Passadas a incerteza e a falta de informação iniciais da pandemia, médicos relatam que o momento na cidade de São Paulo é de maior segurança para tratar infectados, mas também de cansaço e exaustão por estarem há cinco meses no combate de um surto que não se sabe exatamente quando irá acabar. Além disso, agora eles têm de lidar com uma nova demanda: de pacientes de outras doenças, muitos após adiar tratamentos e cirurgias, que começam a voltar aos hospitais.
“No começo, a sensação era de pânico mesmo. Agora é desgaste físico, emocional”, diz o infectologista Pedro Campana, que trabalha na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Emílio Ribas e na enfermaria do Hospital da Santa Casa de Misericórdia. “Em março e abril, foi muito trabalho para montar o fluxo de atendimento. Era muito estresse por ter de enfrentar uma doença que não se conhecia muito. Faltavam profissionais. Foi muito desgastante.”
Nos meses seguintes, houve a contratação de profissionais de saúde em muitos centros de atendimento, a capital paulista montou quatro hospitais de campanha (Pacaembu, Anhembi, Ibirapuera e Heliópolis) e o medo inicial de que poderia faltar leitos e ventiladores não se concretizou. As redes pública e particular de saúde foram pressionadas, mas não entraram em colapso. Ontem, a taxa de ocupação dos leitos de UTI na capital chegou à média geral de 57,8%, enquanto todas as regiões do Estado estão abaixo dos 80%, os menores índices desde o começo da pandemia.
Reflexo da queda desses números é que a tenda montada na Santa Casa para fazer o atendimento inicial de pacientes sintomáticos respiratórios foi desmontada há duas semanas. “O fluxo diminuiu claramente. Antes, tinha 30 a 40 pacientes na enfermaria. Agora está entre 10 e 20”, conta Campana. O Hospital do Pacaembu foi fechado e a Prefeitura já desativou parte dos leitos no Anhembi.
Isso não significa que os problemas acabaram. “Nosso desafio agora é não entrar em burnout (esgotamento físico e mental ligado à vida profissional)”, diz o médico. Pesquisa com 1.257 profissionais de saúde da China, de março, mostrou que 71,5% relataram angústia e metade disse ter sintomas de depressão.
Nova demanda. O infectologista Natanael Adiwardana atende em dois hospitais privados e em um público da capital. A rotina está “corrida”, com poucas mudanças de março para agora. Ele contou que a diminuição dos casos de covid-19 tem sido substituída pelo aumento da demanda que havia sido reprimida nos primeiros meses de pandemia.
“Cirurgias eletivas que foram desmarcadas, por exemplo; coisas que não eram urgentes estão voltando. E de forma mais agravada”, afirma. “Demandas que sumiram no auge da pandemia, como diabete e pressão alta, aparecem um pouco mais descompensadas”, ressalta.
Os hospitais estão tendo de se readaptar às mudanças. Os protocolos de controle da pandemia continuam existindo, mas o gerenciamento tem sido alterado. “Se antes em um hospital a proporção era de oito alas de UTI de covid para um para outros pacientes. Agora já é de sete para dois, seis para três”, diz Adiwardana.
Segundo Campana, a recomendação de evitar a ida aos hospitais durante a quarentena teve reflexo para alguns grupos – como os pacientes de HIV, uma vez que os serviços hospitalares voltados para eles foram usados por pacientes de covid – e elevar casos de outras doenças, como tuberculose.
A melhor compreensão sobre o coronavírus também traz alertas. A capital ter chegado a um platô no número de casos é óbitos não é sinal de que a pandemia está próxima do fim. “É cruel, porque agora existe um determinante social bem definido. A doença vai ficar mais concentrada em quem utiliza o transporte público, nos bairros periféricos. A tendência é que o SUS (Sistema Único de Saude) fique mais cheio do que os hospitais particulares. Para quem é mais abastado, tem aquela parte descolada que acha que acabou, que quer consumir, ir a restaurante, frequentar o bar. Mas ignoram quem é que trabalha nesses lugares”, diz Campana.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por João Prata
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