A maior parte da proposta de reforma tributária a ser apresentada pelo governo federal ao Congresso ainda é uma incógnita. Pouco se sabe além dos planos de unificar PIS e Cofins em um único imposto, que terá alíquota mais alta que as atuais. No entanto, Paulo Guedes, ministro da Economia, já adiantou outras mudanças possíveis – e polêmicas. Além da criação de um imposto sobre transações eletrônicas, que já está sendo chamado de “nova CPMF”, a proposta de reforma pode passar a tributar os dividendos pagos pelas empresas a seus acionistas. Isso vai afetar os empresários com companhias participantes do sistema de tributação Simples Nacional, e também terá um impacto profundo sobre os investimentos em ações.
Os dividendos são isentos de imposto desde 1996. Agora, o governo planeja tributá-los em 15%. Como contrapartida, deve reduzir o Imposto de Renda das empresas. A lógica, de acordo com explicação do próprio Guedes, é reduzir os impostos da pessoa jurídica e cobrar mais do acionista para que as companhias tenham mais recursos para investir e crescer.
De acordo com o advogado tributarista Fernando Loeser, do escritório Loeser, Blanchet e Hadad Advogados, o Poder Executivo tem indicado que as eventuais mudanças no Imposto de Renda estarão alinhadas com os princípios da reforma, especialmente a simplificação do sistema tributário. A ideia é alinhar o sistema aos modelos dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os mais desenvolvidos. “A tributação dos dividendos com redução do IR das pessoas jurídicas parece um caminho sem volta”, diz Loeser. “Resta saber como o Executivo proporá a divisão dessa carga tributária e se efetivamente haverá redução do IR das pessoas jurídicas.”
Ele avalia que, caso essa proposta se confirme, pode haver um impacto inicial nas bolsas, mas que será revertido em curto espaço de tempo. “A grande maioria das empresas já reinveste seus lucros”, diz. “Quem compra ações deve pensar no longo prazo. Se, por um lado, houver tributação dos dividendos, a eventual redução da carga tributária da empresa vai aumentar o lucro a ser distribuído.”
Roberto Justo, do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados, também avalia que a tributação de dividendos deve ser aprovada. Para ele, governo e Congresso concordam com essa proposta. Porém, Justo avalia que isso não vai afastar os investidores da bolsa. “Com os juros atuais, existe mais apetite de risco no mercado. A maioria dos países desenvolvidos tributa os dividendos, e isso não impede os investimentos em ações. O melhor exemplo disso é a bolsa americana”, afirma. Justo diz também que as grandes empresas já pagam juros sobre capital próprio, que são tributados em 15%.
Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, afirma que algumas ações são bem vistas por investidores por pagarem um dividendo diferenciado e acima do que a legislação pede. “O novo imposto seria um fator negativo para um mercado que ainda é muito pequeno quando comparado ao de outros países”, diz ele. Galdi diz esperar um efeito negativo, pois as ações de empresas que pagam dividendos diferenciados tendem a ter suas cotações ajustadas para baixo.. Além disso, fundos de ações voltados para dividendos também seriam prejudicados. “Por isso eu acredito que a taxação será avaliada com muito cuidado pelo governo”, diz ele.
Na avaliação de Marcio Loréga, da Ativa Investimentos, a possível tributação sobre os dividendos deve causar um impacto muito pequeno na bolsa, pois as carteiras voltadas para dividendos vão continuar oferecendo rentabilidades competitivas para o investidor, sempre observando seu perfil de risco, claro. “Se o investidor opta por uma carteira voltada para dividendos, ou se ele investe no longo prazo para receber dividendos e ganhar com a valorização de uma ação que seja resiliente, ele não tende a sair da renda variável”, diz Loréga. “O investidor pode até torcer o nariz em um primeiro momento, mas ele não vai voltar para a renda fixa.”
O analista calcula que, mesmo com uma tributação de 15%, as boas pagadoras de dividendos vão manter uma rentabiidade proporcional ao risco e acima do que a renda fixa oferece. Por isso, avalia, ainda que no curtíssimo prazo a proposta afete as ações defensivas que pagam mais dividendos, como as companhias elétricas e outras utilities, a situação voltará ao normal com o tempo. “O nosso mercado vai crescendo, vai buscando uma maturidade. A gente ainda está na infância do nosso mercado de ações, que tem um potencial de crescimento muito grande”, afirma.
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