Quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, admitiu pela primeira vez, na quinta-feira, que o fogo no Pantanal tomou “proporção gigantesca”, a maior série de queimadas no bioma em décadas tinha alcançado seu ápice. Na avaliação de especialistas, o ritmo das ações do governo federal para conter os incêndios indica demora e uma oferta de recursos e infraestrutura incompatíveis com o tamanho da devastação. Por outro lado, organizações não governamentais e voluntários agem para frear o avanço do fogo na região.
Somente no Parque Estadual Encontro das Águas, que abriga grande concentração de onças-pintadas, a destruição alcançou 85% dos cerca de 108 mil hectares, segundo cálculos do Instituto Centro de Vida, que monitora queimadas no País. Fundamental para a preservação do felino, a área atrai milhares de turistas ao Pantanal todos os anos.
O descompasso entre Brasília e o fogo estava evidente há semanas para ONGs, especialistas e voluntários. Professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Thadeu Sobral avalia que uma parcela importante do trabalho de contenção não foi assumida pelo poder público. “O que a gente sente é que quem toma a liderança dessas questões são o terceiro setor e as universidades. Temos vários amigos na linha frente de combate ao fogo. Precisamos entender o que ele está causando na biodiversidade e não temos visto os governantes sentados para conversar”, reclama.
No Pantanal, ONGs trabalham tanto para conter as chamas quanto para resgatar animais feridos e providenciar alimentos aos que conseguiram sobreviver. A ONG Panthera tem uma fazenda de cerca de 10 mil hectares. Da área, cerca de 6 mil hectares são acessíveis e poderiam ser poupados do fogo para servir de moradia para a fauna. Cerca de metade desta parte foi salva, o que para a entidade foi uma vitória.
“É um pouco complicado avaliar se (o Estado) foi eficiente. Foi um incêndio nunca antes visto. Quanto mais aparato estatal, bombeiros, Exército, ICMbio (órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pelas unidades de conservação), melhor seria. Mas as linhas de fogo de quilômetros eram situação em que não se tinha muito o que fazer”, pondera Fernando Tortato, pesquisador da Panthera.
Juntar esforços. Outros integrantes de ONGs são mais enfáticos. “Temos o pior incêndio de todos os tempos e o que o governo faz para mitigar? São as ONGs que precisam construir postos anti-incêndios? Não são, mas, como vemos que não tem apoio, vamos juntar os esforços e criar”, afirmou Raquel Facuri, diretora da Ampara Animal.
Entre pantaneiros que buscam minimizar as consequências das queimadas que afetaram 15% do Pantanal, há um argumento de que o bioma é resiliente e, por isso, dentro de um ou dois anos, tudo estará de volta no seu devido lugar. “A quantidade de chuva que veio de julho do ano passado até agora foi muito pouca, colocou pouca água dentro do Pantanal. A gente nunca espera uma coisa (as queimadas) desse tamanho”, afirmou Ivan Costa, presidente da Associação de Defesa do Pantanal (Adepan), entidade que reúne os produtores.
Biólogos afirmam que ainda é cedo para descartar impactos e, caso eles ocorram, pode haver severo desequilíbrio no ecossistema. Como exemplo, o professor da UFMT Victor Landeira destaca que o fogo deixa pelo caminho nutrientes que deveriam estar presos à vegetação. Com as chuvas, o material vai parar dentro de rios e alagados, criando outra vegetação que tomará o oxigênio que deveria ser dos peixes. “O Pantanal pode vir a ter uma cara diferente nos próximos anos.”
Ação de governo. Desde o primeiro semestre, a falta de chuvas já prenunciava tempos difíceis na região. A fauna e a flora pantaneiras ardem desde julho, mas medidas emergenciais do governo só começaram a aparecer nos últimos dias – quando mais uma vez cresceram as críticas sobre a gestão da crise ambiental. Em 25 de julho, a pedido do governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), o Exército enviou ao Estado um helicóptero e um avião. Na véspera, Azambuja havia declarado estado de emergência por causa de grandes queimadas próximas de Corumbá.
m 18 de agosto, Salles foi ao Pantanal para um rápido sobrevoo. Na ocasião, acompanhou o início do funcionamento de aviões agrícolas que passariam a ajudar no combate às chamas. Foi o primeiro compromisso público do ministro para tratar das queimadas no bioma. Em agosto, o fogo no Pantanal foi quase o dobro do registrado no mesmo mês de 2019. Mas, nesse período, Salles se via às voltas com a polêmica suspensão do combate ao desmate ilegal por causa de bloqueio orçamentário, medida da qual mais tarde o governo recuou, reagindo à pressão interna e externa.
