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Em São Paulo, cumprimento de metas na Prefeitura ainda é desafio

O tempo gasto diariamente pela enfermeira Danielly Alves dos Santos, de 25 anos, para chegar ao trabalho seria suficiente para uma viagem de 227 km de carro entre São Paulo e Ubatuba, no litoral norte. Moradora de São Miguel Paulista, no extremo da zona leste, ela gasta três horas por dia para ir ao serviço de transporte público, entre dois ônibus, trem e metrô. “Preciso sair de casa às 5h para chegar às 8h no trabalho.”

Assim como a enfermeira, milhares de trabalhadores paulistanos têm de madrugar para conseguir chegar ao serviço. Uma realidade que poderia ter sido amenizada caso os últimos prefeitos tivessem cumprido seus planos de metas. Previsto em lei desde 2008, esse instrumento estipula o que deve ser prioridade ao longo da gestão. Juntos, Gilberto Kassab (PSD) e Fernando Haddad (PT) projetaram 216 km de corredores de ônibus. As obras, porém, não ficaram prontas.

Desde que a lei entrou em vigor, nenhum prefeito cumpriu mais que 56% das metas estabelecidas no início da gestão. Bruno Covas (PSDB), por exemplo, que vai tentar a reeleição em novembro, só entregou 23% dos compromissos que assumiu ao receber o cargo em abril de 2018. Além disso, o site de acompanhamento das metas da Prefeitura está fora do ar desde fevereiro.

Os prefeitos anteriores também tiveram dificuldade com metas para moradia. Após três gestões, Mariana Rosa da Silva, de 36 anos, segue na fila por uma unidade habitacional. Em 2011, ela foi retirada do lugar em que morava com a família, próximo à Avenida Hebe Camargo, em Paraisópolis, na zona sul. “Derrubaram meu barraco e não me deram nada em troca. Fiquei quase um ano vivendo de favor na casa de um amigo com duas crianças pequenas.” Em 2012, ela passou a receber o aluguel social, recurso pago pela Prefeitura em caráter de urgência, mas não foi contemplada com moradia.

O descumprimento do plano de metas também traz impactos para a Saúde. Prometido por Kassab, Haddad e Covas, o hospital da Brasilândia, na zona norte, passou a funcionar apenas durante a pandemia da covid-19. Se estivesse aberto antes, o confeiteiro Ricardo Abrantes Brito dos Santos, de 27 anos, não precisaria ter levado o pai a duas unidades de saúde distantes de casa – ele morreu vítima do Sars-Cov-2. “Se tivesse já o hospital, talvez não teria tanta correria, a gente teria uma referência de onde ir e teria mais informações.”

Falta ao País uma cultura de planejamento, diz Gabriela Lotta, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia. “O plano de metas, assim como o Plano Plurianual e outros, acabam virando uma peça de ficção”, diz. “Existe uma descrença coletiva em torno deles.” Segundo Gabriela, os tribunais de contas deveriam cobrar o cumprimento desses compromissos. Para o sociólogo Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, cabe ao eleitor acompanhar o andamento dos projetos. “A grande questão é que o eleitor deposita os votos e não acompanha.”

Na busca por metas factíveis com o orçamento municipal e as necessidades da população, a Rede Nossa São Paulo, idealizadora da lei que tornou o programa obrigatório na cidade, vai lançar na terça-feira “metas de referência” para os candidatos.

Referência

Segundo a coordenadora do grupo, Carolina Guimarães, o foco deve ser redução da desigualdade. “É preciso ter a visão de que a cidade e suas problemáticas não mudam a cada quatro anos e que demandas e soluções não são temas de direita ou de esquerda”, diz.

O programa é dividido em três eixos, com 50 metas no total. Nessa lista está o compromisso de regionalizar o orçamento e definir investimentos de acordo com a vulnerabilidade de cada região. “Se o investimento for de R$ 1 bilhão, M’Boi Mirim, na zona sul, receberia, per capita, R$ 352. Enquanto o centro expandido, R$ 41. Isso ajudaria a promover o que chamamos de inversão da desigualdade”, diz o coordenador de mobilização do grupo, Igor Pantoja.

Elaboradas em parceria com a Fundação Tide Setubal, as metas de referência propõem ações de curto, médio e longo prazos a partir de leis já aprovadas. “A pandemia veio reforçar que ações isoladas ou pontuais não são suficientes para reverter as enormes e persistentes desigualdades estruturantes. Todos os setores precisam dialogar, se unir e desenvolver soluções concretas e transformadoras para conseguirmos ter até 2030 uma São Paulo mais justa, com reais oportunidades para todos, independentemente de onde vivam”, afirma a socióloga Neca Setubal, presidente do conselho da fundação.

