes, cinema, teatro… Vamos ver o desemprego ainda muito alto, para depois reduzir aos poucos. E o cenário internacional também é complicado, não deve ajudar.

E o que se pode fazer para reverter esse cenário?

Reduzir impostos, fazer as reformas… O Brasil é um país muito ineficiente. Você tem algumas ilhas de eficiência, setores com vantagens competitivas, como o agronegócio e a celulose, e algumas empresas como a Weg, que consegue competir em nível global. Mas o Brasil precisa caminhar nessa direção, somos muito corporativistas, tanto no setor privado quanto no público. Todo mundo pensa muito no individual e muito pouco no coletivo.

As concessões, nesse cenário, podem ser tábua de salvação?

Sim, como o juro está muito baixo, dá para atrair capital para investimento em infraestrutura, em saneamento, estradas e aeroportos. As taxas de retorno no exterior estão muito baixas, há atratividade. É possível que, com uma boa lei de saneamento, consigamos atingir a meta de ter mais de 90% das casas com água e esgoto até 2030. O dinheiro virá, mas tem de ter segurança jurídica. Até porque, no setor industrial, que depende da demanda interna, tem muita capacidade ociosa. Não se vai investir um prego em uma fábrica nova.

E qual vai ser o impacto dessa crise nos bancos, em função dos calotes?

Essa crise não é comparável a nenhuma outra – nós vínhamos correndo e batemos em um muro, de repente. Não foi piorando aos poucos. Nesse ponto, nós fizemos muita provisão adicional para as nossas carteiras de crédito no primeiro e no segundo trimestres. Mas achamos que vai ser uma crise longa. A gente ainda não tem uma noção muito clara (da inadimplência), pois a crise fez com que a gente prorrogasse os contratos. Então, vamos ver o real impacto de tudo isso quando as dívidas começarem a vencer novamente. Mas, do lado bom, a economia está indo, de forma geral, um pouco melhor do que se esperava.

Além do cenário de dificuldades macro, o Itaú deve enfrentar agora um aumento da concorrência. Como fica a participação do banco no portfólio da Itaúsa?

Alguns anos atrás, tomamos a decisão de ter uma gestão de portfólio mais ativa, mas definimos que não mexeríamos na posição do banco, que gira em torno de 38,5% das ações. A partir disso, começamos a refazer o portfólio: vendemos a Elekeiroz e fechamos a Itautec. Para o setor financeiro, o cenário mudou muito, com a entrada das fintechs e das empresas de investimento. Mas a visão é de que o banco continuará a ser grande, relevante e rentável. Apesar desse ataque à posição (do Itaú), decidimos investir em digitalização, mas investindo no Itaú, e não em construir outras marcas. É claro que fazer esse movimento com um banco tão grande não é fácil. Nós somos um transatlântico, então os movimentos são um pouco mais lentos.

E qual é o perfil de investimento da Itaúsa?

Estamos construindo um portfólio de participações em empresas já consolidadas. Não estamos buscando startups. Nosso portfólio mostra isso. Em parceria com a família Moreira Salles, temos a Alpargatas, que é dona da Havaianas; a Duratex, que tem marcas como Deca, Hydra e Portinari; e agora estamos comprando a Liquigás, da Petrobrás, junto com a família Zahran, controladora da Copagaz. Essa operação ainda depende da aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O nosso tíquete médio de operação vai variar entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões. Temos de ser parte do acordo de acionistas para ter alguma influência, porque alguns aspectos de governança a gente não abre mão. Em dez anos queremos participar de 10 a 12 empresas com investimentos de longo prazo.

Como é a política da empresa para os elementos ESG (meio ambiente, sociedade e governança, na sigla em inglês)?

Esses são valores de longo prazo da Itaúsa. O importante é que o nosso comprometimento com o apoio à cultura, às artes e às causas sociais é legítimo. Faz parte do nosso DNA, não é marketing. E a gente vai se aprimorando. As famílias controladoras – Moreira Salles, Setubal e Villela – estão no Brasil para ficar, moram aqui e vão permanecer, apesar de todas as dificuldades. E a doação de R$ 1 bilhão em meio à pandemia serviu como um gatilho, uma provocação. A partir disso, o Brasil arrecadou R$ 7 bilhões em doações de empresas.

Qual sua opinião sobre iniciativas como a do Magazine Luiza, que fez um programa de trainee só para candidatos negros?
Achei muito bacana. É uma empresa do século 21: usa tecnologia, se preocupa com diversidade, não tem medo de enfrentar (opiniões contrárias). O Frederico Trajano está no conselho do banco. Está super antenado, e fez essa provocação. Mostra que a empresa é moderna e vê real valor na diversidade.

Como está o processo de sucessão do Itaú, que deve ocorrer nos próximos meses?

A gente fez a sucessão do Roberto (Setubal) para o Candido (Bracher) há quatro anos. Ele foi excelente, enfrentou momentos difíceis e teve presença muito forte durante a pandemia. E agora vamos para um novo momento. Será uma sucessão interna, há vários nomes muito bons. Estamos muito tranquilos. O Candido tem de sair, no máximo, em abril. Essa pessoa nova deve conviver um tempo com ele, fazer alguns meses de transição.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Fernando Scheller e Cátia Luz

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