Em meio à guerra deflagrada por mudanças no teto de gastos, o Congresso Nacional articula saídas alternativas para conseguir ampliar investimentos públicos sem esbarrar na regra que limita o avanço das despesas à inflação. A justificativa é gerar empregos na fase de recuperação pós-pandemia. As conversas têm sido acompanhadas pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, um dos principais entusiastas do Plano Pró-Brasil de investimentos públicos.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, uma das alternativas em negociação é destinar aos investimentos uma parte dos recursos que hoje estão carimbados em fundos do governo – e que seriam desvinculados para financiar as ações de combate à covid-19. Os parlamentares também querem declarar as obras como medida para enfrentar as consequências econômicas da crise e, assim, abrir caminho para bancá-las com créditos extraordinários. Esse tipo de crédito fica fora do alcance do teto.
Lideranças do Congresso defendem direcionar parte não utilizada dos créditos da covid-19 para os investimentos em infraestrutura. A tentativa de drible no teto de gastos vem na esteira de manobras propostas pelo próprio Poder Executivo para gastar mais sem esbarrar no limite de despesas.
O projeto de desvinculação de recursos dos fundos, de autoria do deputado Mauro Benevides (PDT-CE), pode liberar até R$ 177 bilhões que hoje estão parados e não podem ser usados para bancar outras despesas.
Relator do texto, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) diz que o objetivo é destinar em torno de 15% (pouco mais de R$ 20 bilhões) para bancar os investimentos. “Eu vou mediar para que o projeto seja aprovado”, afirma. O deputado tem consultado lideranças e os presidentes da Câmara e do Senado sobre o tema. Ele também conversou com Marinho.
Segundo ele, a sugestão do governo apresentada por Marinho é incluir também recursos dos fundos para medidas de geração de emprego e habitação.
Negociação
O ministro do Desenvolvimento Regional tem feito um corpo a corpo com parlamentares para apresentar seu plano de investimentos e angariar apoiadores no Congresso. De acordo com interlocutores, ele tratou do tema com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Procurados, nenhum deles retornou aos pedidos da reportagem.
Em versões preliminares, o Pró-Brasil reuniria de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões em investimentos, divididos em 137 obras com execução entre 2021 e 2022, de acordo com relatos de congressistas que tiveram acesso ao plano.
Existe uma disposição dos parlamentares em destinar de R$ 15 bilhões a R$ 16 bilhões dos fundos para bancar a revitalização do Rio São Francisco e obras de saneamento, mas Marinho também quer reservar recursos para a habitação. O temor, porém, é incluir muitas áreas e acabar comprometendo o avanço da proposta.
A liberação dos recursos dos fundos garante fonte de receitas para bancar despesas que hoje precisam ser feitas via emissão de dívida. Na prática, a medida aliviaria a pressão sobre o Tesouro Nacional de conseguir novos empréstimos no mercado, pagando juros, para fazer frente aos gastos para combater a covid-19.
Para driblar o teto de gastos, parlamentares têm discutido com a área econômica do governo o alcance do artigo 3.º do chamado “orçamento de guerra”, que flexibiliza as regras fiscais para gastos que tenham como objetivo “enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas”. A ideia é enquadrar obras nesse artigo e abrir caminho aos créditos fora do teto.
Fontes da equipe econômica têm avaliado com cautela as negociações e alertam que é preciso uma “defesa robusta” para justificar um investimento bancado com crédito extraordinário, fora do teto. Há dúvidas ainda sobre a legalidade de usar esse tipo de instrumento para pagar ações que se estendem por dois ou três anos, ou seja, após o fim do estado de calamidade pública da covid-19 (que vai até 31 de dezembro deste ano).
Na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, a avaliação é de que a pressão por gastos em investimentos deve aumentar, sobretudo com a aproximação da data-limite para o envio da proposta de
Orçamento para 2021, em 31 de agosto.
As tentativas de manobra para escapar das restrições têm preocupado órgãos de controle. O receio é que, para “manter” o teto incólume, o governo e o Congresso acabem “detonando” o Orçamento com os dribles e deixando uma série de despesas à margem do processo de escolhas de gasto.
Nas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o teto de gastos pode ser rompido já no ano que vem, uma vez que a margem para despesas discricionárias (que o governo não tem obrigação de pagar, como manutenção de rodovias e concessão de bolsas de estudo) é estimada em R$ 72,3 bilhões, enquanto a necessidade mínima para manter o funcionamento da máquina é de R$ 89,9 bilhões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes
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