A viagem de Salles não surtiu resultados para o combate aos incêndios. Com a mobilização de entidades ambientais na última semana, o governo mandou o ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, a Mato Grosso, anunciar recursos. Ao todo, a pasta liberou R$ 13,9 milhões para o enfrentamento das queimadas. As medidas apareceram na esteira de uma série de reportagens do Estadão que mostraram prejuízos à natureza e ao trabalho de pantaneiros e voluntários.
O presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer na quinta-feira que o Brasil estava “de parabéns” pela maneira como preserva o meio ambiente, quando a área atingida pelos incêndios no Pantanal se aproximava dos 3 milhões de hectares. Anteontem, avião em que Bolsonaro estava chegou a arremeter na chegada em Mato Grosso por causa da baixa visibilidade causada pela fumaça das queimadas.
Por presidir o Conselho da Amazônia e ser o foco das críticas internacionais à política ambiental brasileira, o vice-presidente Hamilton Mourão é outra autoridade do governo cobrada sobre o tema. Nas entrevistas, o tom usado por Mourão é de que o governo fez o que podia. “É um problema de seca que se arrasta há alguns anos na região. Está queimando de cá, está queimando de lá, na Bolívia, na Argentina.”
De julho a agosto, o Ministério da Defesa enviou 200 homens para atuar contra queimadas em cidades como Poconé e Barão de Melgaço (MT). Para comparação, cerca de 100 militares da Força Nacional foram enviados para a Bahia para conter conflitos em assentamentos da reforma agrária no extremo sul do Estado. Em nota enviada na sexta, a Defesa informou que as Forças Armadas coordenam operação que emprega, neste momento, 542 profissionais. Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu. Já o Planalto informou que não se manifestaria.
A Rede foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) cobrar uma força-tarefa. “O Pantanal está sendo consumido pelas chamas, mas o governo federal fica de braços cruzados. Solicitamos ao procurador-geral da República que as medidas legais sejam devidamente tomadas”, disse o senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Uma comissão temporária do Senado foi instalada para acompanhar o problema. Para o presidente Bolsonaro, as queixas têm motivação política.
Eduarda, uma guerreira em defesa das onças
A guia turística Eduarda Fernandes, de 20 anos, tem o rosto de uma onça-pintada tatuado no antebraço esquerdo. É a espécie que apresentava com mais entusiasmo a grupos de viajantes nas margens dos rios do Pantanal. No combate ao incêndio, nos últimos meses, a jovem despontou como uma liderança que traduz a importância do trabalho desempenhado por voluntários na linha de frente da defesa do patrimônio natural.
De Cuiabá, Eduarda vive e acompanha o Pantanal desde os 15. Especializou-se na prestação de serviços a turistas e, neste ano, viu-se obrigada a agir em defesa da região que a conquistou. Ainda em julho, procurou autoridades locais em busca de ajuda para tomar providências em defesa dos animais que começava a ver mortos nas redondezas.
A resposta não foi eficaz. Decidiu, então, agir por conta própria. Começou a acionar ONGs e voluntários de várias partes do País, até perder as contas de quantas organizações e pessoas conseguiu mobilizar.
A pousada do namorado, João Paulo, virou uma base para alojar voluntários e oferecer os primeiros socorros a animais feridos. “O governo precisa de tempo para se organizar, tem muita burocracia. Eu nunca tinha feito isso antes, até porque nunca tinha visto uma situação dessas. Vi os animais queimados e senti que alguém precisava fazer alguma coisa”, contou.
Entre pantaneiros que buscam minimizar as consequências das queimadas que afetaram 15% do Pantanal, há um argumento de que o bioma é resiliente e, por isso, dentro de um ou dois anos, tudo estará de volta no seu devido lugar. “A quantidade de chuva que veio de julho do ano passado até agora foi muito pouca, colocou pouca água dentro do Pantanal. A gente nunca espera uma coisa (as queimadas) desse tamanho”, afirmou Ivan Costa, presidente da Associação de Defesa do Pantanal (Adepan), entidade que reúne os produtores.
Biólogos afirmam que ainda é cedo para descartar impactos e, caso eles ocorram, pode haver severo desequilíbrio no ecossistema. Como exemplo, o professor da UFMT Victor Landeira destaca que o fogo deixa pelo caminho nutrientes que deveriam estar presos à vegetação. Com as chuvas, o material vai parar dentro de rios e alagados, criando outra vegetação que tomará o oxigênio que deveria ser dos peixes. “O Pantanal pode vir a ter uma cara diferente nos próximos anos.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Vinícius Valfré
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