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‘Debate atropelado sobre teto pode levar País a feudalismo fiscal’

Especialista na legislação das contas públicas e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, a advogada Élida Graziane alerta para o risco de um debate “atropelado” sobre mudanças no teto de gasto levar o País ao “feudalismo fiscal”, com cada setor querendo o seu “quinhão” em ano eleitoral. Ela afirma que mudanças no mecanismo que condiciona o avanço dos gastos à inflação devem ser feitas junto com o Orçamento de 2021. “O problema do teto neste momento é ‘onde passa um boi, passa uma boiada’. Se não fizer um regramento consistente, voltamos para o puro feudalismo fiscal, terra arrasada.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como a sra. avalia o debate sobre mudanças no teto de gastos?

Se não fizer no momento certo, pode sair atropelado. Perdemos a oportunidade de dar a racionalidade necessária, e (agora) pode virar uma solução tampão.

Qual é esse risco?

Vejo a necessidade de alterar a emenda 95 (que instituiu o teto) desde o projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021. Desde abril, quando foi enviado, venho escrevendo que não se sustenta. Tecnicamente, vai ter problemas. Precisamos aproveitar a LDO para fazer esse debate pausado, impessoal, planejado. Já se sabia que o teto precisaria ser revisto.

Por quê?

A gestão não vai se encerrar em 31 de dezembro deste ano. Não dá para usar crédito extraordinário em 2021 (esses créditos ficam de fora da administração do teto de gastos). O crédito extraordinário na forma do artigo 167 da Constituição exige dois requisitos: a imprevisibilidade e a urgência. Já é previsível o cenário de calamidade que continua no ano que vem. Como é previsível, há o dever de inserir na lei orçamentária.

Há restrição, então, do uso do crédito extraordinário numa situação previsível?

Eles não podem ser usados só porque se declarou calamidade. A calamidade, continuando em 2021, tendo a previsibilidade, não é suficiente para usar crédito extraordinário em 2021. O Supremo vetou o uso de créditos extraordinários para despesas previsíveis.

O governo não pode pegar o que sobrar desses créditos aprovados em 2020 e usar no ano que vem?

Não. O que sobrar de 2020 não dá para usar como restos a pagar (despesas transferidas de um ano para o outro) porque quebra o segundo requisito dos créditos extraordinários, que é o da urgência. O crédito foi aberto para usar em 2020. De uma certa forma, o que o governo está fazendo é fraudar a finalidade do instituto do crédito extraordinário.

Qual a saída?

Um plano bienal de enfrentamento da calamidade. Criando um critério de transição sem romper todas as regras fiscais. Dentro da exceção que já existe no teto, dos repasses federativos via FPM e FPE, os fundos de participação dos Estados e municípios. Eles (Estados e municípios) estão tendo derrocada da arrecadação tributária. Não precisa nem mexer na Constituição para que haja uma autorização da União para sustentar os serviços básicos essenciais, no SUS, na educação.

E a tentativa do governo de usar uma medida provisória para concluir obras com créditos extraordinários?

O TCU (Tribunal de Contas da União) vai refutar e o STF (Supremo Tribunal Federal), com certeza, também. É um desvio de finalidade. É uma fraude. Não tem urgência nem previsibilidade.

O governo diz que essa possibilidade está prevista no ‘orçamento de guerra’. Obras paradas se encaixam?

Que tipo de obra se sustenta nesse artigo? É aquilo que tem correlação imediata com a pandemia. O gestor fazer uma obra meramente cosmética, que não enfrente a pandemia, não cabe. Mas o debate do saneamento básico que melhora as condições da população para se prevenir, nesse momento importa.

A discussão seria obra por obra?

É isso. O governo vai ter de fazer um planejamento já com todo o rol de todas as obras, colocar critérios mais detidos. Tem de ter um planejamento impessoal; senão, vira o curto prazo eleitoral do gestor, só para agradar um curral eleitoral específico.

Qual é o futuro do teto?

Neste momento, é perigoso fazer uma alteração que não tenha critérios. Por isso, a ideia de um plano bienal de gestão da calamidade. É uma justiça fiscal de transição. É um conceito duro, mas é preciso ter a ideia de que a calamidade é comparável à guerra. Fazer a transição de 2021, sem mexer muito na emenda do teto, sem abrir um flanco tão grande. Mais cedo ou mais tarde, teremos de alterar o teto.

Como vê a pressão por gasto?

É o calendário eleitoral. O problema do teto neste momento é onde passa um boi, passa uma boiada. Se não fizer um regramento consistente, voltaremos para o puro feudalismo fiscal, terra arrasada.

O que é isso?

Cada um querendo o seu quinhão na frente dos demais, sem um parâmetro de ordenação legítimo de prioridades. Sem controle. Farinha pouca, meu pirão primeiro.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Adriana Fernandes

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