Ex-prefeitos

O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) questionou o critério que considera apenas metas 100% cumpridas, e diz que é preciso considerar metas que foram entregues parcialmente. “É um equívoco conceitural”, diz Haddad. Sobre o hospital da Brasilândia, ele diz que a mera promessa não deveria ser equiparada a avanços que garantiram a construção. “Arrumei o terreno, licitei o projeto, licitei a obra, comecei a obra, deixei dinheiro em caixa para terminar a obra. Isso equivale a dizer que eu e o Kassab fizemos a mesma coisa, porque não entregamos o hospital?”, questiona.

“A lei é um avanço, o que não tem sido um avanço é a aferição da lei, como se mede”, diz Haddad. “Se você começar a medir de maneira injusta, o que vai acontecer é que os prefeitos vão prometer cada vez menos.”

O ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) alegou ter cumprido 81% das metas no segundo mandato, mas incluiu o que considera “legado”. Além das metas cumpridas em 100%, o cálculo considera “projetos contratados, licitações lançadas e definições de terrenos para obras por exemplo, instrumentos que foram deixados como legado”, afirma.

“A apresentação de metas em SP foi implementada em sua gestão”, disse Kassab, em nota. “A definição correta, com o dimensionamento preciso das metas por uma gestão, é importante para transparência para a população e melhor organização de políticas públicas.”

Neste sábado, 15, a Prefeitura informou que 27 em vez das 25 metas, como consta do relatório de fevereiro, estavam completamente cumpridas (38% do total), mas não disse quais. Somadas às metas que são consideradas em “estágio avançado”, segundo a Prefeitura, representariam outros 55% do plano, que também não foram especificadas. “Apenas cinco dos itens elencados no plano estão em atenção (7%). E mesmo nesses casos, a gestão mantém a expectativa de cumprimento total do programa, que só poderá ser plenamente avaliado no encerramento desta gestão, portanto em 31 de dezembro.”

“Ressaltamos que o Programa de Metas tem de ser analisado objetivo a objetivo porque cada um tem características próprias e a fixação de um único índice é um equívoco porque não considera essas particularidades”, diz a Prefeitura.

Covas já está a seis meses sem prestar contas

Às vésperas do início da campanha eleitoral, a gestão Bruno Covas (PSDB), que buscará a reeleição, completa seis meses sem prestar contas à população sobre o andamento de seu plano de metas, instrumento previsto em lei. O site Planeja Sampa, que reúne os dados sobre prazos de obras e desenvolvimento de políticas públicas, está fora do ar desde fevereiro, sem previsão de retorno. A Prefeitura alega problemas técnicos em função da pandemia do novo coronavírus.

Em abril de 2019, um ano após assumir o governo, Covas fez uma revisão do planejamento anterior – apresentado pelo então prefeito João Doria (PSDB) – e ampliou o número de metas existentes de 53 para 71. O foco anunciado foi o investimento em ações de zeladoria. De lá pra cá, o balanço possível de ser feito, com base em dados apresentados até fevereiro deste ano, mostra que a gestão entregou 35,2% dos compromissos assumidos.

A Rede Nossa São Paulo, entidade que idealizou a lei que instituiu a obrigatoriedade de todos os prefeitos eleitos apresentarem um programa de metas 90 dias após a posse, considera a falta de transparência uma falha grave do governo, especialmente por se tratar de um ano eleitoral. Sem informações detalhadas e oficiais sobre a administração Covas, o eleitor terá menos ferramentas para fazer sua escolha em novembro, de acordo com a rede.

A entidade ainda afirma que, apesar das dificuldades, realizou um levantamento minucioso das entregas anunciadas pela gestão no Diário Oficial do Município. Segundo esse trabalho, 23% das metas não tiveram nenhuma entrega efetiva à população, ou seja, seguem em fase de planejamento interno.

Em nota, a Prefeitura alegou problemas técnicos com a versão do site devido à suspensão de atividades não essenciais durante a pandemia do novo coronavírus. Disse ainda que o plano é um “documento orientador de políticas públicas até o final da gestão” e que sua revisão é prevista na legislação municipal. Não informou, no entanto, prazo para a retomada das informações.

Covas é o quarto prefeito a apresentar oficialmente um plano de metas para a cidade. A peça se tornou obrigatória em fevereiro de 2008, quando a Câmara Municipal aprovou uma emenda à Lei Orgânica do Município que dá aos novos prefeitos prazo de 3 meses após sua posse para apresentar seus compromissos pelos quatro anos de mandato.

Desde então, Gilberto Kassab (PSD) e Fernando Haddad (PT) foram os únicos até agora que completaram um mandato à frente da Prefeitura. Ambos deixaram o cargo com pouco mais da metade das metas cumpridas. Covas, no entanto, foi o primeiro a criar uma espécie de bônus para servidores atrelado ao cumprimento das metas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Adriana Ferraz e Bianca Gomes, com colaboração de Tulio Kruse

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