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‘Raça’ é usada por juíza em pena no Paraná

Em meio a uma sentença de 115 páginas da 1ª Vara Criminal de Curitiba, dada após uma denúncia contra nove pessoas por ‘furtos qualificados e roubos majorados’, chamou atenção um trecho repetido três vezes: “Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça (…)”. Foi dessa forma que a juíza Inês Marchalek Zarpelon se referiu a Natan Vieira da Paz, homem negro de 42 anos que foi condenado a 14 anos e dois meses de reclusão.

A sentença foi proferida em junho, mas ganhou repercussão após a advogada Thayse Pozzobon postar trecho do documento em suas redes sociais. “Associar a questão racial à participação em organização criminosa”, diz a advogada, “revela não apenas o olhar parcial de quem, pela escolha da carreira, tem por dever a imparcialidade, mas também o racismo ainda latente na sociedade brasileira”.

E a reação da Justiça veio ontem, quando a Corregedoria Nacional de Justiça instaurou pedido de providência “a fim de esclarecer os fatos”. Em seu pedido, o corregedor Humberto Martins cita nota pública da Defensoria Pública do Paraná que “externa seu estarrecimento e inconformismo com o teor da sentença proferida”.

14 anos

Na sentença sobre o grupo, as indicações da juíza curitibana aparecem na parte final do documento, na seção em que ela calculou a pena de Natan – que recebeu 14 anos de reclusão, mas poderá recorrer em liberdade. Além dele, a magistrada condenou outras seis pessoas, mas sem nenhuma outra referência a raça.

Logo depois de registrar que ele é réu primário, sem antecedentes criminais, Zarpelon escreveu: “Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta; os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”. O primeiro registro se deu quando a magistrada analisava a pena de Natan relacionada ao crime de organização criminosa. Depois a frase foi repetida duas vezes, durante a fixação da pena base por roubo majorado e por furto qualificado.

A advogada de Natan considera que o julgamento está “maculado” e que a decisão fere toda a sociedade brasileira. “O Poder Judiciário tem o dever de não somente aplicar a lei, mas também, através de seus julgados, reduzir as desigualdades sociais e raciais. Ou seja, atenuar as injustiças, mas jamais produzi-las como fez a magistrada ao associar a cor da pele ao tipo penal”, escreveu Thayse.

‘Sinceras desculpas’

Após repercussão da sentença, a juíza, que atua na 1ª Vara Criminal de Curitiba, divulgou nota afirmando que “em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor” e que “a linguagem, quando extraída de um contexto pode causar dubiedades. No site da Associação dos Magistrados do Paraná ela escreveu: “Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem (…) que não condiz com os valores que todos devemos diuturnamente defender”. E acrescentou: “Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho (pág. 117), ofendi a alguém”.

Em seu texto, a juíza argumentou que “em nenhum momento a cor foi utilizada como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa”.

“A avaliação é sempre feita com base em provas. A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de 100 páginas. Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais. O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo”, disse. Observou ainda que “o racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social.

O trecho polêmico, explica a juíza, “foi retirado de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos nove pessoas que atuavam em praças públicas, praticando assaltos e furtos”. Depois de investigação policial, e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Fausto Macedo e Pepita Ortega

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